Por Frederico Mendes Júnior* — Recente estudo do Tesouro Nacional que estimou o custo do Poder Judiciário na proporção do Produto Interno Bruto (PIB) deu pouca atenção ao mais relevante dos detalhes: os números incluíram entre os gastos com "Tribunais de justiça" (sic) despesas do Ministério Público (MP) — embora a instituição seja independente e disponha de orçamento próprio. Tal confusão, inevitavelmente, levou a distorções na interpretação dos resultados, que obscurecem a compreensão do público e dos formuladores de políticas sobre a efetiva alocação de recursos no Sistema de Justiça.
A Constituição de 1988, no parágrafo 2º de seu artigo 127, prevê que "Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo (...) propor ao Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira". A ausência de vinculação entre o Judiciário e o MP refere-se, inclusive, a receitas e despesas, conforme o parágrafo 3º do mesmo artigo: "O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias".
Malgrado o levantamento do Tesouro Nacional arrole na "função: Tribunais de justiça" os dispêndios com o MP, a proximidade deste, na verdade, é muito maior com o Executivo — encarregado dos "ajustes necessários" em sua peça orçamentária quando encaminhada "em desacordo com os limites estipulados" (parágrafo 5º do artigo 127). Não bastasse esse laço, há outro, tão explícito quanto: o Ministério Público da União (MPU) tem como chefe o procurador-geral da República (PGR), que é nomeado pelo presidente da República, após aprovação pelo Senado. De igual modo, são os governadores que definem os procuradores-gerais dos Ministérios Públicos dos Estados. O do Distrito Federal é nomeado pelo presidente.
Ora, se não vigora subordinação entre Ministério Público e Poder Judiciário, se este não toma parte na elaboração orçamentária daquele, se ministros e desembargadores não participam da escolha dos chefes do MP, inexiste razão para se atrelar ao Judiciário as contas da instituição. Ao desconsiderar a divisão constitucional, a imprecisão leva a arremates que se descolam da realidade, porquanto inflam, sobremaneira, o quantitativo financeiro efetivamente investido na manutenção do Judiciário. Ademais, a clareza na distinção entre os orçamentos é fundamental para a transparência e a responsabilidade fiscal.
Há dados que demonstram o desvirtuamento. De acordo com o Siga Brasil, sistema de consulta do Senado, o orçamento da Justiça Federal autorizado para 2024, por exemplo, é de R$ 16,2 bilhões. Já o Ministério Público Federal (MPF) disporá de R$ 5,4 bilhões. Na situação em que esta cifra se soma àquela, o montante imputado ao Poder Judiciário dá um salto indevido de incríveis 25%. Nas unidades da federação, o quadro é semelhante. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), por exemplo, terá R$ 15,8 bilhões em 2024.
O Ministério Público estadual, por sua vez, contará com R$ 3,3 bilhões. Se uma quantia se adiciona a outra sob o guarda-chuva do Judiciário, segundo a mesma hipótese, o total reservado cresce 17%.
A comparação internacional também desautoriza a aproximação verificada na análise do Tesouro Nacional. Nos Estados Unidos, a título de ilustração, a atribuição do Ministério Público é desempenhada pelo Departamento de Justiça, chefiado pelo Procurador-geral, designado pelo presidente da República — e sem qualquer ligação com o Judiciário. Na Alemanha, o Ministério Público (Staatsanwaltschaft) é uma autoridade independente dos tribunais, responsável pela proposição do processo penal. Outro exemplo é o do Reino Unido, em que o Serviço de Promotoria da Coroa (Crown Prosecution Service), como os demais citados, possui financiamento distinto do do Judiciário.
O inchaço dos índices certamente contribuiu para que o Brasil fosse apontado, pelo Tesouro Nacional, como o primeiro lugar entre os países que mais desembolsam com o Judiciário, fomentando percepções equivocadas sobre a subvenção e a eficiência das instituições judiciais, com insinuações baseadas em falsas evidências. Fruto de uma mistura de elementos que a Constituição fez questão de separar, o estudo, enquanto ofende os trabalhadores do Sistema de Justiça, não indica nenhum caminho para a melhoria dos préstimos oferecidos à população — o que é uma pena (além de uma oportunidade perdida).
*Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
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