Mágicas no mundo real
Sempre que um artista apresenta seu novo número de mágica uma plateia avida espera por algo extraordinário. Minha filha teve uma primeira experiencia nesta direção. Chegou da escola essa semana com o famoso, ou nem tanto, número das cordas e seus nós. Ao praticar seu espetáculo o mágico ia comentando sobre o feito. Primeiro deixando claro que a menor distancia entre dois pontos será sempre uma linha reta. Algo a contestar quando avaliamos rotas aéreas aonde essa máxima é desconstruída pela angulação ou esfericidade da terra – a geometria euclidiana que o mágico pregava às crianças é substituída pela riemaniana, aonde por meio de ângulos, curvas, chegamos mais rápido de um ponto a outro. Mostrava também que havia algo a mais neste caminho. Um nó. Na verdade, dois. E a mágica ia se desenvolvendo até que os nós, sumiam a corda voltava a sua essência linear. Na vida real as coisas não são diferentes e nem sempre temos esse “passe de mágica” para desatar os nós, que podemos mudar para percalços que enfrentamos.
Essa semana o assunto em questão passou por uma decisão judicial aonde existem fortes indícios de uso da inteligência artificial por parte do magistrado para definir os rumos de tal sentença. O CNJ publicou a resolução 332/2020 para tratar, entre outros assuntos, da governança na produção e uso de Inteligência Artificial na justiça. Estabeleceu diretrizes aos órgãos do poder judiciário dispondo sobre a ética, a transparência e a governança no seu uso, adotando para tal os cinco princípios contidos na Carta Europeia de Ética sobre o Uso da Inteligência Artificial em Sistemas Judiciais: (i) princípio do respeito aos direitos fundamentais; (ii) princípio da não-discriminação; (iii) princípio da qualidade e segurança no processamento de decisões e dados judiciais; (iv) princípio da transparência, imparcialidade e justiça; (v) princípio do controle do usuário.
Ocorre que na decisão citada, segundo o advogado da parte contraria, usou-se como referência leis inexistentes que foram citadas pela AI como parte de uma realidade paralela. Uma decisão tendenciosa que fere o item (iii) da tal resolução. Abre também uma discussão maior sobre até que ponto o próprio magistrado quis tentar ludibriar as partes, facilitar seu trabalho ou mesmo, o pior dos cenários, que tenha sido ludibriado pela A.I.
Esse ponto nos faz perceber em que estágio estamos nos expondo como sociedade para, em um segundo momento, darmos a uma máquina ou a um conjunto das mesmas, a razão e a decisão. Seja por mero comodismo. Seja por um desejo maior de desfrutar o que a tecnológica tem de novo para nós.
O que fica deste e de tantos outros episódios, alguns relatados nesta coluna é que tratar a inteligência artificial como algo blasé, trivial - como trocar uma camisa e fazer refeições não é a melhor forma, o melhor caminho. Estamos nos dirigindo para uma posição menos confortável e perigosa aonde a máquina começa a fazer parte integrante - ainda mais, de nossas vidas. O que dizer de robôs de limpeza que já estão dentro de nossas casas? Das versões simples que conhecem nosso ambiente e desviam dos obstáculos as mais complexas que escaneiam e gravam o que fazem...o que veem. Não estamos sozinhos. Nos permitimos companhias. As máquinas já estão em muitos locais e realizando tarefas diversas, das triviais as mais robustas e nos conhecendo a todos. Hábitos, costumes e razão.
Para nos enganar já estão aptas. Para nos superar é uma questão de tempo.
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