Por Luis Carlos Alcoforado* — Governo algum cuidou, responsavelmente, da ocupação do solo urbano e, muito menos, do solo rural. A tragédia das favelas bem demonstra o total descaso das autoridades. Concentrações de pobreza agudizam a inexistência de solução para o problema, muito mais fruto de falta de políticas públicas do que da vontade das pessoas que vivem em áreas irregulares nas cidades brasileiras.
Costumeiramente, atribui-se ao fator econômico a proliferação da miséria. No entanto, há outras causas que impactam bastante o crescimento dos mocambos. Uma das mais graves e influentes consiste na baixa ocupação das áreas rurais, sob o domínio do Estado, sem qualquer serventia. Ao particular não se confere o direito de ocupá-las e explorá-las, para a sobrevivência ou subsistência, em matéria de terra pública.
Terras públicas abandonadas demonstram o descaso do Estado na transformação da realidade urbana e rural. Na verdade, com total desídia estatal no tratamento do domínio e posse de terra pública, o Brasil conserva um regime jurídico que negligencia a realidade e a necessidade de ocupação, legal e legítima, de áreas sem serventia.
Políticas desalinhadas das vicissitudes sociais de um povo que carece de habitação se prestam, apenas, para agudizar o grave problema de concentrações urbanas desumanas, sem serviços públicos regulares, e ampliação da miséria.
Certamente, temos um Estado perdulário, porque há muita terra abandonada sem cumprir a função social ou econômica. Trata-se de modelo de feudalismo, com a agravante de total improdutividade, enquanto as cidades incham com todos os dramas inerentes a grandes aglomerações urbanas, com multiplicação da pobreza. Um dos óbices para o aproveitamento de terras públicas rurais foi plantado pelo constituinte, ao vedar a aquisição de imóveis públicos, mediante usucapião, por inspiração inadequada do regime jurídico, pautado pelos princípios da inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade.
A Constituição da República andou mais solidária com a dogmática do passado do que o arrojo no tratamento de aquisição de terras públicas rurais ou terras devolutas, consideradas aquelas que, confiadas ao particular, sob o regime de sesmaria, retornaram ao Estado, à falta de implemento de umas das condições resolutivas pelo destinatário.
Nas condições atuais, parece ter chegado a hora de destravar a possibilidade de usucapião de bens públicos rurais, com limitação de área, sob o compromisso constitucional da dignidade da pessoa humana e da função social da propriedade.
*Luis Carlos Alcoforado é advogado.
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