
Caracterizada pelo conjunto de condições como excesso de gordura abdominal, taxas elevadas de colesterol e hipertensão, a síndrome metabólica é um conhecido fator de risco de diabetes 2 e doenças cardiovasculares. Um estudo apresentado no Congresso Europeu sobre Obesidade, em Málaga, na Espanha, mostra que o problema também está significativamente associado à recorrência e à mortalidade por câncer de mama.
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A pesquisa, publicada no The Journal of Internal Medicine, revela que, entre sobreviventes desse tipo de tumor, o risco de retorno da doença é 69% maior quando a paciente tem síndrome metabólica. A chance de morrer caso o câncer de mama retorne foi de 83% na população estudada. Os dados foram obtidos de estudos observacionais e ensaios clínicos que envolveram 42.135 pessoas.
A Associação Norte-Americana do Coração cujas definições e recomendações são adotadas por sociedades médicas em todo o mundo, caracteriza a síndrome metabólica como a presença de pelo menos três condições. São elas: pressão arterial elevada, triglicérides (gorduras no sangue) altos, lipoproteína de alta densidade (HDL) ou colesterol "bom" baixo, glicemia de jejum elevada (açúcar no sangue) e obesidade central ou abdominal (circunferência da cintura superior a 88cm para mulheres e 100cm para homens).
Critérios
No estudo, liderado por Sixten Harborg, do Departamento de Oncologia da Universidade de Aarhus/Hospital Universitário de Aarhus, na Dinamarca, os pesquisadores utilizaram dados de artigos médicos que foram, então, modelados para avaliar a relação entre um perfil metabólico desfavorável e a sobrevida ao câncer de mama. As estimativas combinadas mostraram que sobreviventes desse tipo de tumor que, no momento do diagnóstico, também se encaixavam nos critérios da síndrome, tinham 57% mais risco de algum evento relacionado à doença, sendo 69% no caso de recorrência, e 83% na mortalidade durante o acompanhamento.
"A célula tumoral precisa de muita energia. A principal característica da síndrome metabólica é o excesso de glicose circulante no corpo. Esse excesso de glicose é muito bem aproveitado pelo tumor a seu favor como substrato energético para crescer e multiplicar-se", explica o oncologista João Nunes, especialista em câncer de mama. De acordo com o médico, grandes serviços de oncologia já têm programas com foco em hábitos de vida e alimentação, com foco nessa característica. "A abordagem multiprofissional e multidisciplinar é fundamental para ajudar nesse cenário", destaca.
Os autores do estudo analisaram possíveis diferenças na associação de acordo com a localização geográfica do continente de origem dos estudos incluídos. Eles descobriram que a relação entre desfechos mais desfavoráveis entre sobreviventes de câncer de mama com síndrome metabólica foi consistente em toda a Europa, América do Norte e Ásia.
Brasileiros
Para o oncologista Gilberto Amorim, da Oncologia D'Or, embora o estudo não tenha dados brasileiros, os resultados podem ser extrapolados para o país. "Não há uma plausibilidade biológica para achar que a síndrome metabólica nas mulheres e homens portadores de câncer de mama no Brasil tem um comportamento distinto", diz. "A população brasileira está cada vez mais comendo errado, cada vez mais pacientes convivendo com sobrepeso e obesidade, e esses riscos são os mesmos. Ainda que não tenha tido estudos brasileiros, os dados servem para o alerta da população global como um todo", acredita.
Em nota, os autores enfatizam a importância do rastreamento metabólico para os sobreviventes de câncer de mama. "Pesquisas futuras devem se concentrar em avaliar como o controle da gordura no sangue, a reversão do diabetes e a adoção de estilos de vida saudáveis podem diminuir a prevalência da síndrome metabólica nessa população e, em última análise, aumentar a sobrevida dos pacientes de câncer de mama."
Embora o estudo não tenha focado nas causas da associação entre câncer de mama e desfechos mais desfavoráveis para pacientes com síndrome metabólica, os autores do artigo afirmam que o excesso de gordura pode resultar em níveis aumentados de estrogênio circulante que, por sua vez, tem potencial para estimular o crescimento das células cancerígenas da mama. "Além disso, a adiposidade pode induzir alterações no microambiente tumoral que facilitam a metástase, ou a disseminação do câncer", escreveram.
Formato maçã
A síndrome metabólica é um grupo de condições que aumenta o risco de doenças cardiovasculares e de diabetes tipo 2. Entre as principais, estão pressão alta, níveis elevados de açúcar no sangue, excesso de gordura na cintura e taxas altas de colesterol ou triglicerídeos. Quem tem três ou mais dessas condições tem síndrome metabólica, embora apenas uma ou duas delas já aumentem o risco de doenças graves. Pessoas com síndrome metabólica geralmente têm corpos em formato de maçã, o que significa que têm cinturas maiores e carregam muito peso em torno do abdômen.
Três perguntas para Gilberto Amorim, especialista em oncologia mamária da Oncologia D'Or
Por que a síndrome metabólica está associada ao risco maior de recorrência e morte por câncer de mama?
Os mecanismos que explicam essa associação à recorrência e morte por câncer de mama precisam ser melhor estudados, mas a gente já tem bastante ideia de como isso funciona. Há uma série de alterações moleculares que podem acontecer nesses pacientes. Por exemplo, a hiperglicemia não é um apenas aumento da insulina no sangue, acaba que alguns fatores de crescimento também estão aumentados nesses pacientes e algumas alterações moleculares em vias de proliferação e de crescimento de possíveis células tumorais são ativadas devido a esse metabolismo alterado por um longo tempo. Até a hipertensão está associada a alterações moleculares em algumas vias, que são, em última análise, responsáveis por um crescimento celular mais acelerado ou eventualmente resistente a certos tratamentos.
Como o sobrepeso e a obesidade influenciam esse risco?
A obesidade central, que a gente mede simplesmente com uma fita métrica, que se traduz naquela gordura visceral, está relacionada à liberação de alguns hormônios, interleucina e outros fatores de crescimento do tumor. E um aspecto importante é a aromatase, que é uma enzima que faz parte do metabolismo dos hormônios femininos. Ela está aumentada nesses pacientes que convivem com obesidade. A própria dislipidemia — o aumento do triglicerídeo e do colesterol, além da diminuição do HDL, o chamado bom colesterol — acaba se traduzindo em alterações moleculares em vias de sinalização para as células tumorais seguirem se proliferando. Então, em última análise, a gente tem maior proliferação, maior chance de invasão de tecidos e maior chance de metástase. É claro que mecanismos mais específicos precisam ainda ser elucidados.
A triagem da síndrome metabólica em sobreviventes de câncer de mama pode ajudar a reduzir o risco de recorrência do tumor?
De uma certa forma, muitos centros médicos já fazem isso, muitos médicos no dia a dia já têm essa noção, e solicitam os exames de lipídios, glicose em jejum, hemoglobina glicada. Também estão pesando os pacientes e passando a medir a cintura abdominal para conversar sobre esses aspectos, mas é evidente que essa triagem precisa ser ampliada e disseminada. A gente fala muito dos tratamentos, do impacto da cirurgia, da quimioterapia, da rádio, dos comprimidos, da terapia endócrina, do bloqueio dos hormônios, e às vezes, o paciente está lá com obesidade, alterações metabólicas variadas, sedentarismo, e isso fica em segundo plano. Essa triagem de saúde metabólica não é um luxo: em termos de qualidade de vida e de desfechos oncológicos é muito importante.
Saiba Mais
Três perguntas para Gilberto Amorim, especialista em oncologia mamária da Oncologia D'Or
Gilberto Amorim, especialista em oncologia mamária da Oncologia D'Or
Por que a síndrome metabólica está associada ao risco maior de recorrência e morte por câncer
de mama?
Os mecanismos que explicam essa associação à recorrência e morte por câncer de mama precisam ser melhor estudados, mas a gente já tem bastante ideia de como isso funciona. Há uma série de alterações moleculares que podem acontecer nesses pacientes. Por exemplo, a hiperglicemia não é um apenas aumento da insulina no sangue, acaba que alguns fatores de crescimento também estão aumentados nesses pacientes e algumas alterações moleculares em vias de proliferação e de crescimento de possíveis células tumorais são ativadas devido a esse metabolismo alterado por um longo tempo. Até a hipertensão está associada a alterações moleculares em algumas vias, que são, em última análise, responsáveis por um crescimento celular mais acelerado ou eventualmente resistente a certos tratamentos.
Como o sobrepeso e a obesidade influenciam esse risco?
A obesidade central, que a gente mede simplesmente com uma fita métrica, que se traduz naquela gordura visceral, está relacionada à liberação de alguns hormônios, interleucina e outros fatores de crescimento do tumor. E um aspecto importante é a aromatase, que é uma enzima que faz parte do metabolismo dos hormônios femininos. Ela está aumentada nesses pacientes que convivem com obesidade. A própria dislipidemia — o aumento do triglicerídeo e do colesterol, além da diminuição do HDL, o chamado bom colesterol — acaba se traduzindo em alterações moleculares em vias de sinalização para as células tumorais seguirem se proliferando. Então, em última análise, a gente tem maior proliferação, maior chance de invasão de tecidos e maior chance de metástase. É claro que mecanismos mais específicos precisam ainda ser elucidados.
A triagem da síndrome metabólica em sobreviventes de câncer de mama pode ajudar a reduzir o risco de recorrência do tumor?
De uma certa forma, muitos centros médicos já fazem isso, muitos médicos no dia a dia já têm essa noção, e solicitam os exames de lipídios, glicose em jejum, hemoglobina glicada. Também estão pesando os pacientes e passando a medir a cintura abdominal para conversar sobre esses aspectos, mas é evidente que essa triagem precisa ser ampliada e disseminada. A gente fala muito dos tratamentos, do impacto da cirurgia, da quimioterapia, da rádio, dos comprimidos, da terapia endócrina, do bloqueio dos hormônios, e às vezes, o paciente está lá com obesidade, alterações metabólicas variadas, sedentarismo, e isso fica em segundo plano. Essa triagem de saúde metabólica não é um luxo: em termos de qualidade de vida e de desfechos oncológicos é muito importante. (PO)
Formato de maçã
A síndrome metabólica é um grupo de condições que aumenta o risco de doenças cardiovasculares e de diabetes tipo 2. Entre as principais, estão pressão alta, níveis elevados de açúcar no sangue, excesso de gordura na cintura e taxas altas de colesterol ou triglicerídeos. Quem tem três ou mais dessas condições tem síndrome metabólica, embora apenas uma ou duas delas já aumentem o risco de doenças graves. Pessoas com síndrome metabólica geralmente têm corpos em formato de maçã, o que significa que têm cinturas maiores e carregam muito peso em torno do abdômen.
Fonte: Clinica Mayo