Mudanças Climáticas

Pelo menos 90% dos adolescentes e crianças sofrem com a poluição do ar

Subproduto da queima de combustíveis fósseis e de incêndios florestais, o material particulado menor que 2,5 nanômetros (PM 2,5) leva 47 mil brasileiros aos hospitais, a cada ano. Crianças sofrem mais devido ao sistema imunológico enfraquecido

A OMS estima em 2 bilhões o número de meninos e meninas em contato constante com material particulado (PM) -  (crédito: wikimedia commons Ricardo Keiichi Nakazato)
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A OMS estima em 2 bilhões o número de meninos e meninas em contato constante com material particulado (PM) - (crédito: wikimedia commons Ricardo Keiichi Nakazato)

Todos os anos, 500 mil crianças morrem, globalmente, devido à exposição ao ar poluído pela queima de combustíveis fósseis. O cálculo é da Organização Mundial da Saúde (OMS), que também estima em 2 bilhões o número de meninos e meninas em contato constante com material particulado (PM) suspenso na atmosfera, um problema ambiental associado a doenças alérgicas, respiratórias e cardiovasculares, além de câncer pulmonar. O contingente corresponde a 90% da população abaixo dos 18 anos. 

"As crianças têm vias aéreas menores e sistema imunológico ainda em desenvolvimento, o que as tornam mais vulneráveis às partículas finas e prejudiciais", afirma Isabel Siqueira, pediatra da clínica Pedstar, em Brasília. "Essas substâncias podem agravar condições preexistentes, como asma e bronquite, além de aumentar o risco de infecções respiratórias." Com o aumento da polinização devido ao aquecimento global, alergias respiratórias também podem se tornar mais severas, alerta a médica, no terceiro dia da série sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde infantojuvenil. 

A poluição do ar é reconhecida como uma ameaça à saúde humana desde 400 a.C., informa David Fowler, pesquisador do Centro de Ecologia e Hidrologia de Penicuik, no Reino Unido, e autor correspondente de um artigo sobre a cronologia da qualidade atmosférica. Com a revolução industrial, no fim do século 18, as chaminés das fábricas encheram as cidades de fuligem, culminando no Grande Nevoeiro, como ficou conhecido o período entre 5 e 9 de dezembro de 1952, quando Londres foi asfixiada por nuvens de carvão, sobrecarregadas de partículas tóxicas. 

Efeito estufa

Com a evolução das pesquisas na área, ficou evidente que as partículas menores que 2,5 micrômetros (PM 2,5) são as mais prejudiciais à saúde. Embora fenômenos naturais, como atividade de vulcões e aerossóis marinhos, possam gerar esse material, a principal fonte é a queima de carvão, gasolina e diesel, os mesmos produtos responsáveis pela emissão dos gases de efeito estufa por trás da crise climática. Incêndios florestais, cada vez mais comuns em um mundo superaquecido, também emitem esse tipo de poluente. 

A exposição precoce ao ar contaminado não afeta a criança apenas nos primeiros anos de vida. Um novo estudo da Universidade do Sul da Califórnia (USC) mostrou uma conexão direta entre a saúde pulmonar na idade adulta e o contato com poluentes atmosféricos na infância. A pesquisa envolveu 1.308 participantes com idade média de 32 anos, avaliados desde que nasceram.

A presença de sintomas de bronquite nos 12 meses antes da última entrevista com os participantes, já adultos, foi associada à exposição a dois tipos de poluentes entre o nascimento e os 17 anos. Um deles é o PM 2,5. O outro, dióxido de nitrogênio, também relaciona-se às causas da crise climática: ele é um subproduto da combustão em carros, aviões, carros e usinas de energia elétrica. 

A preocupação é dupla, destaca a epidemiologista Erika Garcia, autora correspondente do estudo, publicado no American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine: "Nos preocupamos tanto pela saúde das crianças, hoje, quanto pela saúde futura delas, quando crescerem". "O estudo destaca a importância de reduzir a exposição à poluição do ar na infância, algo que tem de ser abordado por políticas públicas", acredita. 

UTI

Outra pesquisa com dados de mais de 3 milhões de dinamarqueses, nascidos entre 1997 e 2014 e acompanhados até os 15 anos, constatou que a exposição ao PM 2,5 aumenta o risco de desenvolver a doença respiratória e o chiado persistente. O artigo foi publicado na revista BMJ. Segundo Alessandra Camargo, pneumologista pediatra da Secretaria de Saúde do DF, na prática clínica, é possível observar uma piora nos quadros de crianças asmáticas. "Estamos vendo um aumento nos casos de asma grave em crianças. Em uma semana, tivemos três entubadas por asma na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sendo que essa é uma doença com arsenal muito grande de tratamento", relata. 

Os casos de asma severa em crianças também foram associados, em um estudo apresentado na Conferência Internacional da Sociedade Torácica Norte-Americana de 2024, a ondas de calor extremo. "Descobrimos que eventos diários de calor excessivo e temperaturas extremas que duraram vários dias aumentaram o risco de visitas hospitalares por asma", relatou o autor correspondente, Morgan Ye, da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia, São Francisco. 

A pesquisa foi conduzida com dados do Hospital Pediátrico Benioff, da Universidade da Califórnia em San Francisco. Os pesquisadores descobriram que as ondas de calor diurnas estavam significativamente associadas a 19% mais chances de visitas hospitalares de crianças com asma. A duração maior dos eventos dobrou o risco de idas ao pronto-socorro. "Compreender os impactos de eventos sensíveis ao clima, como calor extremo em uma população vulnerável, é a chave para reduzir a carga de doenças devido às mudanças climáticas", acredita Morgan Ye.

Ozônio

O pneumologista André Nathan, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, esclarece que o calor, sozinho, não é um fator de risco para doenças respiratórias, mas pode favorecer condições, como asma e bronquite, se houver um quadro associado de desidratação. "O corpo mais desidratado pode apresentar alteração na secreção das vias aéreas e, às vezes, facilitar lesões ou descompensação de doenças", explica. "Além disso, quando os raios solares chegam mais perto da superfície da Terra, produzem uma reação química com os gases em suspensão, produzindo ozônio. O ozônio é irritativo para as vias aéreas, podendo potencializar sintomas respiratórios no calor." 

Com o aumento de incêndios florestais, crianças também estão mais expostas à queima da biomassa, que tem uma composição extremamente tóxica, segundo o patologista Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Um estudo do qual o pesquisador é coautor publicado na revista The Lancet demonstrou que a inalação desse tipo de fumaça causa 47 mil internações por ano no Brasil. "A queima da biomassa provoca uma inflamação nos pulmões. Devido à fisiologia, a criança é a principal vítima, porque ainda não amadureceu o sistema de defesa", destaca.

Incêndios em alta

No Brasil, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), houve  278.299 focos de incêndio em 2024, um aumento de 46,5% em relação ao ano anterior. Quanto à área queimada, o crescimento foi de 79%. Nos EUA, um documento técnico da Agência de Proteção Ambiental (EPA) mostrou que, desde 1983, os casos também estão aumentando. Já o Sistema de Informação de Incêndios Florestais Copernicus, da Europa, relatou 60% mais ocorrências entre 2006 e 2023, com ampliação de 10% da área queimada. 

Três Perguntas para Christiane Teixeira, pneumologista da clínica Metasense

Ondas de calor agravam problemas respiratórios?

Com certeza. O calor excessivo pode causar desidratação e inflamação nas vias aéreas e desencadear ou piorar condições, como asma e bronquite crônica. As ondas de calor também podem aumentar a concentração de poluentes atmosféricos, além de vírus e outros germes e irritar ainda mais as vias aéreas.

Por que as crianças são mais vulneráveis à poluição atmosférica? 

Os pulmões das crianças ainda estão em desenvolvimento e ficam mais sensíveis a poluentes e também às infecções respiratórias. Essa exposição na infância pode, a longo prazo, aumentar o risco de desenvolver asma, alergias e outras doenças pulmonares.

Incêndios florestais estão se tornando cada vez mais comuns. Qual o impacto para a saúde das crianças?

Os incêndios florestais podem ter um impacto significativo na saúde das crianças. A fumaça contém partículas finas, gases tóxicos e outros poluentes que podem irritar as vias respiratórias e causar problemas de saúde, incluindo sintomas, como irritação nos olhos, nariz e garganta, tosse e dificuldade para respirar. Além disso, pioram condições respiratórias preexistentes, como asma, rinite e alergias. Por isso, precisamos proteger as crianças da exposição à fumaça dos incêndios florestais, mantendo-as em ambientes fechados com ar-condicionado e evitando atividades ao ar livre durante esses incêndios.

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Paloma Oliveto
postado em 18/03/2025 06:00