Por Maritisa Mara Gambirasi Carcinoni
Motivo de pouca preocupação dos players eleitorais durante a eleição, mas de relevância substancial no momento de sua apresentação, o processo de prestação de contas é peça fundamental para que os candidatos eleitos possam tomar posse em seus mandatos eletivos. A não apresentação do ajuste contábil perante a Justiça Eleitoral impede que o candidato obtenha a certidão de quitação eleitoral, e ao partido, a perda de recebimento de recursos públicos e a possibilidade de suspensão do registro ou anotação do diretório omisso, após processo a qual lhe assegure a ampla defesa, nos termos do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 6032. Dessa forma, os participantes devem estar atentos às obrigações de prestar contas.
Nos termos do art. 17 da Lei 9.504/1997, as candidatas(os) e os partidos/federações são responsáveis pelo recolhimento e pela aplicação dos recursos de suas campanhas eleitorais. Ainda que se possa delegar essa competência a terceiros, aquele é solidariamente responsável pelas informações financeiras prestadas à Justiça Eleitoral. Por isso, os participantes das eleições devem conhecer as leis e, principalmente, a resolução 23.607/2019 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a qual dispõe sobre a prestação de contas. A norma passou por alterações.
Os recursos arrecadados devem transitar obrigatoriamente na conta bancária específica, devendo ser aberta mesmo que não haja o recebimento de valores pela campanha eleitoral. Lembrando que os extratos são públicos e são fornecidos pela instituição financeira à Justiça Eleitoral 15 dias depois do encerramento do mês anterior. O artigo 15 da Resolução 23.607/2019 dispõe rol taxativo dos recursos destinados às campanhas eleitorais.
As doações acima de R$ 1.064,10 deverão ser feitas obrigatoriamente por meio de transação bancária, inclusive por meio de qualquer chave PIX, nos termos do artigo 45, parágrafo único, da Resolução 1/2020 do Banco Central. O recebimento em espécie, ainda que identificado o CPF do doador, poderá acarretar a desaprovação das contas, inclusive com determinação de recolhimento do valor ao erário.
Além disso, o fato poderá ser apurado para fins de cassação de mandato por recebimento de recursos ilícitos, conforme art. 30-A da Lei Eleitoral ou por abuso de poder econômico ou fraude.
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Contudo, a principal fonte de financiamento para as campanhas é o Fundo de Financiamento de Campanha Eleitoral. O orçamento da União prevê que R$ 4,96 bilhões deverão ser destinados para as candidaturas em 2024. A partir desse ano, os diretórios nacionais dos partidos deverão divulgar em sua página na internet os valores públicos recebidos e os critérios para sua distribuição.
Aliás, um dos requisitos para o reconhecimento de fraude à cota de gênero pelo TSE é a prestação de contas zerada ou padronizada com as demais candidaturas femininas. Ou seja, no caso de não haver movimentação financeira na conta bancária, é possível a anulação do DRAP e a cassação de todos os mandatos a ele vinculados. Esse entendimento do TSE foi ratificado pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI no 6338. Os gastos eleitorais estão previstos em rol taxativo previsto no art. 26 da Lei 9.504/1997.
Uma das alterações na norma eleitoral está relacionada com combustíveis. Nas eleições de 2024, candidatas(os) e partidos deverão comunicar à Justiça Eleitoral a realização de carreata para realizar despesas com combustíveis para o evento. Havendo omissão da candidatura nesta comunicação, as contas poderão ser desaprovadas, e o candidato ter o registro cancelado ou mandato cassado por gasto ilícito em processos autônomos.
Além do mais, essa e outras despesas, como a alimentação dos apoiadores, não poderão ser intermediadas por cartões pré-pagos geridos por empresa intermediadora. Ainda que haja dúvidas quanto à aplicação da alteração do § 2o do art. 38 da Resolução 23.607/2019, há precedente da Corte Superior Eleitoral no sentido de reconhecer como gasto ilícito o pagamento de colaboradores de campanha com cartões pré-pagos oferecido por partido para custeio de combustíveis e alimentação (AgR-RO 0603721-23/GO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 15.9.2021). Sendo assim, deve-se evitar o pagamento de despesas por meio de pessoas jurídicas intermediadoras como Ticket, Valecard, VR, Sodexo.
Outra modificação que põe fim ao amplo debate jurídico é a contratação de aeronave para uso na campanha eleitoral. Com a inclusão do § 9º ao artigo 60 da Resolução 23.607/2019, o TSE firma a atual jurisprudência de que os partidos e as candidatas(os) podem fretar aeronaves, desde que apresentem os seguintes documentos junto com a nota fiscal: i) contrato firmado entre as partes; ii) tempo de voo; iii) lista das beneficiárias(os) com o serviço; iv) informação das datas e os itinerários realizados.
Apesar de não incluída nas alterações resolutivas, o TSE tem considerado legal e com o fito de incentivo à participação feminina, nos moldes do art. 44, V, da Lei 9.096/1995, a despesa de autônomos/empresa para a segurança de mulheres durante a campanha eleitoral (PC no 0600240-67/DF, Rel. Min. André Ramos Tavares, DJe 26.2.2024). Em razão da Lei 14.192/2021, no sentido de prevenir, combater e reprimir a violência política contra as mulheres, gastos com segurança para as candidaturas femininas deverão ser considerados regulares na prestação de contas, devendo ser realizada interpretação sistêmica das leis vigentes.
Quanto aos procedimentos no processo de prestação de contas eleitorais, o TSE estabeleceu que, para a comprovação das despesas, a nota fiscal com a descrição pormenorizada do objeto contratado é suficiente para a sua comprovação. Diligências do órgão técnico somente poderão ser exigidas do prestador de contas quando houver dúvida sobre a idoneidade da documentação apresentada ou sobre a execução da entrega do bem ou do serviço prestado. Portanto, quanto mais informações puderem ser colocadas pelo contratante no documento fiscal, menor a chance de a candidatura ser intimada para prestar esclarecimentos ou juntada de prova complementar, nos termos do §1º do art. 60 da Resolução 23.607/2019.
Ademais, fora do período eleitoral, o prazo de três dias para o cumprimento de diligências poderá ser estendido pelo juiz eleitoral no caso de justo motivo apresentado pela(o) candidata(o) ou partido. A partir das eleições de 2024, há poder discricionário da autoridade judiciária para dar mais prazo ao prestador de contas. Neste aspecto, há de se rememorar que, em regra, a Justiça Eleitoral não admite prova testemunhal em processo de prestação de contas por se tratar de análise contábil das campanhas eleitorais.
Outro aspecto a ser ressalvado às candidatas(os) e aos partidos políticos é a prestação de contas parciais, prevista no art. 28, § 4o, da Lei 9.504/1997. A partir das eleições de 2020, os atrasos nessas informações ou dos relatórios financeiros são considerados irregularidades graves a comprometer o balanço contábil apresentado à Justiça Eleitoral, salvo se acolhidas as razões do descumprimento da Lei Eleitoral.
Por fim, outra alteração significativa na resolução é sobre a ausência de procurador jurídico no processo de prestação de contas. No caso de a candidata(o) apresentar documentos para comprovar a arrecadação e os gastos eleitorais diretamente à Justiça Eleitoral, o órgão técnico deverá analisá-los e emitir parecer, não podendo a autoridade judiciária declarar como não prestadas pelo simples fato de não ter constituído causídico nos autos. Importante rememorar que, em regra, o recibo de entrega da prestação de contas só é enviado quando a Justiça Eleitoral recebe a mídia eletrônica, nos termos do art. 55, § 3, da Resolução 23.607/2019.
Todavia, importante os players eleitorais ficarem atentos às formas de intimação estabelecida no artigo 98 da Resolução 23.607/2019. Em geral, o e-mail informado no dia do registro da candidatura é o meio pelo qual a Justiça Eleitoral faz a intimação pessoal às candidaturas e são consideradas válidas, nos termos do inciso II § 2o do art. 98 da resolução em comento. Ademais, durante o período eleitoral, todas as diligências serão feitas em mural.
Consultório jurídico
Passada a semana do consumidor, celebrada até 15 de março, quais são os principais avanços legais e o que falta para garantir direitos?
O Brasil avançou muito na proteção aos consumidores desde a Constituição de 1988. Nós temos desde 1990, o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, que foi o primeiro código regulador dessa proteção do mundo e inclusive foi atualizado para prevenir o superendividamento; problema social enorme que as famílias enfrentam hoje.
Temos, hoje, leis extremamente modernas no campo da proteção de dados e falta, ainda, a votação do projeto de lei que está no Congresso pra regular as contratações na internet; ambiente virtual este em que o consumidor tem sido vítima de fraudes diariamente.
Inúmeros fornecedores deixaram de resistir à aplicação do Código e avançaram, criando regras de compliance na relação com os consumidores, o que é extremamente positivo. Entretanto, há setores que ainda resistem à aplicação do Código e trabalham na linha do custo-benefício oportunista, dentro do raciocínio de que mais vale a pena responder pelas violações de consumidores que eventualmente possam reclamar da justiça, que propriamente se esforçar para cumprir o que o Código estabelece em matéria de direito dos consumidores.
Então, nesse sentido, isso só será resolvido com o Estado exercendo o seu papel de fiscalizar e punir aqueles que violam a lei. É o mesmo problema, na verdade, que acontece em outros setores da sociedade, que resulta na impunidade.
Advogada e integrante da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/DF*
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