Por Libanio Alves Rodrigues* — As Diretivas Antecipadas de Vontade dos Pacientes - DAV, (equivocadamente conhecidas como testamento vital), são o instrumento (documento público ou particular) pelo qual o paciente declara, antecipadamente, suas vontades sobre os cuidados, procedimentos e tratamentos médicos e terapêuticos que deseja, ou não, receber caso venha a estar incapacitado de expressar sua livre vontade por causa de doença futura ou acidente.
Embora em outros países, como nos Estados Unidos, as DAV sejam instrumento cotidiano e a prática seja considerada corriqueira para a população e para os médicos daquele país, no Brasil, a matéria é disciplinada apenas pela Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina, que foi criada visando dar embasamento mínimo para este instituto, uma vez que não há lei regulamentando esse assunto.
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A Resolução n° 1.995/2012 do CFM traz uma hierarquia para as Diretivas Antecipadas de Vontade: em primeiro lugar, deve ser respeitado o que ficou claramente expresso pelo paciente enquanto ainda podia exprimir sua vontade; em segundo lugar, serão consideradas as diretivas antecipadas expressas por um representante diretamente designado pelo paciente para tais fins.
Não havendo registro da vontade do paciente ou pessoa designada serão consultados os familiares disponíveis e, subsidiariamente a todos esses, o Comitê de Bioética da instituição, ou a Comissão de Ética Médica ou o Conselho Regional e Federal de Medicina.
Importante destacar que as DAV não se confundem com as formas de morte assistida, como a eutanásia (uso de medidas médicas para abreviar a vida de pacientes em situações irreversíveis ou terminais, método ilegal que pode gerar imputação da prática de homicídio); ortotanásia (adoção de medidas médicas adequadas para que o processo de morte se desenvolva naturalmente), e distanásia (uso de medidas médicas desproporcionais para manter artificialmente a vida de um paciente terminal ou em estado irreversível, prolongando o processo de morte).
Assim, por exemplo, no caso de o paciente deixar registrado em suas DAV que deseja a eutanásia, isso não poderá ser realizado, uma vez que se trata de método ilegal no Brasil.
O emprego da ortotanásia está regulamentado na Resolução CFM nº 1.805/2006 (que estabelece condições para o procedimento ortotanásico) e distanásia não foi regulamentada pelo CFM e tampouco em lei e, em regra, tem a sua aplicação, quando o caso, guiada pelo Código de Ética Médica e demais legislação em vigor.
Portanto, as DAV (ou testamento vital) consistem no registro formal de que tipo de tratamento um paciente terminal gostaria de receber: se quer ter a vida sustentada por aparelhos em uma UTI (distanásia), ou apenas receber conforto e métodos paliativos para sua dor até a morte natural (ortotanásia). De qualquer forma, o médico deve sempre submeter os tratamentos registrados nas DAV à ética da medicina e às demais leis do país.
Atualmente, embora o cidadão possa contratar um advogado para formular as DAV, a formalidade não é requisito essencial do ato, sendo que as DAV serão consideradas válidas, mesmo quando informada pessoalmente pelo paciente ao médico e registrada em prontuário. A forma mais usada (e indicada) é por meio de declaração pública formulada em cartório de registro civil.
Tive a oportunidade de atuar em caso no qual a parte requerente entendeu por bem formular suas DAV por meio de ação declaratória distribuída à Vara Cível. Mesmo sob o entendimento da legitimidade da requerente e do pedido, manifestamo-nos pela competência da Vara de Registros Públicos para apreciar e decidir o caso. Instalado o conflito de competência, o TJDFT entendeu, em resumo, que a competência para processamento e julgamento deste tipo de causa é da Vara Cível, tendo em vista o critério residual (artigo 25 da Lei nº 11.697/2008). (Acórdão 1190761, CC nº 07073272220198070000, 1ª Câmara Cível, DJe: 9/8/2019).
O enfrentamento desses temas pela comunidade médica e pelos nossos legisladores torna-se cada vez mais necessário considerando os avanços tecnológicos que possibilitam o prolongamento da vida, ensejando também o eventual e indesejado prolongamento do sofrimento do paciente. Assim, a autonomia da vontade do paciente e a resposta ética do médico a essa autonomia equilibram-se sobre linha tênue, carente da devida segurança jurídica para as partes, ante a falta de legislação própria.
Nesse sentido, apontamos a informação promissora de Maria Berenice Dias, sobre o Projeto de Reforma do Código Civil, que contemplará, no capítulo dos Direitos da Personalidade, no art. 15, o direito de ninguém ser constrangido a se submeter a tratamento médico ou intervenção cirúrgica, as diretivas antecipadas de vontade; a indicação de pessoa para a tomada de decisões a respeito da saúde de outra pessoa, e a recusa terapêutica, entre outros avanços (in https://berenicedias.com.br/projeto-de-reforma-do-cc-parte-geral/)
*Libanio Alves Rodrigues é promotor de Justiça nas áreas cível, família e sucessões em Brasília
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