Jéssica Reis Sulz* e Andressa Carvalho Pereira* — Em importante iniciativa, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) publicou a Resolução 6.040/2024, que dispõe sobre as regras procedimentais para a autocomposição e arbitragem no âmbito da Agência, incluindo a possibilidade de adoção dos comitês de prevenção e solução de disputas (dispute boards) ao longo dos contratos de concessão rodoviária.
A ferramenta será utilizada para nortear a solução de conflitos surgidos durante a execução de contratos de concessão rodoviária. Com o seu uso, será possível dar celeridade à solução das desavenças nascidas ao longo da execução contratual, evitando o surgimento de disputas judiciais e/ou arbitrais e dando menor tempo de resposta às demandas.
O dispute board já é amplamente utilizado na autocomposição de contratos privados e está ganhando destaque em contratos públicos, especialmente após a possibilidade de sua aplicação na resolução de controvérsias em contratações públicas desde a promulgação da Lei 14.133/2021 (de Licitações e Contratos).
Nos termos da Resolução, a ANTT e a concessionária de serviço público interessada criarão o Comitê de Prevenção e Solução de Disputas para dirimir conflitos de natureza eminentemente técnica, envolvendo direitos patrimoniais disponíveis relativos à execução de serviços e obras; adequação de obras e serviços aos parâmetros exigidos pela regulação; avaliação de ativos e cálculos de indenizações e eventos que possam impactar o cumprimento das obrigações contratuais.
O comitê será formado por três membros, sendo um deles indicado pela ANTT, outro pela concessionária e o último escolhido pelos membros designados pelas partes, e atuará como presidente.
Apesar da inovação trazida, a ANTT reservou seu poder de decisão em certas desavenças, excluindo do comitê de prevenção e solução de disputas: i) questões jurídicas como matriz de riscos e equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, permitindo conflitos factuais subjacentes; ii) disputas sobre a validade e a legitimidade de atos de fiscalização/regulação da ANTT; e iii) disputas sobre legalidade de normas regulatórias da ANTT.
Além das exclusões mencionadas, os temas que não podem ser submetidos ao dispute board incluem aqueles que estão fora da capacidade deliberativa de outros procedimentos de solução de controvérsias, sendo eles: i) questões relativas a direitos indisponíveis não transacionáveis; ii) a natureza e a titularidade públicas do serviço concedido ou permitido; iii) o poder de fiscalização sobre a exploração do serviço delegado; e iv) o pedido de rescisão do contrato por parte da concessionária.
Ponto importante a ser mencionado é a vinculatividade das decisões proferidas pelo comitê. De acordo com o normativo, o comitê poderá proferir decisões vinculativas, recomendatórias ou híbridas, sendo que em todos os casos o que dirá a natureza da decisão é a previsão contratual ou compromisso firmado entre as partes. Apenas em relação ao comitê híbrido, o contrato ou as partes devem definir quais matérias estarão sujeitas a cada tipo de decisão, sendo respeitadas as exceções indicadas anteriormente.
Adicionalmente, a ANTT restringiu as hipóteses de efeitos das decisões emitidas por comitês de prevenções e soluções de disputas, que não poderão: i) eximir o Poder Concedente ou os agentes regulados de realizar o integral cumprimento contratual; ii) não permitir a interrupção das atividades vinculadas àquelas necessárias à adequada prestação do serviço.
A resolução entrará em vigor em 2 de maio de 2024 e os passos a serem seguidos para a sua implementação, bem como os seus resultados, certamente serão acompanhados de perto pela ANTT, até mesmo considerando que foi previsto no texto publicado a elaboração pela autarquia da Avaliação do Resultado Regulatório da aplicação do dispute board.
A publicação da mencionada resolução constitui importante avanço para a continuidade e bom funcionamento das concessões rodoviárias no Brasil. Agora, incumbe às concessionárias interessadas, e que ainda não possuam cláusula compromissória de arbitragem ou de comitê de solução de disputas, buscarem o aditamento contratual.
*Jéssica Reis Sulz é advogada do Escritório Piquet Magaldi e Guedes. Atua em contratos públicos, controle e regulação
*Andressa Carvalho Pereira é advogada do Escritório Piquet Magaldi em Guedes. Atuante em resolução de conflitos
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