Por Tereza Cristina Maldonado Katurchi Exner* — Neste 8 de março, lembramos do documento denominado Carta das Mulheres Brasileiras, resultado de histórica campanha iniciada pelo Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, apresentado por ocasião da Assembleia Nacional Constituinte. Nele já se reivindicava a vedação de quaisquer práticas discriminatórias e o respeito à igualdade de gênero.
Desde então, tivemos muitos avanços nos direitos sociais e previdenciários, bem como em diversas leis. Passos significativos foram dados na Lei Maria da Penha, no Novo Código Civil, na reforma do Código Penal e na Lei do Feminicídio.
Mas há, ainda, um longo caminho pela frente. O Relatório Global da Desigualdade de Gênero publicado em 2021 aponta que a paridade virá em 135 anos. Igualmente importante lutar contra o retrocesso e a relativização dessas conquistas.
O desemprego causado pela pandemia castigou mais fortemente as mulheres, aprofundando as desigualdades de gênero e, além disso, a violência contra a mulher também se intensificou, conforme relatório "Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil", divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em março de 2023 (disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf. Acesso em: 14/02/24). Isso evidencia a gravidade de problemas vividos por meninas, jovens e mulheres. É inegável que a mulher brasileira não vive em segurança, e essa situação deve ser enfrentada.
Na esfera penal, foi de fulcral importância a Lei Maria da Penha, a qual protege também a mulher transexual (REsp 1.977.124/STJ, relator Ministro Rogério Schietti), no combate à violência doméstica.
Além disso, a Suprema Corte declarou inconstitucional a tese da legítima defesa da honra em crimes de feminicídio (ADPF 779), firmando o entendimento de que essa tese contraria os princípios constitucionais da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. E nem poderia ser diferente, já que esse crime, motivado pelo ódio ou menosprezo pelas mulheres, tem por fim a destruição da identidade e da condição da vítima.
O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça, com orientação para Magistrados e demais operadores do Direito na avaliação e julgamento de casos concretos, constitui outro marco relevantíssimo.
Fundamental destacar, ainda, o exemplar trabalho desenvolvido pelo Ministério Público de São Paulo, atuando na repressão à violência doméstica e familiar contra as mulheres, na prevenção a este tipo de delito e na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos da vítima. Aponto, a título de exemplo, o bem-sucedido projeto Guardiã Maria da Penha.
Mas, além da punição justa do autor da violência, é também vital trabalharmos a sua reeducação por meio de práticas reflexivas, pois, como se sabe, o mero encarceramento raramente encerra essas práticas.
Todavia, a batalha deve ser travada também em outra frente. Igualmente importante, ou ainda mais, é trabalhar a educação de nossas famílias, de crianças e de jovens para a redução da cultura de agressividade, bem como estruturar redes de apoio para auxiliar aquelas que precisam sair do ciclo de violência.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, em seus itens 4 e 5, apontam a necessidade de assegurar educação inclusiva e equitativa para todos, com vistas a alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.
O acesso à educação e permanência na escola são relevantíssimos por viabilizar a capacitação para o mercado de trabalho, caminho para a independência financeira, para a satisfação profissional e para a autonomia de escolhas.
De suma importância, ainda, uma maior participação das mulheres no ambiente político-partidário. Embora sejamos mais de 51,5% da população (segundo dados do Censo Demográfico de 2022, do IBGE), e, em que pese o avanço obtido nas últimas eleições, ainda somos muito poucas na formulação legislativa, nos demais Poderes e em instituições públicas e privadas.
Necessária, portanto, a união de esforços por parte de todos, homens e mulheres, nessa luta.
A exemplo do grupo de mulheres a que me referi no início, devemos hoje, com muita coragem, juntar nossas vozes e avançar ainda mais, propondo nos diversos ambientes em que estamos inseridos, ações inovadoras, visando a acabar com as desigualdades interseccionais. Com isso, daremos efetiva concretude ao artigo 5º da nossa Constituição, que estabeleceu a plena igualdade jurídica entre os cidadãos e cidadãs brasileiros.
*Procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo
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