
Diretor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP (São Carlos), o especialista em inteligência artificial (IA) André de Carvalho descobriu que era autista aos 54 anos. André viveu décadas desconfortáveis com barulhos altos e ‘desligamentos mentais’, o que depois descobriu se tratar da sobrecarga sensorial característica do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Foi ao conversar com a filha, na época estudante de psicologia, que o diretor do ICMC notou a neurodivergência. Após exames e testes, o diagnóstico surgiu na vida de André como um alívio. A experiência o instigou a pensar em meios de tornar os diagnósticos mais acessíveis e precoces. “Quanto mais cedo você entende, mais fácil é lidar porque você vai ter um tratamento e uma atenção diferenciada na escola, por exemplo”, explica.
Em parceria com a psiquiatra Helena Paula Brentani, do Hospital das Clínicas de São Paulo, André desenvolveu ferramentas de IA que auxiliam no diagnóstico. Por meio de reconhecimento de padrões faciais, análise de sinais cerebrais, identificação de biomarcadores moleculares e movimento corporal, a criança pode ser apontada como integrante do espectro desde cedo.
Vivência e ciência
Conforme a pesquisa, o TEA tem forte influência genética e se manifesta desde a infância, com nuances e intensidades variadas – daí o nome espectro, já que compreende uma variação infinita de expressões. A estereotipação do autismo pode dificultar a busca pelo diagnóstico. Por isso, André visa aprimorar a identificação de casos.
“As pessoas dizem que os casos de autismo aumentaram, mas, na verdade, antes só se diagnosticavam os casos mais graves, como os personificados naquele personagem do filme Rain Man”, observa o diretor do ICMC. No filme, o personagem Ray apresenta um nível mais acentuado de autismo e sofre, adicionalmente, de deficiência intelectual.
“Muitas vezes, o discurso sobre o autismo é puramente biomédico, tratando o TEA como algo a ser corrigido. Mas o que queremos é ser compreendidos e acolhidos. Quando pessoas autistas estão dentro da pesquisa, a abordagem muda”, destaca o estudante de Ciência de Dados do ICMC, Matheo Angelo Pereira Dantas, diagnosticado aos 17 anos.
Matheo é orientado pelo professor André na pesquisa Explainability in Graph Neural Networks for Autism Assessment Using fMRI Analysis, que utiliza exames de ressonância magnética funcional para desenvolver a ferramenta de IA analisadora. O trabalho, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), busca mostrar não apenas a resposta, mas também o porquê da conclusão.
O desafio, segundo Matheo, é garantir que os modelos treinados com dados de populações da Europa e dos Estados Unidos também funcionem no contexto brasileiro. “O que a gente busca são marcadores confiáveis. Assim como a síndrome de Down tem uma alteração cromossômica visível, talvez possamos encontrar no cérebro sinais consistentes do autismo, que ajudem no diagnóstico com mais segurança e menos subjetividade”, afirma o estudante.
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Inclusão social
Embora os avanços científicos sejam otimistas, cabe à sociedade adaptar- se e acolher a neurodiversidade. Após o diagnóstico, André passou a ser mais cuidadoso com a capacidade de cada aluno e buscou auxiliar com empatia qualquer neurodivergência.
Esse é o papel da Comissão de Inclusão e Pertencimento (CIP), ligada à Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) da USP. Coordenadora da CIP, Mariana Andretta destaca que “ainda há um medo do estigma, do julgamento, da ideia equivocada de que pedir adaptação é pedir privilégio. Mas não é disso que se trata. As adaptações existem para garantir condições equivalentes às dos demais.”
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