Por sete votos a quatro, o STF decidiu que uma gravação de crime, feita em ambiente privado, sem autorização judicial e sem o consentimento da parte envolvida, fere a privacidade e a intimidade e, portanto, é ilícita em processo eleitoral, mesmo que tenha sido realizada por um dos interlocutores. Se a gravação ocorrer em ambiente público, sem qualquer controle de acesso, pode ser validada porque, nesse caso, não há violação à intimidade.
O relator foi o ministro Dias Toffoli. Segundo o STF, a decisão será aplicada a partir das eleições de 2022 e foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1040515, com repercussão geral reconhecida (Tema 979), na sessão plenária virtual encerrada em 26 de abril.
- Prestar contas é fundamental durante as eleições, reforça advogada
- IA nas eleições: medidas são apenas primeiro passo para ambiente sustentável
Advogados que atuam em casos semelhantes se preparam para pedir a nulidade da prova. É o caso de Paulo Emílio Catta Preta que representa réus, como o ex-governador José Roberto Arruda, na Operação Caixa de Pandora. Parte dos réus aparece em vídeo recebendo dinheiro das mãos do delator do caso, o ex-delegado Durval Barbosa.
Catta Preta pretende incluir a decisão nas alegações finais dos processos que foram remetidos à Justiça Eleitoral. Ele considera que os vídeos gravados por Durval Barbosa encaixam perfeitamente na tese. "O mesmo entendimento deve ser aplicado ao caso da Caixa de Pandora - onde foram largamente utilizadas gravações clandestinas, editadas e manipuladas -, sobretudo porque se trata da fiel aplicação do art. 8o-A, parágrafo 4° da Lei 13.964", afirma o advogado.
Compra de votos
O recurso em questão foi apresentado ao STF pelo Ministério Público Eleitoral contra decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que anulou a condenação de prefeito e vice-prefeito do município de Pedrinhas (SE), por compra de votos nas eleições de 2012.
O TSE apontou a nulidade das provas, pois as gravações que fundamentaram a condenação foram realizadas sem o conhecimento do outro interlocutor. Prevaleceu no julgamento o voto do relator, ministro Dias Toffoli, no sentido de negar o recurso.
Ele lembrou que o entendimento do TSE sobre a matéria vem oscilando, o que, a seu ver, reforça a necessidade de o Supremo firmar uma tese para assegurar a segurança jurídica no processo eleitoral.
Toffoli já vinha tomando decisões baseadas no entendimento que prevaleceu neste julgamento. Em 2020, ele concedeu uma liminar para suspender decisão do TSE que cassou o mandato do deputado distrital José Gomes (PSB).
O político havia sido condenado por coagir funcionários da empresa de sua família, a Real JG Serviços Gerais, a votarem nele nas eleições de 2018. A denúncia apresentada à Justiça, que levou à cassação do deputado, leva em conta gravações feitas por empregados durante reuniões da prestadora de serviços.
Toffoli lembrou que, até o pleito de 2014, o TSE admitia esse tipo de prova apenas quando produzida em local público sem controle de acesso. Para o ministro, essa orientação é a que mais se harmoniza com as peculiaridades do processo eleitoral, em que os interesses e as conveniências partidárias, muitas vezes, se "sobrepõem à lisura de um processo eleitoral conduzido por debates propositivos e voltados para o interesse coletivo".
No seu entendimento, a gravação em espaço privado, em razão das acirradas disputas político-eleitorais, pode decorrer de arranjo prévio para a indução ou a instigação de um flagrante preparado.
Divergência
A divergência foi liderada pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF. O entendimento foi de que se admite como prova do ilícito eleitoral a gravação feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem prévia autorização judicial, em ambiente público ou privado.
Segundo Barroso, cabe ao julgador reconhecer a nulidade da gravação, se for constatado que o interlocutor foi induzido ou constrangido a praticar o ilícito. Seguiram esse entendimento os ministros Edson Fachin e Luiz Fux, e a ministra Cármen Lúcia.
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br