Por Luiz Fernando Alouche* e Gabriela Libman* — As fortes imagens das chuvas no Rio Grande do Sul levantam questionamentos diversos sobre os impactos imediatos da calamidade e também suas consequências de médio e longo prazo.
A destruição causada implicará, sem dúvidas, perda relevante da atividade econômica no curtíssimo prazo, o que, provavelmente, se traduzirá em aumento do desemprego. Da última vez que vimos uma "parada abrupta" da economia, durante os estágios iniciais da pandemia de covid-19, o governo se apressou em adotar medidas de auxílio e sustentação da renda, flexibilizando também itens da legislação trabalhista.
A primeira coisa que temos que pensar ao falar dos impactos trabalhistas causados pelas chuvas do Rio Grande do Sul é como fica a situação dos trabalhadores afetados pelas enchentes. Isso porque as faltas injustificadas dão ao empregador a possibilidade de descontar o salário do empregado. Vale ressaltar que desastres naturais não constam no rol de faltas justificadas previsto no artigo 473 da CLT.
Entretanto, a falta por conta das enchentes poderá ser considerada um caso de força maior. Inclusive, há precedentes que proíbem o desconto do dia nos casos em que o trabalhador comprova que a sua ausência ocorreu em razão de enchente. Até porque o desconto poderia comprometer ainda mais a situação de um empregado que já se encontra prejudicado por conta das enchentes, sendo certo que o direito do trabalho é regido pelos princípios, entre outros, da proteção ao trabalhador, da norma mais favorável e da intangibilidade salarial.
Além disso, o empregado não pode ser advertido, suspenso ou mandado embora por justa causa por abandono de emprego, caso ele comprove a situação que gerou a impossibilidade de comparecer ao trabalho e informe o empregador sobre a sua ausência.
Para facilitar tal comprovação, o Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS) recomendou que todos os municípios emitam gratuitamente atestado comprobatório da situação de exposição direta a alagamentos e enchentes. Algumas cidades, inclusive, já emitiram o referido atestado, como são os casos de Canoas, Harmonia, Montenegro, Novo Hamburgo, Rio do Sul, São Sebastião do Caí e Venâncio Aires.
Além disso, tivemos uma experiência recente com a pandemia de covid-19, em que foi criada a Lei 14.437 de 2022, que autorizou o Poder Executivo federal a dispor sobre a adoção, por empregados e empregadores, de medidas trabalhistas alternativas e sobre o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, para enfrentamento das consequências sociais e econômicas de estado de calamidade pública em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal reconhecido pelo Poder Executivo federal.
Nesse sentido, ressalta-se que o governo federal já decretou estado de calamidade pública em diversos municípios do Rio Grande do Sul, o que permite a adoção das medidas previstas na lei acima mencionada.
Assim, tomamos como exemplo algumas medidas alternativas que podem ser adotadas pelas empresas a fim de reduzir o impacto causado pela falta dos trabalhadores, bem como para não prejudicar ainda mais aqueles que já se encontram em uma situação difícil causada pelas enchentes, tais como: adoção de regime de teletrabalho; antecipação de férias individuais; concessão de férias coletivas; aproveitamento e antecipação de feriados; regime diferenciado de banco de horas; suspensão da exigência dos recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
O prazo permitido para adoção de tais medidas é de até 90 dias, prorrogável pelo período em que perdurar o estado de calamidade pública. Destaca-se que, dada a magnitude desconhecida do real impacto das chuvas, esses prazos podem, naturalmente, ainda serem alvo de mudanças.
Para as empresas, ainda, é importante a adoção de um plano de ação que envolva uma comunicação transparente e efetiva com os empregados, adoção de políticas que visem à saúde e segurança dos trabalhadores, flexibilização das rotinas de trabalho e a assistência, dentro do possível, aos trabalhadores afetados. Essas também foram algumas das medidas propostas pelo MPT-RS na Recomendação n° 2/2024.
Tal Recomendação orienta que os empregadores se abstenham de adotar medidas de suspensão temporária de contrato de trabalho, salvo como parte integrante de um Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda que venha a ser instituído pelo governo federal. Prescreve, ainda, que não haja perdas salariais a trabalhadores diretamente expostos a alagamentos que tenham de se ausentar do trabalho, sugerindo a adoção das medidas alternativas já listadas em caso de ausência justificada.
O texto também recomenda que os empregadores estabeleçam políticas de flexibilidade de jornada, sem redução salarial, quando serviços como transporte, creches, escolas, entre outros, não estiverem em funcionamento regular e não houver possibilidade de dispensar o trabalhador da atividade presencial.
*Luiz Fernando Alouche é sócio responsável pela área trabalhista do FCAR Advogados
*Gabriela Libman é advogada sênior da área trabalhista do FCAR Advogados
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br