
Mais de 150 desastres climáticos — 100 deles na região das Américas — foram registrados em 2024, uma resposta aos recordes de temperatura batidos na última década, que culminaram com o ano passado excedendo, pela primeira vez, 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais. Lançado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), o relatório Estado Global do Clima destaca, porém, que ainda há tempo de salvar o planeta de uma trajetória que, hoje, coloca a Terra 3ºC mais quente em 2100.
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O documento da agência da Organização das Nações Unidas (ONU) confirma que 2024 foi o ano mais quente desde que as medições começaram, há 175 anos. A organização não governamental Climate Central também divulgou ontem um relatório, que dimensiona o impacto do aumento frequente de temperatura na humanidade: quase 394 milhões de pessoas foram expostas a 30 ou mais dias de risco associado ao calor no ano passado. Setenta e quatro por cento delas vivem na África, continente que emite menos de 5% dos gases de efeito estufa.
"A mudança climática não é uma ameaça distante, mas uma realidade presente para milhões de pessoas", reagiu Kristina Dahl, vice-presidente de Ciência na Climate Central. "A crescente frequência e a gravidade dos eventos de calor em todo o mundo revelam um padrão perigoso de exposição à temperatura que só piorará se continuarmos com a queima de combustíveis fósseis", apontou.
No lançamento do Estado do Clima Global, o secretário-geral da ONU, António Guterrez, enfatizou que "o planeta está emitindo mais sinais de socorro". Garantiu, porém, que "ainda é possível limitar o aumento da temperatura global a longo prazo a 1,5ºC". Esse é o grande objetivo do Acordo de Paris, criado em 2015.
"A ciência diz que é preciso reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 43% até 2035 e zerar as emissões até 2050. O mundo dispõe de tecnologias e recursos para a transição energética, mas não há mais tempo a perder, é preciso mudar, e mudar rápido", destaca André Ferreti, gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza (leia quatro perguntas para).
Estufa
Segundo o relatório da OMM, em 2023, a concentração atmosférica de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, os principais GEEs, atingiram os níveis mais elevados dos últimos 800 mil anos. Dados preliminares indicam que, no ano passado, as emissões continuaram subindo. Celeste Saulo, secretária-geral da OMM, destacou que as temperaturas elevadas "são apenas uma pequena parte de um quadro muito maior".
"Nossos oceanos continuaram a aquecer, e os níves do mar continuaram a subir. As partes congeladas da superfície da Terra, conhecidas como criosfera, estão derretendo a uma taxa alarmante: as geleiras continuam a recuar, e o gelo marinho da Antártida atingiu sua segunda menor extensão já registrada", enumerou Celeste Saulo.
Um mapeamento da OMM indicou que houve 151 eventos climáticos extremos em 2024, agravando a crise alimentar em 18 países, com perdas econômicas e deslocamentos humanos sem precedentes. Mais de 800 pessoas tiveram de sair de suas casas, o maior número desde que os registros começaram, em 2008.
O relatório destaca os eventos mais destrutivos, como ondas de calor no Japão, na Austrália, no Irã e no Mali, com temperaturas chegando a quase 50ºC. Os fenômenos com maiores impactos foram os ciclones tropicais, especialmente o Tufão Yagi, no Vietnã, nas Filipinas e no sul da China. As enchentes no Rio Grande do Sul (foto acima) também foram incluídas o mapeamento."Embora um único ano acima de 1,5°C de aquecimento não indique que as metas de temperatura de longo prazo do Acordo de Paris estejam fora de alcance, é um alerta de que estamos aumentando os riscos para nossas vidas, economias e para o planeta", ressaltou Celeste Saulo.
Quatro perguntas para André Ferreti, gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).
O Acordo de Paris está comprometido?
Os últimos dez anos foram individualmente os anos mais quentes já registrados. Isso não significa que os objetivos do Acordo de Paris já foram superados e que não há mais o que se possa fazer, mas é um alerta de que os esforços globais de redução de emissões de Gases de Estufa (GEE) não estão sendo suficientes para mudar a trajetória de elevação da temperatura e, principalmente, que é preciso agir muito rápido para evitar os efeitos catastróficos. Nas últimas três décadas, não conseguimos avançar na intensidade e na velocidade necessária, mas ainda somos capazes de mudar a tendência que hoje nos leva a um cenário de aumento médio da temperatura da Terra por volta de 3°C até o fim do século. Para tanto, é preciso reduzir rapidamente as emissões de GEE, causadas principalmente pela queima de combustíveis fósseis, mas também pelo desmatamento, e outras atividades humanas.
Como o mundo está respondendo aos eventos extremos apontados pela OMM?
Infelizmente, o mundo está muito atrasado em medidas de adaptação às mudanças climáticas, urgentes para que se possa reduzir os impactos que têm sido cada vez maiores devido ao aumento da intensidade e frequência de eventos extremos a cada ano, em todo o planeta. Ondas de calor, secas, inundações e enchentes, furacões e tufões, ciclones e tornados, incêndios florestais, ressacas e avanço do mar, entre outros, têm gerado severos impactos socioeconômicos e ambientais, ceifado a vida de milhares de pessoas, e gerado um número cada vez maior de desabrigados do clima. São poucos os países, os municípios, as comunidades e as empresas que têm se preparado para o novo clima que se apresenta, com estratégias e planos de adaptação, e muito menos com a implementação de ações concretas de adaptação.
As Soluções Baseadas na Natureza podem ajudar na adaptação?
As Soluções Baseadas na Natureza (SBN), como a proteção e a restauração da vegetação no entorno de nascentes e margens dos rios, assim como nas encostas e áreas mais íngremes, e também de mangues, restingas e recifes de corais nas zonas costeiras, ou ainda das áreas verdes nas cidades, são estratégias essenciais para segurança hídrica, controle de erosão costeira, diminuição da perda de solo fértil, contenção de deslizamentos de terra e assoreamento de cursos d'água, além da reducão dos extremos de temperatura, dentre outros impactos que geram grandes prejuízos e reduzem a segurança e a qualidade de vida das pessoas.
Como o Brasil deve atuar na condição de anfitrião da COP30?
O Brasil é reconhecido internacionalmente pela sua habilidade diplomática em fóruns internacionais e por grandes contribuições às negociações multilaterais de combate às mudanças climáticas. A COP no país é uma oportunidade de o Brasil mostrar avanços e soluções que inspirem os demais e, ao mesmo tempo, gerar avanços importantes nas negociações internacionais em temas estratégicos, como aumento de ambição dos compromissos nacionais de redução de emissões, perdas e danos, aumento no financiamento internacional a países em desenvolvimento e mais vulneráveis para ações de redução de emissões e de adaptação, incluindo combate ao desmatamento, proteção e restauração de ecossistemas, bioeconomia, transição energética e Soluções Baseadas na Natureza, entre outros.
Detalhes
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A concentração atmosférica de dióxido de carbono está nos níveis mais altos dos últimos 800 mil anos.
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Globalmente, cada um dos últimos dez anos foi individualmente o mais quente já registrado.
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Cada um dos últimos oito anos estabeleceu um novo recorde de calor no oceano.
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As 18 menores extensões de gelo marinho do Ártico já registradas ocorreram todas nos últimos 18 anos.
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As três menores extensões de gelo na Antártida ocorreram nos últimos três anos.
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A maior perda de massa glacial ocorreu nos últimos três anos.
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A taxa de elevação do nível do mar dobrou desde que as medições por satélite começaram.
Fonte: Estado do Clima Global 2024
Saiba Mais
COP30, a grande oportunidade
André Ferretti, gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).
O Acordo de Paris está comprometido?
Os últimos dez anos foram individualmente os anos mais quentes já registrados. Isso não significa que os objetivos do Acordo de Paris já foram superados e que não há mais o que se possa fazer, mas é um alerta de que os esforços globais de redução de emissões de Gases de Estufa (GEE) não estão sendo suficientes para mudar a trajetória de elevação da temperatura e, principalmente, que é preciso agir muito rápido para evitar os efeitos catastróficos. Nas últimas três décadas, não conseguimos avançar na intensidade e na velocidade necessária, mas ainda somos capazes de mudar a tendência que hoje nos leva a um cenário de aumento médio da temperatura da Terra por volta de 3°C até o fim do século. Para tanto, é preciso reduzir rapidamente as emissões de GEE, causadas principalmente pela queima de combustíveis fósseis, mas também pelo desmatamento, e outras atividades humanas.
Como o mundo está respondendo aos eventos extremos apontados pela OMM?
Infelizmente, o mundo está muito atrasado em medidas de adaptação às mudanças climáticas, urgentes para que se possa reduzir os impactos que têm sido cada vez maiores devido ao aumento da intensidade e frequência de eventos extremos a cada ano, em todo o planeta. Ondas de calor, secas, inundações e enchentes, furacões e tufões, ciclones e tornados, incêndios florestais, ressacas e avanço do mar, entre outros, têm gerado severos impactos socioeconômicos e ambientais, ceifado a vida de milhares de pessoas, e gerado um número cada vez maior de desabrigados do clima. São poucos os países, os municípios, as comunidades e as empresas que têm se preparado para o novo clima que se apresenta, com estratégias e planos de adaptação, e muito menos com a implementação de ações concretas de adaptação.
As Soluções Baseadas na Natureza podem ajudar na adaptação?
As Soluções Baseadas na Natureza (SBN), como a proteção e a restauração da vegetação no entorno de nascentes e margens dos rios, assim como nas encostas e áreas mais íngremes, e também de mangues, restingas e recifes de corais nas zonas costeiras, ou ainda das áreas verdes nas cidades, são estratégias essenciais para segurança hídrica, controle de erosão costeira, diminuição da perda de solo fértil, contenção de deslizamentos de terra e assoreamento de cursos d'água, além da reducão dos extremos de temperatura, dentre outros impactos que geram grandes prejuízos e reduzem a segurança e a qualidade de vida das pessoas.
Como o Brasil deve atuar na condição de anfitrião da COP30?
O Brasil é reconhecido internacionalmente pela sua habilidade diplomática em fóruns internacionais e por grandes contribuições às negociações multilaterais de combate às mudanças climáticas. A COP no país é uma oportunidade de o Brasil mostrar avanços e soluções que inspirem os demais e, ao mesmo tempo, gerar avanços importantes nas negociações internacionais em temas estratégicos, como aumento de ambição dos compromissos nacionais de redução de emissões, perdas e danos, aumento no financiamento internacional a países em desenvolvimento e mais vulneráveis para ações de redução de emissões e de adaptação, incluindo combate ao desmatamento, proteção e restauração de ecossistemas, bioeconomia, transição energética e Soluções Baseadas na Natureza, entre outros. (PO)
Detalhes do relatório
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A concentração atmosférica de dióxido de carbono está nos níveis mais altos dos últimos 800 mil anos.
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Globalmente, cada um dos últimos dez anos foi individualmente o mais quente já registrado.
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Cada um dos últimos oito anos estabeleceu um novo recorde de calor no oceano.
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As 18 menores extensões de gelo marinho do Ártico já registradas ocorreram todas nos últimos 18 anos.
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As três menores extensões de gelo na Antártida ocorreram nos últimos três anos.
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A maior perda de massa glacial ocorreu nos últimos três anos.
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A taxa de elevação do nível do mar dobrou desde que as medições por satélite começaram.
Fonte: Estado do Clima Global 2024