Por Desembargador José Cruz Macedo* — A quantidade crescente de demandas que ingressam no Poder Judiciário do Distrito Federal tem motivado preocupação e acompanhamento minucioso pela gestão do sistema de Justiça, pois assoberba os serviços judiciários e exige maiores esforços dos magistrados e servidores para uma resposta rápida e qualificada aos conflitos de interesses que pedem uma solução justa.
Detectou-se que parte dessas ações versa sobre contratos que preveem a escolha do foro para o trâmite das demandas neles fundadas, muitas vezes aleatórias e sem nenhuma referência ou vínculo com as partes.
Essa eleição de foro, por assim dizer, pode ser explicada pela celeridade com que tramitam os processos na Justiça do DF e pela qualidade dos seus julgados, atestada por seguidas premiações máximas do Conselho Nacional de Justiça.
Aliam-se a isso o baixíssimo valor recolhido a título de custas judiciais no Distrito Federal, se comparado à média praticada na Justiça Estadual brasileira, o que espelha um paradoxo ante os altos indicadores socioeconômicos da população, e a mudança substancial ocorrida nos últimos anos com a massificação do uso do processo judicial eletrônico, que facilita sobremaneira a atuação processual.
Esse cenário demonstra que os litigantes são verdadeiramente "incentivados" a acionar o Judiciário do DF, mas essa realidade não pode justificar essa distribuição de processos, dado que prejudica a prestação jurisdicional e dificulta a administração judiciária, a qual depende de número de magistrados e servidores definido por preceitos legais e considera informações estatísticas alusivas aos habitantes das regiões administrativas do respectivo território.
Ora, o TJDFT é o único tribunal com competência estadual sujeito à emenda constitucional que instituiu o teto dos gastos públicos, uma vez que é mantido e organizado pela União, enquanto é indiscutível a sua natureza local, pois dimensionado para uma população de cerca de três milhões de habitantes. Desse modo, as condições mencionadas não podem "nacionalizar" o Judiciário local.
Ao verificar esse excesso de judicialização, o Centro de Inteligência do TJDFT desenvolveu estudo sobre a incompetência territorial nas ações em que não há fator de ligação entre a causa e o foro local, que apurou grande porção de casos em que a Justiça do Distrito Federal foi escolhida pela parte autora residente em outro Estado da Federação, seja em razão de a sede do réu localizar-se no Distrito Federal, mesmo tendo unidades em todo o território nacional, seja em razão da existência de cláusula de eleição de foro no contrato subjacente.
O exame da competência territorial e dos objetivos do legislador ao elencar os critérios para definição do foro competente foram aprofundados e ficou assentado que a competência territorial deve vincular-se à existência dos chamados "fatores de ligação", isto é, à pertinência entre os elementos do processo e o órgão jurisdicional.
A partir de uma visão panorâmica do sistema processual civil, entendeu-se que a competência territorial, apesar de relativa e observar normas de interesse privado, não está totalmente disponível a critérios pessoais do autor, de modo que a escolha aleatória e injustificada do foro não é lícita, dificulta o exercício do direito de defesa e burla a organização judiciária para a melhor distribuição dos feitos e agilização dos julgamentos.
Do contrário, haveria desrespeito à lógica do sistema processual, ao lado do crescimento artificial verificado na desproporcionalidade do número de demandas num órgão do Poder Judiciário em detrimento de outros, sobrecarregando a utilização dos recursos disponíveis e a capacidade de atendimento aos usuários.
Embora o conceito de competência territorial possa ter sido superado pela consolidação do uso do processo judicial eletrônico, um controle criterioso da competência é necessário, sob pena de desvirtuamento do princípio do juiz natural e em prejuízo de uma gestão eficiente do sistema de justiça.
Assim, a iniciativa legislativa que altera norma processual para estabelecer que a eleição de foro deve guardar pertinência com o domicílio das partes ou com o local da obrigação e que o ajuizamento de ação em juízo aleatório constitui prática abusiva, passível de declinação de competência de ofício, pendente de aprovação parlamentar, terá efeito positivo no funcionamento da Justiça do DF, para que seja mantida a excelência da prestação jurisdicional que tanto orgulha a nossa sociedade.
*Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
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