Por Sérgio Bruno Cabral Fernandes* — Em geral, perguntas são mais importantes que respostas. O que causou a morte de Marielle e Anderson? Uma pergunta no ar gera indefinição. Nosso cérebro não gosta de incertezas e, por isso, procura rapidamente a resposta mais próxima e fácil.
O modo mais imediato de se eliminar essa interrogação é traçar uma reta entre a consequência (pergunta) e a causa mais próxima (resposta). É o chamado raciocínio linear, uma espécie de fast food do pensamento. Essa forma linear de se estabelecer a relação entre causa e consequência, herdada dos nossos ancestrais, é útil em certas situações, como cenários de perigo. Porém, não funciona quando estamos diante de problemas complexos.
O mundo real de hoje opera de outra maneira. E, raramente, a verdadeira causa de um problema relevante é tão evidente que possa simplesmente ser encontrada por meio de raciocínios lineares.
Quando isso acontece, ou estamos olhando para a causa errada ou ela é apenas um pedaço de um todo que não enxergamos. É o que acontece quando se tenta entender os assassinatos da vereadora e seu motorista.
Quando o Capitão Nascimento, protagonista de Tropa de Elite, imortalizou a frase "O Sistema é F..., parceiro." tinha um conhecimento empírico muito preciso sobre o que queria dizer. Contudo, talvez não soubesse que sua constatação tem sólido fundamento teórico. Segundo a Teoria dos Sistemas, um sistema é feito de elementos, relações e propósito. Um sistema complexo, por sua vez, é aquele que possui muitas interconexões ou inter-relações. Quanto mais relacionamentos, mais complexo é o sistema.
Normalmente, ao se procurar a causa de um problema, olhamos para os elementos do sistema e ignoramos as relações. Pensar sistemicamente dá mais trabalho. Nosso cérebro, conhecido por ser um "avarento cognitivo", não gosta de desperdiçar energia, prefere ficar com a resposta mais fácil, ainda que errada.
Entretanto, é justamente nos relacionamentos entre os elementos do sistema que encontramos as respostas que precisamos para entender e intervir no problema. Vivemos num mundo de sistemas e não de retas paralelas.
O pensamento linear nos leva a dizer que a ação de mandantes e executores são a causa do homicídio da vereadora e de seu motorista. Essa é a resposta fácil. Porém, além de imprecisa, lança uma névoa que nos impede de enxergar o problema em sua complexidade. Mandantes e executores são apenas dois elementos de um sistema complexo, com muitas inter-relações.
O Nascimento do primeiro filme imaginou que iria resolver o problema da criminalidade violenta do Rio subindo morro e prendendo traficante. Pensamento linear. Estava olhando apenas para os elementos do sistema criminoso, de forma isolada, e ainda não enxergava os relacionamentos deste com outros sistemas, como o político e o social.
Posteriormente, no segundo filme, Nascimento percebeu que havia outros sistemas influenciando seu habitat natural, ou seja, começou a enxergar os relacionamentos do sistema. Entendeu também que esses sistemas possuem outros propósitos, como ocorre em um sistema político corrupto.
O agora Coronel aprendeu que, ao se lidar com sistemas complexos, é ingênuo tentar resolver o problema apenas substituindo os elementos do sistema. Precisa ser feito, todavia, não resolve.
Quando se lida com complexidade, o olhar deve ser direcionado para as relações entre os elementos e não para esses individualmente. As relações ditam o comportamento dos elementos do sistema. Intervindo-se nelas, muda-se o sistema.
Para enxergar os relacionamentos desse caso, pense em corrupção, impunidade, política do "toma lá da cá", partidos de aluguel, tolerância criminal, politização do sistema de Justiça, patrimonialismo, péssima qualidade dos serviços públicos, baixo nível educacional, omissão estatal e manipulação da informação.
Esses problemas estão inter-relacionados, não por simples retas, mas por um intricado ciclo vicioso que se retroalimenta e se adapta.
O erro, pois, está em pensar que esse crime é consequência de um sistema mecânico, o qual pode ser resolvido trocando-se peças defeituosas (executores e mandantes). Na realidade, esses homicídios são frutos de um sistema vivo, orgânico, que se adapta e evolui. Em outras palavras, a lógica aqui está muito mais para Darwin do que para Newton.
Portanto, a causa das mortes de Marielle e Anderson vai muito além da linha que liga mandantes e assassinos ao crime. As verdadeiras causas estão nos relacionamentos e no propósito de dois sistemas que deveriam atuar em contraposição, mas que hoje mantêm uma relação parasitária, na qual o parasita (crime organizado) controla o hospedeiro (Estado).
O produto dessa interação convencionou-se chamar pelo nome de Milícia.
*Promotor de Justiça no Distrito Federal e mestre em Direito pela Universidade Cornell (Ithaca, NY, EUA)
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