Por Daniel Bernoulli* — André, Carlos, Renato... um a um, homens vestidos de branco — em sua grande maioria, rapazes jovens — vão descendo de ônibus na rodoviária do Plano Piloto, em fila indiana, e depois caminhando, rumo às suas residências, local em que passarão feriados ou fins de semana prolongados com suas famílias, matando saudade e voltando a vivenciar o mundo além do presídio, a sentir — da panela de casa — o cheiro da esperança, o sabor da liberdade.
O Congresso Nacional discute atualmente o fim das chamadas "saidinhas", as saídas temporárias, que permitem o afastamento de detentos que já estão no fim do cumprimento de suas penas por ocasião de feriados e por períodos relativamente curtos.
Dia dos pais, dia das mães, Natal e ano novo são alguns exemplos dessas datas de teste. Presos em regime fechado não possuem o referido benefício. Só têm direito a ele aqueles que já estão no cumprimento adiantado de regime semiaberto e possuem bom comportamento no sistema carcerário.
A ideia das saídas temporárias é de retomada. O preso, que — mais dia, menos dia — cumprirá sua pena em regime aberto, começa a experimentar novamente a condição de ser livre e de retornar ao seio da comunidade.
É bem verdade que, de acordo com pesquisas de âmbito nacional, o número de evasão durante essas saídas é de 3% a 5%, isto é, esse percentual corresponde àqueles que não voltam voluntariamente para o cárcere após o prazo combinado.
Se podemos ver o copo meio vazio, é possível vê-lo também meio cheio. Nesse sentido, 95% dos presos que concordaram em voltar no dia definido, de fato, retornam para continuar a cumprir a punição. Não há como negar que esse percentual é exitoso.
Os detentos, mesmo gozando da saída temporária, continuam sendo fiscalizados. Há uma liberdade, mas vigiada. No Distrito Federal, por exemplo, membros da segurança pública são designados para passar nas residências - logicamente, por amostragem - daqueles que estão fazendo uso do benefício, a fim de comprovar que eles se encontram no local que indicaram. Em lá não sendo localizado, o preso perderá a benesse e poderá inclusive ter uma regressão no cumprimento da pena.
De quando em vez, há notícia de que presos que usufruíam da saída temporária (ou mesmo que se evadiram da prisão nesse período) tenham praticado crimes graves, como roubos ou mesmo homicídios. No entanto, a extinção do benefício jamais seria razão suficiente para impedir o delito, quando muito o adiaria.
A discussão não pode permear uma análise subjetiva acerca do fato de o sentenciado estar ou não verdadeiramente ressocializado para poder voltar ao convívio com seus pares. Como a Constituição de 1988 não prevê penas perpétuas, o fato é que até o criminoso contumaz terá — um dia — o direito de ser livre novamente.
Esse momento é objetivo e está fixado na sentença condenatória definitiva.
Quando um mergulhador de águas profundas volta à superfície, ele jamais o faz de imediato. Antes o contrário, ele sobe paulatinamente, pois um deslocamento abrupto para cima poderá causar lesões gravíssimas a ele, inclusive a morte.
O corpo — pouco a pouco — começa a se ambientar com a nova realidade (ou melhor, a realidade antiga) até emergir, retirar a máscara e poder respirar o ar como qualquer um.
Assim também parece ser a intenção das saídas temporárias. Ante o fim da pena que se avizinha, autorizam-se pequenas chances de reencontros e isso é capaz de gerar a esperança de retomada da vida em sociedade.
Renato, Carlos, André... um a um, eles vão retornando ao presídio, conforme o combinado, já ansiosos pela próxima oportunidade e contando nos dedos os dias que restam para que aquela saída temporária se converta em definitiva.
*Promotor de Justiça do MPDFT
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