TRABALHO

Artigo: As reflexões sobre o trabalho invisibilizado

Para o IBGE, isso representa que, em média, mulheres, no Brasil, dedicam 10,4 horas por semana a mais que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas

A disparidade global de gênero no ambiente de trabalho é muito maior do que se pensava anteriormente -  (crédito: Avinash Kumar/Unsplash)
A disparidade global de gênero no ambiente de trabalho é muito maior do que se pensava anteriormente - (crédito: Avinash Kumar/Unsplash)

A Colômbia está discutindo a reforma da previdência ("reforma pensional") e entre os cinco pontos fundamentais que o governo busca aprovar no Congresso está "el esfuerzo por reducir la brecha de género en el acceso a pensión".

Esse esforço para reduzir a disparidade de gênero no acesso às pensões traz reflexões importantes no que diz respeito a um olhar do Estado para o trabalho não remunerado que as mulheres executam nos lares. Então, a proposta local é a de que as mulheres tenham menos tempo de idade que os homens para aposentadoria considerando exatamente seu esforço laboral com a "economia do cuidado".

Esse reconhecimento aumenta em 22% a probabilidade de uma mulher na Colômbia receber uma pensão.

"O que eles chamam de amor, nós chamamos de trabalho não pago", aponta a filósofa de gênero mais aclamada atualmente na pauta, Silvia Federici.

Estamos falando de trabalho não remunerado! Não chama a atenção em pleno século 21 estarmos discutindo ainda um cenário como este?

A Oxfam — confederação de organizações que atua na busca de soluções para o problema da pobreza, desigualdade e da injustiça - divulgou que mulheres e meninas dedicam 12,5 bilhões de horas ao trabalho do cuidado não remunerado.

Para o IBGE, isso representa que, em média, mulheres, no Brasil, dedicam 10,4 horas por semana a mais que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas. Se esse tempo, esforço, dedicação deixassem de ser invisibilizados e passassem a ser reconhecidos, valorizados e remunerados, as mulheres representariam um dado de contribuição anual avaliada ao menos em 10,8 trilhões de dólares para a economia global, considerando uma remuneração mensal de pelo menos um salário mínimo.

Essa é a "economia do cuidado": quanto se deixa de mobilizar economicamente pelo trabalho de cuidar de outras pessoas, crianças, idosos, outros familiares e pessoas doentes, em sua maioria, ainda executado por mulheres, 75%.

Isso reflete, inclusive, nas profissões regulamentadas. Aquelas que são atinentes ao cuidado com o outro e que historicamente vêm sendo executadas em sua maioria por mulheres no mercado de trabalho.

O ensino básico brasileiro, em sua maior parte, é realizado por mulheres. Do corpo docente, composto por mais de 2,3 milhões de profissionais, 1,8 milhão (79,2%) são professoras. Na área da saúde, as mulheres representam quase 70% dos profissionais no Brasil, segundo dados do último Censo do IBGE.

A disparidade global de gênero no ambiente de trabalho é muito maior do que se pensava anteriormente. Quando são levadas em consideração certas diferenças legais que envolvem violência e cuidados infantis, as mulheres gozam de menos de 2/3 dos direitos dos homens. Nenhum país oferece oportunidades iguais às mulheres — nem mesmo as economias mais ricas. É a conclusão do relatório recém-lançado pelo Grupo Banco Mundial: "Mulheres, Negócios e o Direito 2024".

"A eliminação dessa disparidade poderia aumentar o produto interno bruto global em mais de 20%, o que, em essência, duplicaria a taxa de crescimento global durante a próxima década", afirma o economista-chefe do Grupo Banco Mundial e vice-presidente sênior de Economia do Desenvolvimento.

No empreendedorismo, por exemplo, apenas 1 em cada 5 economias adota critérios sensíveis ao gênero em seus processos de aquisições e contratações públicas, o que significa que as mulheres são, em grande parte, excluídas de uma oportunidade econômica equivalente a US$ 10 trilhões de dólares ao ano.

No quesito remuneração, as mulheres ganham apenas US$ 0,77 dólares para cada US$ 1,00 dólar pago aos homens.

Essas disparidades persistem até a aposentadoria. Em 62 economias, as idades em que homens e mulheres adquirem o direito de se aposentar não são as mesmas. As mulheres tendem a viver mais que os homens, mas como recebem salários mais baixos enquanto trabalham, afastam-se quando têm filhos e se aposentam mais cedo, e, assim, acabam por receber pensões mais baixas e sofrer maior insegurança financeira na velhice.

A premiada Nobel de Economia 2023, Cláudia Goldin (primeira mulher a receber o prêmio sozinha, também primeira professora mulher no departamento de Economia de Harvard), em estudos sobre a economia do cuidado, avaliando dados de mais de 200 anos das mulheres no mercado de trabalho, concluiu não somente que as mulheres trabalhadoras recebem menos depois que se tornam mães (depois da chegada do primeiro filho, a disparidade salarial entre os gêneros sobe de 8% para 27%), mas que a entrada da força feminina no mercado de trabalho não significou aumento salarial para elas.

O cenário evidencia séculos de oportunidades remuneratórias arrancadas das mulheres que executam seu papel na sociedade com trabalho árduo, cheio de capacidades e dedicação. Essa usurpação vem sendo reconhecidamente passível de compensação por anos de trabalho das mulheres em sede de regimes previdenciários, como o discutido neste momento na Colômbia.

E a economia global? Quando vai olhar para tudo o que lucrou com o trabalho do cuidado desempenhado por milhares de mulheres que possibilitou o avanço da sociedade como um todo?

Mariana Covre

Advogada com atuação jurídica especializada em Compliance de Gênero

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postado em 02/05/2024 05:01
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