nutrição

Dieta exclusiva de suco afeta a microbiota, alertam especialistas

Pesquisa mostra como dietas restritivas alteram negativamente a composição das bactérias da boca e do intestino com a proliferação dos microrganismos pró-inflamatórios e redução dos mais benéficos

Cientistas sugerem incluir, no cardápio, frutas e vegetais integrais, que mantêm as fibras dos alimentos -  (crédito: Rawpixel.com;Divulgação )
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Cientistas sugerem incluir, no cardápio, frutas e vegetais integrais, que mantêm as fibras dos alimentos - (crédito: Rawpixel.com;Divulgação )

Com a moda do "detox", muitas pessoas acreditam que uma dieta exclusivamente à base de sucos pode "limpar" o organismo de impurezas. Porém, um estudo publicado na revista Nutrients descobriu que bastam três dias nesse tipo de regime para haver mudanças nas bactérias intestinais e orais. Embora o efeito tenha sido revertido em duas semanas, os pesquisadores alertam que as alterações observadas relacionam-se à inflamação e ao declínio cognitivo, sugerindo que recorrer frequentemente a um cardápio restritivo tem implicações negativas para o equilíbrio do organismo. 

Os cientistas da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, estudaram três grupos de adultos saudáveis. Um deles consumiu apenas suco de frutas e vegetais; outro tomou a bebida, mas também ingeriu alimentos integrais. Já o terceiro se alimentou de uma dieta à base de plantas. Os pesquisadores coletaram amostras de saliva e de fezes antes, durante e depois da intervenção, para analisar as alterações bacterianas por meio de sequenciamento genético. 

O grupo que tomou apenas suco mostrou o aumento mais significativo de bactérias associadas à inflamação e à permeabilidade intestinal, enquanto o que seguiu uma dieta não processada à base de plantas passou por mudanças microbianas favoráveis. Já aqueles cuja alimentação era composta tanto pela bebida quanto por frutas e vegetais integrais teve alterações na microbiota, porém não tão negativas quanto os primeiros. 

Fibra

"A maioria das pessoas pensa em sucos como uma limpeza saudável, mas esse estudo demonstra o que acontece, na realidade", afirmou a autora senior, Melinda Ring, médica da Northwestern Medicine. "A longo prazo, consumir grandes quantidades de suco com pouca fibra pode levar a desequilíbrios do microbioma, com consequências negativas, como inflamação e redução da saúde intestinal", disse Ring.

O gastroenterologista Rafael Bandeira Lages, professor de gastroenterologia do Medcof, pondera que as mudanças na microbiota foram de pequena magnitude e ocorreram, principalmente, na mucosa oral. "Os dados, contudo, chamam a atenção porque muitas dietas da moda, como as 'detox', são muito mais duradouras e, portanto, questiona-se se elas não poderiam ter efeitos cumulativos", diz.

Segundo Lages, a microbiota é como uma "segunda impressão digital", porque é única para cada pessoa. "A formação dela ocorre primordialmente nos nossos primeiros três anos de vida. Fatores como via de parto e aleitamento materno, por exemplo, são bastante relacionados ao seu desenvolvimento. No decorrer da vida, ela vai sofrendo modificações conforme estilo de vida, alimentação, medicamentos que tomamos e doenças que desenvolvemos", esclarece. 

Açúcar

Os autores do estudo publicado na Nutrients ressaltam que o suco processado retira grande parte da fibra das frutas e dos vegetais integrais, sendo que essas substâncias é que alimentam as bactérias benéficas que produzem compostos anti-inflamatórios. "Ao se preparar um suco, remove-se a maior parte da fibra, o que pode diminuir os benefícios das frutas e vegetais na nossa saúde. Além disso, o nível de açúcar, carboidratos e carga glicêmica pode variar, dependendo dos vegetais e frutas usados para fazer o suco", explica Rafael Bandeira Lages. 

Os cientistas de Northwestern verificaram que, enquanto a microbiota intestinal permaneceu relativamente estável, a população de bactérias da boca sofreu mudanças drásticas, com redução nas espécies benéficas Firmicutes e aumento das Proteobacteria, um grupo associado à inflamação. "Isso destaca a rapidez com que as escolhas alimentares podem influenciar populações bacterianas relacionadas à saúde", disse Ring. "O microbioma oral parece ser um barômetro rápido do impacto alimentar."

A autora senior ressalta que o estudo destaca a importância de dar prioridade às fibras em diretrizes alimentares e na produção de alimentos. "Se você ama sucos, considere combiná-los com alimentos integrais para equilibrar o impacto em seu microbioma", recomenda. 

 

Três perguntas para Gabriel Resende, médico pós-graduado em nutrologia, medicina do esporte e nutrição esportiva

A alteração da microbiota observada no estudo foi de longo prazo?

Devemos entender que o intestino é um órgão mutável e com uma intensa variabilidade de bactérias para gerar o equilíbrio que precisamos para a absorção de nutrientes. A ingesta dos nutrientes presentes nos vegetais e frutas somente pela via líquida pode causar comprometimentos não somente no que tange à absorção de nutrientes, mas também à motilidade e permeabilidade intestinal. Sabemos que a ingesta de alimentos sólidos é de extrema valia para a manutenção do trânsito intestinal e peristalse (movimento do intestino). Além disso, o estudo observou alterações significativas na composição da microbiota oral e intestinal após três dias de dieta à base de sucos. Alterações com aumento de bactérias de famílias de pró-inflamatória, além da permeabilidade intestina. No entanto, essas mudanças não se mantiveram a longo prazo; duas semanas após a intervenção, a composição da microbiota retornou aos níveis basais.

O que pode explicar a rápida alteração na microbiota percebida no estudo?

A rápida alteração na microbiota pode ser atribuída à mudança abrupta na dieta dos participantes, que passaram a consumir exclusivamente sucos de frutas e vegetais. Dietas ricas em fibras e compostos bioativos, como polifenóis presentes em frutas e vegetais, podem influenciar rapidamente a composição da microbiota devido ao seu efeito prebiótico, estimulando o crescimento de bactérias benéficas. Porém, pelo fato de a ingesta de frutas e vegetais ser por meio de sucos, onde há um processo de quebra até a redução da matéria, sugere-se que o consumo desses ativos pela via líquida e em grande quantidade a curto prazo pode afetar negativamente a microbiota, provavelmente devido à redução da fibra e ao maior teor de açúcar e carboidratos.


Dietas restritivas têm potencial de alterar a microbiota?

Sim. Por exemplo, dietas com baixo teor de fibras ou ricas em alimentos processados podem reduzir a diversidade microbiana e favorecer o crescimento de bactérias patogênicas, contribuindo para o desequilíbrio da microbiota. Além disso, não somente dietas restritivas, mas também aquelas em que há alteração significativa na via de ingesta alimentar, como o caso de dietas líquidas exclusivas. Para cada via de ingesta, há um processo individual de quebra intestinal das moléculas, que corrobora para a perfeita funcionalidade do trato gastrointestinal. Além disso, dietas com restrições severas a longo prazo pode acabar gerando uma sensibilidade aumentada a alguns ativos, como o caso do glúten e da lactose. Hoje há diversas mães retirando derivados de leite e glúten do bebê logo quando nasce, sem saber que isso pode acabar provocando uma hipersensibilização intestinal, quando essa criança for apresentada a esses ativos no futuro. (Paloma Oliveto)


Nozes reduzem risco cardiovascular

Adultos em risco de síndrome metabólica que trocam o lanche habitual por um punhado de noz-pecã (Carya illinoinensis) melhoram os níveis de colesterol e a qualidade da dieta em geral, segundo pesquisadores do Departamento de Ciências Nutricionais da Penn State, nos Estados Unidos. O resultado do estudo foi publicado na revista American Journal of Clinical Nutrition. A condição é caracterizada por um conjunto de disfunções que elevam a chance de se desenvolver doenças crônicas, cuja base é a resistência à insulina. 

O estudo incluiu 138 adultos com um ou mais critérios para síndrome metabólica, incluindo obesidade abdominal, triglicerídeos altos, HDL baixo, pressão alta e glicemia de jejum alta. Os participantes tinham de 25 a 70 anos e foram divididos aleatoriamente em dois grupos: um deles trocou o lanche regular por 50g de noz-pecã por dia, enquanto o outro manteve a dieta habitual. 

Exames de sangue e dados sobre a saúde vascular dos participantes foram coletados no início e na conclusão do estudo, de 12 semanas. Os voluntários também enviaram o diário alimentar nove vezes ao longo da pesquisa. 

Colesterol

Os resultados indicaram que, no grupo das castanhas, houve redução no colesterol total e nos triglicérides, diminuindo o risco de doenças cardiovasculares. Com base na adesão às Diretrizes Dietéticas para Norte-Americanos, os cientistas calcularam uma melhora de 17% entre os que consumiram a noz-pecã no lugar do lanche tradicional. 

"Esses resultados se somam à grande base de evidências que apoia os benefícios cardiovasculares das nozes e acrescentam informações sobre como os adultos podem incorporar nozes em sua dieta para melhorar a qualidade geral da alimentação", disse Kristina Petersen, professora associada de ciências nutricionais na Penn State e coautora do estudo. Segundo a pesquisadora, estudos anteriores sugeriram os polifenóis das nozes-pecã — compostos químicos com propriedades anti-inflamatórias, podem auxiliar a função endotelial do organismo, um fator-chave na manutenção de vasos sanguíneos saudáveis.

 

Paloma Oliveto
postado em 25/03/2025 06:00