Direitos dos animais

Vanessa Negrini: Direitos animais no Código Civil

A inclusão de capítulo dedicado aos direitos dos animais no anteprojeto de reforma do Código Civil representa marco importante na evolução do sistema jurídico do país

Vanessa Negrini é diretora do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. -  (crédito:  Carlos Vieira/CB/DA.Press)
Vanessa Negrini é diretora do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. - (crédito: Carlos Vieira/CB/DA.Press)

Por Vanessa Negrini* — À medida que a sociedade evolui, surgem novas perspectivas sobre os direitos, reconhecendo-os onde anteriormente não eram vistos. Os movimentos de defesa dos direitos animais avançam no mundo, impulsionados pelo respaldo científico desde a Declaração de Cambridge, de 2012, que reconheceu a senciência animal. O reconhecimento científico provoca reflexões na sociedade, refletindo-se em ordenamentos jurídicos e decisões judiciais.

A inclusão de capítulo dedicado aos direitos dos animais no anteprojeto de reforma do Código Civil representa marco importante na evolução do sistema jurídico do país. Reflete conscientização crescente sobre o bem-estar animal e sinaliza mudança profunda na percepção e no tratamento que recebem da sociedade e do sistema legal.

Jurisprudência brasileira

Tribunais brasileiros têm tendência de reconhecimento da singularidade dos animais como seres sencientes, buscando proteger seus direitos e bem-estar.

Por exemplo, em Recurso Especial n. 1.713.167, o ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), abriu espaço para uma nova categoria jurídica para os animais, decisão que enfatiza a importância de proteção adequada e alinhada aos valores sociais. Já o Recurso Especial n. 1.115.916/MG discutiu a crueldade, reconhecendo a capacidade de sentir dor.

Em tribunais estaduais como TJSP, TJMG e TJPR, animais são reconhecidos como "sujeitos de direitos despersonificados" e "seres sencientes", com direito à tutela jurisdicional em caso de violação de direitos.

Direitos animais no mundo

Em todo o mundo, há mudanças significativas nos ordenamentos jurídicos. Na Áustria, na Alemanha e na Suíça, animais foram explicitamente reconhecidos como seres protegidos por leis especiais, não mais tratados como objetos. Já Holanda, França, Espanha e Portugal reformaram seus códigos civis para considerá-los seres sencientes e dotados de sensibilidade, sujeitos à proteção jurídica. Na Nova Zelândia e na Noruega, entre outros exemplos, leis foram promulgadas para garantir bem-estar e protegê-los do estresse.

Direitos Animais nos estados e municípios brasileiros

Leis estaduais também reconhecem os animais como sencientes e sujeitos de direitos, promovendo proteção e bem-estar. Estados como Santa Catarina, Goiás, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Roraima, Espírito Santo e Paraíba consideram explicitamente animais como sujeitos de direitos. Já leis de Estados como Sergipe, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Piauí, por exemplo, reconhecem a senciência e princípios de proteção. Normativas municipais também abordam o bem-estar animal, complementando as legislações estaduais.

Avanços no anteprojeto

A proposta inicial da comissão de juristas classificava os animais como "objeto de direito" e "dotados de sensibilidade". Após questionamentos e sugestões do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, essas definições foram revistas para evitar possíveis retrocessos na proteção ambiental.

As sugestões de exclusão da expressão "objeto de direito" e substituição de "sensibilidade" por "senciência" foram aceitas pela comissão.

Na reforma do Código Civil, algumas mudanças significativas foram propostas para garantir proteção mais efetiva aos animais:

1. Reconhecimento da afetividade humana em relação aos animais, destacando expressões de cuidado e proteção no entorno sociofamiliar (Art. 19).

2. Definição dos animais como seres vivos sencientes, passíveis de proteção jurídica própria, considerando sua natureza especial (Art. 91-A).

3. Estabelecimento de responsabilidade civil direta do proprietário, guardião ou detentor do animal por danos causados por este, independentemente de culpa, salvo se comprovado fato exclusivo da vítima, de terceiro, caso fortuito ou força maior (Art. 936).

4. Inclusão do direito dos ex-cônjuges e ex-conviventes compartilharem a companhia e arcarem com as despesas destinadas à manutenção dos animais de estimação, enquanto pertencentes a eles (Art. 1.566, § 3º).

O anteprojeto de reforma agora avança para o Congresso Nacional, onde passará por mais debates. É crucial que essa mudança legislativa seja acompanhada por esforços persistentes para sensibilizar a sociedade e assegurar a aplicação efetiva das novas normas, com objetivo de construir uma sociedade mais justa e compassiva, na qual os direitos dos animais sejam plenamente reconhecidos e respeitados.

Vanessa Negrini é diretora do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima*

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postado em 25/04/2024 04:00 / atualizado em 25/04/2024 00:00
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