Por Everardo Gueiros, Advogado e ex-desembargador do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal
O cidadão racional e consciente se associa à sociedade civil para ter seus direitos básicos garantidos. Nesse sentido, expressar suas ideias é o mais simples de todos. A democracia funciona para controlar os instintos naturais do homem por meio do "contrato social" que preserva o coletivo e a convivência pacífica.
Assim, é garantido o respeito à opinião da minoria, mesmo que seja dissonante à maioria, e esta não será atacada pelas discordâncias em relação a quem governa.
É sob esse viés que as instituições do Estado, poderes constituídos e outras ferramentas foram criadas; para serem agentes da preservação. Ao advogado, cabe a nobre função de proteger o indivíduo ou grupos, defendendo os que creem ter seus direitos lesados, limitados ou cerceados. A Ordem de Advogados do Brasil (OAB) nasceu para lutas maiores, com o propósito de defender as grandes causas nacionais. Protege especialmente as leis, porque na ausência delas não há Estado Democrático de Direito. Seriam autoritarismos diversos, sempre nefastos ou permissivos.
Quando a lei e os direitos são violados de forma contínua, sem espaço para a busca da reparação, a democracia morre em sua essência. Voltamos ao estado natural semelhante ao de Hobbes, onde homens devoram uns aos outros pela falta de limites legais.
A história do Brasil registra inúmeros momentos em que a OAB teve papel fundamental para preservar íntegra a democracia de nossa Nação, na defesa das prerrogativas, liberdades e direitos do povo brasileiro. O panteão da advocacia é imenso, e nossos heróis tiveram uma envergadura gigantesca durante nossos momentos mais dramáticos.
Apesar desse passado da OAB ter sido de lutas gloriosas, os seus atuais dirigentes envergonham esse passado e ameaçam o seu futuro. Pois, insistem em continuar no caminho da omissão e da associação à causas que censuram, limitam e cerceiam as liberdades mais básicas dos cidadãos e dos seus representantes.
A tentativa de silenciar o deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS), por discurso proferido no plenário da Câmara, é sintoma gritante dessa distorção. Se no passado a OAB lutou para dar voz ao nosso Parlamento, hoje quer lhe impor a mordaça.
Que a outra parte não concorde com os argumentos e propostas apresentadas, é do jogo democrático. Que exerça a censura, é o extremo oposto de uma democracia. Se o princípio da publicidade e a liberdade de expressão são limitados, está decretado, pela força institucionalizada, que apenas uma ideia terá o direito de circular entre nossos cidadãos. Ainda mais se ocorre na instituição em que se votam matérias legislativas que impactam a vida de todos os brasileiros.
Em tempos sombrios, vemos isso acontecer sem que a Ordem faça, ao menos, um suave protesto verbal. É o exercício da autocensura conivente. A OAB não deve se associar ou endossar atos que limitem as liberdades e garantias individuais ou coletivas.
É uma instituição nacional a favor da democracia, não contra o Estado de Direito. A ela não se permite ação partidarizada, politizada se não há um regime de exceção perseguindo brasileiros.
Não é porque representa os advogados, ou até porque representa todos os advogados, que a OAB pode se comportar como se fosse escritório a serviço de um cidadão. É preciso que haja a consciência da força e do poder institucional, sob pena de se apequenar um passado gigantesco em nome de interesses personalíssimos e subalternos.
A complexa teia entre liberdade de expressão e fake news
Por Jonathan Hernandes Marcantonio, doutor em filosofia do direito e do Estado pela PUC-SP. Professor universitário. Advogado com ênfase em direito público e João Ibaixe Jr, advogado criminalista, ex-delegado de polícia, especialista em direito penal, pós-graduado e
mestre em filosofia do direito e do Estado
Em uma era definida pela informação instantânea e pela interconectividade global, a liberdade de expressão enfrenta desafios sem precedentes com a ascensão das fake news. Este fenômeno, caracterizado pela disseminação deliberada de informações falsas ou enganosas, ameaça não apenas a integridade do debate público, mas também os alicerces da democracia. A liberdade de expressão, um direito fundamental consagrado em constituições e tratados internacionais, promove a diversidade de opiniões e a participação cidadã. No entanto, a proliferação de notícias falsas exige uma reflexão jurídico-técnica sobre os limites desse direito.
As fake news diferem de simples erros ou interpretações divergentes por sua intenção de enganar, podendo minar a confiança nas instituições, polarizar sociedades e incitar a violência. Diante desse cenário, emerge a questão: como equilibrar a proteção à liberdade de expressão com a necessidade de combater a desinformação?
A liberdade de expressão é amplamente reconhecida como um direito não absoluto, sujeito a restrições destinadas a proteger outros direitos e interesses públicos. A luta contra as fake news se insere nesse contexto, justificando medidas que, embora limitem esse direito, são proporcionais e necessárias para preservar a ordem democrática.
A regulação das fake news representa um desafio complexo. Medidas excessivamente amplas ou imprecisas correm o risco de reprimir o debate legítimo, enquanto a inação pode deixar o campo livre para a manipulação da verdade. A resposta a esse dilema passa pela implementação de estratégias jurídicas e regulatórias equilibradas.
Diversos países têm explorado legislações específicas para enfrentar o problema das fake news. Na Alemanha, a Lei de Execução da Rede (NetzDG) exige que plataformas de mídia social removam conteúdo ilegal, incluindo notícias falsas, em um prazo específico sob pena de pesadas multas. Em Singapura, a Lei de Proteção contra Falsidades e Manipulação Online (POFMA) permite que o governo exija a correção ou remoção de informações consideradas falsas. Na França, a lei sobre a manipulação da informação visa combater a disseminação de notícias falsas durante períodos eleitorais.
Além da legislação, a verificação de fatos por organizações independentes e a autoregulação de plataformas digitais surgem como soluções complementares. Estas estratégias promovem a responsabilidade e a transparência, permitindo que a sociedade civil e as empresas de tecnologia desempenhem um papel ativo no combate à desinformação, sem necessidade de intervenção estatal direta.
A educação midiática também se destaca como uma ferramenta vital, capacitando os cidadãos a discernir entre informações confiáveis e falsas, fortalecendo assim a resiliência da sociedade diante da desinformação.
Confrontar as fake news, portanto, requer uma abordagem multifacetada que equilibre a proteção à liberdade de expressão com a promoção de um espaço público informado e confiável. A legislação pode oferecer um caminho, mas a solução definitiva reside na combinação de leis cuidadosamente elaboradas, práticas de autorregulação responsáveis e um público bem informado e crítico.
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