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Karoline Bezerra Maia torna-se a primeira promotora quilombola do Brasil

Karoline Bezerra Maia foi a primeira da família a ingressar e concluir o ensino superior

Karoline Bezerra Maia enfrentou muitas adversidades na busca pelo sonho de chegar ao Ministério Público, num país com tantas desigualdades e obstáculos, especialmente para quem nasceu numa família com pais analfabetos e oriundos de uma comunidade quilombola.

Mas dois fatores foram essenciais para a realização desse projeto: a sua determinação e o incentivo do pai, Erozino Boaventura Maia, um obstinado que começou a trabalhar aos sete anos, foi escravizado, tinha o braço marcado pelo serviço no engenho e que morreu analfabeto depois de passar dias no corredor de um hospital.

Seu Erozino fez o que esteve ao seu alcance para que a caçula de uma prole de seis filhos pudesse estudar. Karoline chegou lá. Tomou posse neste mês no Ministério Público do Pará e tornou-se a primeira promotora de Justiça quilombola do país. "Meu pai sempre acreditou mais em mim do que eu mesma", contou a nova promotora de Justiça ao Correio.

Ela ainda ri com timidez quando é chamada de Dra. Karoline. Por enquanto, a maranhense passa pelo curso de ambientação para assumir o gabinete na unidade do MP na comarca de Senador José Porfirio (PA), em 22 de abril.

Não poderia ser uma data mais sugestiva. Aos 34 anos, Karoline tem agora um novo mundo a descobrir e não vai ser moleza. No Ministério Público, a promotora vai atuar numa espécie de clínica geral, ou melhor, pronto-socorro: direito civil, criminal, ambiental… Questões de todas as naturezas.

O município Senador José Porfírio, com cerca de 11 mil habitantes, está distribuído numa área de 14.419 km2 de extensão territorial na Amazônia. Possui altos índices de degradação ambiental, a 75 km de Altamira, região com tantos problemas de criminalidade.

Mas Karoline está acostumada a vencer desafios. Quando criança, os pais deixaram a comunidade quilombola de Jutaí, localizada no município maranhense de Monção, para viver em São Luís, onde a menina poderia estudar. Aplicada, ela conseguiu bolsa no ensino fundamental e frequentou escola particular. No ensino médio, a situação se complicou. Sem ajuda, o pai precisou pegar empréstimos para pagar as mensalidades a cada início de ano.

Para cobrir as despesas, Karoline deu aulas particulares e ajudava a mãe, Raimunda Bezerra Maia, a fazer e vender doces. A mãe adoeceu quando ela cursava o ensino médio e as coisas ficaram mais difíceis para a família, com o custo do tratamento dela.

Com esforço, Karoline foi a primeira da família a ingressar e concluir o ensino superior. Em seguida, ela passou a trabalhar e estudar para concursos públicos. Pelo Instagram, descobriu, em 2014, um curso que a ajudaria bastante: o Projeto Identidade da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), implementado pela Fundação Pedro Jorge (FPJ), hoje presidida pelo subprocurador-geral da República Alexandre Camanho de Assis, e que contou com apoio da Educafro.

O projeto selecionava cem estudantes em todo o país e 10, entre eles Karine, foram beneficiados com uma bolsa de R$ 2,5 mil ao mês, financiada pela Fundação Ford, durante seis meses.

O Projeto Identidade teve parte fundamental na aprovação. Ela teve aulas sobre como estudar e esquematizar as matérias, sessões com terapeutas, aulas gravadas e ao vivo com professores voluntários.

Trabalhando em um escritório de advocacia com salário que pouco dava para sobreviver e estudando, Karoline se tornou "concurseira". Até que pensou em desistir de tudo. Foi quando o pai teve uma crise de diverticulite e foi parar no hospital em plena pandemia de covid-19. Na verdade, no corredor. "Infelizmente, eu não tive condições de dar um atendimento médico digno para meu pai", conta emocionada.

Antes de partir, o pai a fez prometer que seguiria com força de vontade e resiliência em busca do concurso público, da formação profissional. Karoline deixou o escritório de advocacia para se dedicar aos estudos. "Me senti como se tivesse me jogado de um helicóptero sem paraquedas", conta.

As primeiras vitórias começaram a surgir. Karoline passou no concurso público para o Ministério Público de Sergipe, da Defensoria Pública de Rondônia e da Procuradoria Municipal de Manaus. Mas fora das vagas. Até que saiu o resultado do Ministério Público do Pará. Ela estava dentro.

A ANPR e, em especial, a Comissão ANPR Raça, foi informada da posse da estudante e se manifestou com muito orgulho. "Não fazemos um projeto apenas por um objetivo único de aprovação, mas também pelo empoderamento e crescimento de todo um coletivo. A aprovação de uma mulher preta nos demonstra isso, quando um alcança, todo um grupo acredita que também pode alcançar, e projetos educacionais ajudam nesse caminho. Muito orgulho de ver a ANPR envolvida nessa missão", declarou a coordenadora adjunta da Comissão, Nathália Mariel, que foi professora de Karoline.

Na cerimônia de posse, os familiares estavam também orgulhosos e realizados pela conquista de Karoline. "O orgulho que a gente sente é imenso por este momento. Pelo menos uma pessoa de nossa família, uma família de pretos, uma família de quilombolas. Posso até dizer que meu pai chegou a ser escravo, porque trabalhou desde os sete anos de idade. Isso impactou muito nossas vidas. E quando a gente vê que pelo menos uma pessoa conseguiu sobressair, a gente não tem palavras para resumir nossos sentimentos", revela a irmã Joana Maia, logo após prestigiar a cerimônia de posse, em entrevista à equipe de jornalismo da ANPR.

Karoline disse ao Correio que seu grande desejo agora é se tornar um exemplo para outras pessoas que têm planos de entrar no Ministério Público ou na magistratura. "Meu sonho é que minha vida possa ser inspiração para mulheres pretas, quilombolas buscarem seus objetivos. Quero que compreendam que é possível", afirma. Outra meta é desempenhar bem a sua função em defesa da sociedade. Ela também quer ter filhos e ensinar a eles tudo o que aprendeu com os pais.

Projeto Identidade

O projeto encontra-se em fase de reformulação. O objetivo da Associação Nacional dos Procuradores da República — em parceria com a Fundação Pedro Jorge e a Educafro, com iniciativas como essa, é promover maior diversidade racial nos quadros do MPF e de outras instituições. A ANPR Raça requereu à Procuradoria-Geral da República a implantação de um projeto de capacitação de pessoas negras para o ingresso nos quadros do Ministério Público Federal.


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