ENTREVISTA

'A corrupção parece uma fênix', diz Renato Rainha, do TCDF

Na visão de Renato Rainha, a população se incomoda com a corrupção, mas faltam medidas simples, como o voto consciente

A melhor forma de poupar recursos públicos de desperdícios e desvios, na visão do conselheiro Renato Rainha, é a prevenção. Cabe aos Tribunais de Contas do país orientar e recomendar políticas públicas e ações que prestigiem a boa gestão. Mas se essa estratégia não levar a resultados satisfatórios o caminho é a punição do gestor, ressalta o integrante do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). Na visão de Renato Rainha, a população se incomoda com a corrupção, mas faltam medidas simples, como o voto consciente para eleger candidatos com ficha limpa e tirar de circulação os envolvidos em casos nebulosos. O conselheiro adverte que a corrupção se reinventa e sempre encontra uma nova roupagem para sobreviver.

O Brasil e as unidades da federação enfrentaram uma pandemia de covid e agora uma epidemia de dengue. São questões que exigem reações ágeis do Poder Público. Como compatibilizar essa agilidade com o respeito às regras de transparência e evitar o direcionamento nas contratações com possível superfaturamento?

Primeiramente, quero destacar que a ação mais efetiva para amenizar as consequências de uma pandemia ou de qualquer problema grave é o eficiente e permanente planejamento governamental, uma vez que permite a adoção de ações preventivas, impedindo consequências desastrosas para a população. Para ações que devem ser adotadas com urgência e agilidade a própria lei dá o caminho. Contratar com dispensa de licitação não significa contratar sem cuidado e sem limites. O artigo 72 da nova lei das licitações, no caso de contratações emergenciais, determina rigorosa pesquisa de preços, justificativa da escolha do contratado, pareceres técnicos e jurídicos limitando os procedimentos de aquisição emergencial, entre outras exigências. Além do mais, no caso da contratação indevida, ocorrida com dolo, fraude ou erro grosseiro, o agente público responde solidariamente com a empresa contratada pelo dano causado ao erário, além de responder na Justiça por crime e improbidade administrativa.

Cabe aos Tribunais de Contas interferir em políticas públicas de forma que sejam mais eficientes para evitar desperdícios dos recursos públicos?

Sim, os Tribunais de Contas, como órgãos de controle, devem garantir que todas as ações governamentais ocorram em harmonia com os princípios que regem a administração pública, em especial com os princípios da eficiência, moralidade, impessoalidade, economicidade, publicidade, legalidade, entre outros. Ao perceber que qualquer ação governamental, inclusive as políticas públicas, estão sendo executadas ao arrepio desses princípios, os Tribunais de Contas devem emitir determinações para corrigir as irregularidades e distorções, e, se necessário, até suspender as políticas públicas prejudiciais ao interesse público.

O que mais tem prevalecido no trabalho dos Tribunais de Contas do país: o papel de punir mais gestores ou evitar, com determinações e orientações, desvios de recursos?

Os Tribunais de Contas têm dado prioridade para as ações preventivas e concomitantes, bem como para atuações pedagógicas e orientativas. Prevenir é o melhor caminho; sempre foi e será. Todavia, muitas vezes o gestor não segue o caminho legal e as orientações dos Tribunais de Contas. Neste caso, não resta outra alternativa que não a de punir o responsável pela irregularidade.

Um conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro é acusado de ser o mandante da execução da vereadora Marielle Franco que acabou resultando também na morte do motorista Anderson Gomes. Como evitar que pessoas com esse perfil se tornem responsáveis pela fiscalização dos gastos públicos?

Fazendo com que o Poder Legislativo, a quem cabe, em última análise, a aprovação do candidato indicado, seja rigoroso na avaliação dos requisitos que o cidadão deve ter para ser membro de um Tribunal de Contas. Os requisitos são rigorosos e estabelecidos na Constituição Federal e nas Constituições Estaduais (no caso do DF na nossa Lei Orgânica) e são os seguintes: idoneidade moral, reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros e da administração pública, entre outros. Basta que a escolha obedeça ao que foi estabelecido na legislação.

Acredita que os Tribunais de Contas passam por controle externo como deveriam?

Sim, inclusive pelos seus pares, através do método Marco de Medição e Desempenho idealizado e coordenado pela Atricon, que foi certificado pela Fundação Vanzolini (Fundação Carlos Alberto Vanzolini). A cada dois anos, os Tribunais de Contas de todo o país são fiscalizados por conselheiros, conselheiros-substitutos e auditores de Tribunais de Contas de outras regiões do Brasil. E essa fiscalização é rigorosíssima. Posso afirmar isso porque já coordenei equipes de fiscalização de Tribunais de Contas nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil. Além disso, tem o controle da sociedade, da imprensa e do Poder Legislativo. É claro que o controle externo dos Tribunais de Contas sempre pode melhorar, até porque, transparência e publicidade nunca são demais.

O foco das auditorias deve levar em conta os temas que afetam a vida dos cidadãos?

Sim, o foco das auditorias deve levar em conta os problemas e as questões que mais afetam o cidadão. Como não temos condições de auditar tudo, por carência de pessoal, temos que fiscalizar, controlar e analisar o que é prioritário para a sociedade. Nesse momento, estou coordenando, a pedido da Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil), uma auditoria nacional sobre violência contra crianças e adolescentes. Tema que os Tribunais de Contas consideram essencial para a sociedade.

Qual foi o impacto da nova lei de licitações na qualidade dos gastos públicos?

A nova lei de licitações ainda está no início de sua aplicação, portanto, ainda não identificamos efeitos práticos consideráveis. Mas acredito que ela trará bons resultados para a melhoria dos gastos públicos, haja vista que a lei 14.133/21 reforçou consideravelmente os instrumentos de planejamento das aquisições governamentais, bem como detalhou os procedimentos para uma eficiente pesquisa de preços.

Acredita que houve um recuo no combate à corrupção no país nos últimos anos?

Não diria um recuo, mas uma estagnação. Precisamos investir mais nos órgãos de controle e na capacitação permanente de seus membros, pois a corrupção está sempre se reinventando. Parece uma Fênix. Quando desarticulada em determinada modalidade, a corrupção surge com outra roupagem. Por isso, é importante a integração cada vez maior de todos os órgãos de controle e de investigação com escopo de melhor prevenir e combater a corrupção.

Na sua opinião, os cidadãos realmente se incomodam com o envolvimento dos políticos com corrupção ou predomina, hoje, o rouba, mas faz?

Na minha opinião, a esmagadora maioria da população, que é composta por mulheres e homens de bem, se incomoda, e muito, com o envolvimento dos políticos com a corrupção. Mas apenas se incomodar não basta. É necessário agir. E como a população pode agir? Com a arma mais poderosa que a democracia coloca nas mãos do todo cidadão, ou seja, o voto consciente, sério e responsável. Enquanto a população continuar elegendo políticos, cuja prática de corrupção é notória, não mudaremos nossa triste realidade. Einstein já nos ensinava que, ao fazermos sempre a mesma coisa, não podemos esperar resultados diferentes.

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