VISÃO DO DIREITO

Ademir Piccoli: Transformação digital e inovação na Justiça brasileira

"Nesse contexto, um dos maiores desafios é cada pessoa integrante do ecossistema de Justiça perceber que as mudanças iniciam internamente"

Por Ademir Piccoli - Posso afirmar que a Justiça Brasileira é a mais inovadora do mundo. O Poder Judiciário brasileiro tem experimentado uma notável transformação impulsionada pela adoção crescente de inovações, principalmente com o auxílio de novas tecnologias. Esse fenômeno redefine a maneira como a Justiça é entregue à sociedade.

Nesse contexto, um dos maiores desafios é cada pessoa integrante do ecossistema de Justiça perceber que as mudanças iniciam internamente. São mudanças de pensamentos e posturas que impulsionam a uma real transformação no seu trabalho. Portanto, é fundamental superar a barreira cultural de que o Judiciário é formado por órgãos pouco acessíveis. Antes de mudá-lo, deve-se mudar a si mesmo, e entender que a união de pessoas e tecnologias forma uma força gigante.

A introdução de inteligência artificial, análise de dados e automação, além de mediações e julgamentos on-line, têm permitido uma gestão mais eficiente e rápida. Trata-se de mudança significativa não apenas para o trabalho de decisões dos magistrados, mas da gestão como um todo, de cada processo que passa por servidores, diretores e pelas mãos de quem trabalha no dia a dia com as dificuldades do cidadão.

É nítido o avanço contínuo da digitalização em todas as instâncias. Em 2013, quando foi publicada a Resolução 185 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instituiu o Sistema Processo Judicial Eletrônico, apenas 30% dos processos estavam digitalizados. Agora, segundo o CNJ, o índice atingiu 98%.

Sistemas eletrônicos de processo judicial e a digitalização de documentos tornaram as informações mais acessíveis a todos os envolvidos no processo judicial, incluindo advogados, partes e a sociedade em geral. Isso contribui para a transparência e a prestação de contas. Com a tecnologia e inovação no Judiciário, trabalhos operacionais são otimizados para que as pessoas pensem no que mais importa: outras pessoas.

É claro que, quando falamos em inovação e tecnologia no Judiciário, precisamos considerar que o Brasil é um país com dimensões continentais. E nem toda jurisdição tem acesso pleno à tecnologia. Talvez esse seja um dos principais desafios: democratizar o acesso à internet, para que haja de fato uma inclusão digital.

Assegurar que todas as partes envolvidas tenham acesso às ferramentas tecnológicas é um desafio relevante. A equidade no acesso à tecnologia é crucial para evitar a criação de disparidades na participação no processo judicial. Mas é justamente em meio aos problemas e desafios que a criatividade e inovação são afloradas. Vale ressaltar que hoje existem milhares de iniciativas inovadoras em andamento. Em sua maioria, os projetos utilizam da inteligência artificial.

Como exemplo, cito um case de inovação da Defensoria Pública de São Paulo que, em 2022, atendeu mais de dois milhões de pessoas e que tem potencial para beneficiar 29 milhões. Isso foi possível graças ao atendimento da população com o aplicativo de mensagens WhatsApp, usado para lembretes, atualizações, atendimentos, etc. Parte da população que reside em comarcas que não contam com o atendimento presencial passou a conseguir atendimento.

Em cada estado, é possível ver o lado bom da Justiça e refletir sobre mudanças. É necessário incentivarmos novas ideias. Com iniciativas inovadoras, capazes de gerar resultados e abrir novos caminhos, todos ganham: o cidadão, os membros do Judiciário, as instituições, o país.

E quando falamos em ecossistema de justiça, consideramos que a inovação no Judiciário deve ser potencializada por meio da colaboração e integração eficaz entre os diversos órgãos e instituições, com a harmonização das práticas.

Mas deixo um alerta de que a regulamentação da inteligência artificial é, sem dúvidas, crucial para ampliação do uso da tecnologia em todas as esferas do Judiciário brasileiro, para que sejam estabelecidos critérios de uso, fiscalização e segurança. Contudo, antes mesmo disso, é essencial que seja criado um manual de boas práticas, para que sociedade, empresas e entidades tenham conhecimento prévio do assunto e coloquem em prática projetos, pautados na ética, segurança e responsabilidade.

Assim, possíveis erros já servirão de apoio para regulamentação, que deve ir ao encontro da inovação na justiça brasileira, e não ser inibidora. A aceleração da inovação e tecnologia no Poder Judiciário brasileiro representa um marco significativo na busca por uma Justiça mais eficiente, célere e acessível. Superar os desafios inerentes e aproveitar as oportunidades futuras são passos cruciais para garantir que o sistema judiciário evolua em sintonia com as demandas da sociedade brasileira moderna. À medida que o Judiciário abraça a inovação, ele se posiciona para desempenhar um papel ainda mais relevante na promoção da justiça e na construção de uma sociedade mais justa e equitativa.

*Advogado, ativista de inovação e CEO do J.Ex

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