Um procurador equilibrado, estudioso, discreto, preparado para interpretar a Constituição e tratado por julgadores como um dos seus é a esperança de integrantes do Ministério Público de se tornar o líder da reconstrução da credibilidade da instituição.
O procurador-geral da República, Paulo Gustavo Gonet Branco, não figurou nas listas tríplices eleitas pela classe, tampouco integrou o clube dos tuiuiús como ficaram conhecidos os procuradores que se sucederam no comando do Ministério Público nos governos de esquerda desde que o presidente Lula escolheu Cláudio Fonteles em 2003 até a nomeação de Rodrigo Janot por Dilma Rousseff.
Mesmo fora desse grupo e de preferências da classe, é difícil encontrar quem não tenha palavras elogiosas a Gonet. Ele é conservador, sim. Tem uma visão cristã de temas como o aborto, fala de união homoafetiva com base apenas na jurisprudência, e é considerado "ultracatólico". Mas, mesmo entre os que divergem ideologicamente, ninguém questiona sua integridade, honestidade, humildade e preparo intelectual.
Segundo pessoas próximas, Gonet é tenso em momentos de crise. Mas praticamente não deixa transparecer. Está sempre disposto a uma palavra de elogio aos que o rodeiam, sem parecer exagerado. É simples no trato. Admirado pelos alunos e querido pelos colegas.
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Gonet entrou na carreira como primeiro colocado no concurso para o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), em 1986. No ano seguinte, teve o mesmo desempenho na disputa por uma vaga no Ministério Público Federal, na qual seguiu até os dias atuais.
Aos 62 anos, é doutor em direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em direitos humanos pela Universidade de Essex, na Inglaterra, uma das mais conceituadas do planeta. Casado com Flávia Gonet, o procurador-geral tem quatro filhos: Pedro, Maria Teresa, João Paulo e José Victor. A esposa é também companheira da comunidade jurídica, na carreira da Advocacia-geral da União.
Na Escola Superior do Ministério Público, em aulas para pós-graduação, Gonet também é tratado como ídolo no curso de direito constitucional. Vocacionado para as salas de aula, o procurador-geral é um dos fundadores do IDP, ao lado do ex-colega Inocêncio Mártires Coelho e do ministro Gilmar Mendes, do STF. A sociedade foi desfeita, mas a amizade com o ministro, não.
Gilmar foi um dos principais entusiastas da ideia de fazer Gonet procurador-geral da República. Os dois partilham de concepções jurídicas e dividem a autoria de um dos livros mais requisitados do mundo jurídico, Curso de Direito Constitucional. A obra venceu o Prêmio Jabuti, em 2008.
Mas nem sempre os amigos concordam. Gonet discordou de Gilmar, por exemplo, na ação que enquadrou homofobia e transfobia como crimes de racismo, segundo relato de amigos próximos. E, enquanto Gilmar é um crítico da Operação Lava-Jato, Gonet, na condição de vice-procurador eleitoral, se manifestou contra a cassação do mandato de deputado federal do ex-procurador Deltan Dallagnol.
A postura de Gonet não impediu a sua nomeação pelo presidente Lula e o perfil conservador agradou também aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, como a deputada Bia Kicis (PL-DF), que tentou emplacar o amigo como chefe do Ministério Público na primeira sucessão de Augusto Aras. Na ocasião, não deu certo, mas Gonet não teve dificuldades para ser aprovado em dezembro no Senado. Teve o voto de 65 dos 81 senadores, aliados de Lula e de Bolsonaro.
Paulo Gonet é carioca e conservador, como Bolsonaro. Mas a afinidade parece terminar aí. Ele deu o parecer favorável do MPE (Ministério Público Federal) à inelegibilidade de Bolsonaro na ação sobre uma reunião com embaixadores. A tese acabou prevalecendo e o ex-presidente está impedido de concorrer durante oito anos.
Desde que assumiu, Gonet também tem demonstrado que será rigoroso com quem se envolveu em qualquer tentativa de avançar contra a democracia. No discurso de posse, ele fez essa referência. E assim tem sido.
A Procuradoria Geral da República deu parecer favorável às três recentes operações contra políticos de grande destaque no bolsonarismo: o líder da oposição, deputado Carlos Jordy (PL-RJ), o deputado Delegado Alexandre Ramagem (Republicanas-RJ), e o filho 02 de Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro, suspeitos de participar dos atos golpistas ou de usar a estrutura da Abin para atender a interesses políticos e privados.
É nesse ponto que está o maior desafio de Paulo Gonet. Integrantes do Ministério Público desejam que o procurador-geral tome as rédeas dos processos em tramitação do STF, como autor das ações penais. Na gestão de Augusto Aras, o Ministério Público funcionou nesses casos como mero coadjuvante.
O ministro Alexandre de Moraes, em muitas situações, exerceu o papel de MP. Outras vezes a Polícia Federal agiu como tal. Hoje há uma expectativa interna de que a Procuradoria Geral da República assuma seu lugar institucional com plena autonomia.
Gonet não deve trombar com Alexandre de Moraes, acreditam aliados. Os dois são amigos e têm atuado com afinidade e respeito. Mas, como diz um procurador, espaço pode se conquistar aos poucos, sem enfrentamentos.
Nono procurador-geral da República desde a Constituição, Paulo Gonet está no cargo com uma das missões mais espinhosas. Os ataques à Lava-Jato tiraram parte da credibilidade do Ministério Público. A receita de Augusto Aras, apontado como leniente com Bolsonaro, também deixou feridas.
Na volta do Judiciário, Paulo Gonet deve agir com seu estilo discreto, sem subordinação ao mundo político, com plena autonomia, e alimentando uma relação de diálogo com os ministros do STF.
Além de Gilmar, o ministro Alexandre de Moraes também foi um aliado na escolha do presidente Lula que ignorou a lista tríplice eleita pela classe e nomeou alguém de sua preferência. Gonet é amigo de dois dos ministros mais influentes da Corte atualmente, mas não vai concordar com tudo.
Se fosse para escolher alguém que fizesse o jogo dos interesses palacianos não seria Gonet, afirmam procuradores que até duvidaram de que ele seria o nomeado pelo presidente Lula. Gonet é técnico e nas suas aulas no IDP sempre criticou o ativismo judicial.
Um dos primeiros desafios será o recurso já anunciado contra decisão do ministro Dias Toffoli sobre a suspensão do pagamento da multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência da J&F com o Ministério Público Federal, no âmbito da Operação Greenfield, em 2017. O recurso será o primeiro embate entre o Ministério Público e o STF.
Paulo Gustavo Gonet Branco é doutor em direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em direitos humanos pela Universidade de Essex, na Inglaterra.