
Um novo estudo realizado por pesquisadores do Mass General Brigham e da Universidade Brown se aprofundou na relação entre ritmos circadianos, peso e hábitos alimentares em adolescentes. Conforme o trabalho, publicado, ontem, na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, jovens com sobrepeso ou obesidade se alimentam mais tardiamente do que pessoas da mesma idade com peso adequado. Além disso, os resultados revelaram que os ritmos circadianos são essenciais para explicar esse padrão.
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“Ao iniciar este estudo, sabíamos que o sistema circadiano afeta a fome e o metabolismo. O que permaneceu obscuro, no entanto, foi se o sistema circadiano — quando isolado das influências dos ciclos ambientais e comportamentais, incluindo os ciclos de luz, sono e atividade — influencia diretamente o consumo de alimentos”, destacou Frank AJL Scheer, professor do Brigham and Women's Hospital. “Este estudo é o primeiro a demonstrar que a ingestão de alimentos em si é regulada pelo nosso relógio biológico interno”, completou.
Segundo a pesquisa, o sistema circadiano é composto por diversos ‘relógios’ que coordenam o organismo e as mudanças ao longo do dia e da noite. Esse mecanismo varia entre as pessoas, em razão de diversos fatores, como genética, comportamento e meio ambiente.
O ensaio
Para o trabalho, foram avaliados 51 voluntários adolescentes com idades entre 12 e 18 anos. Os jovens foram divididos em três grupos com base no índice de massa corporal (IMC). 24 tinham peso saudável, 13 estavam com sobrepeso e 14 foram classificados como obesos. Todos os participantes passaram por sete ciclos de sono e vigília de 28 horas, permanecendo em um ambiente de luz fraca controlada enquanto acordados e em escuridão total enquanto dormiam.
Os voluntários ficaram no mesmo espaço durante todo o ensaio. Para controlar as influências externas no ritmo circadiano, os pesquisadores removeram todos os elementos que poderiam indicar horário no ambiente externo como relógios e acesso à luz de fora.
Os adolescentes comeram um menu padronizado em horários fixos. Eles podiam consumir a quantidade que quisessem durante cada refeição, mas com as calorias sempre monitoradas pelos cientistas. Durante a vigília, os jovens podiam fazer artesanato, assistir filmes e jogar.
Os resultados revelaram que as mudanças no sistema circadiano impactaram a alimentação de todos os participantes. Nos três grupos, a ingestão de alimentos atingiu o pico no final da tarde e no início da noite e foi mais baixa pela manhã, com destaque para jovens com sobrepeso, que mostraram maior tendência a se alimentarem tardiamente.
Conforme os pesquisadores, estudos futuros são necessários para determinar se afetar o controle circadiano da ingestão de alimentos contribui para mudanças de peso, se as mudanças de peso impactam o ciclo da alimentação, ou se é uma ação conjunta.
Mariana Melendez, doutora em nutrição da Clínica SIM—Saúde Integrada Multidisciplinar, frisa que o organismo precisa de uma rotina de alimentação. “Isso para que os hormônios atuem de uma maneira harmônica, para que o gasto de energia aconteça de uma maneira eficiente, eficiente, a mais eficiente possível e o acúmulo de energia em forma de gordura diminua.”
Com novos ensaios, Scheer quer entender mais a relação entre dieta, sistema circadiano e metabolismo, e os mecanismos biológicos relacionados. “A natureza crítica do desenvolvimento adolescente para preparar o cenário para uma vida inteira de saúde destaca a necessidade de entender os papéis desempenhados pelos processos de sono/vigília e tempo circadiano para o comportamento alimentar”, afirmou a pesquisadora principal do estudo, Mary A. Carskadon, pesquisadora principal do estudo e cientista da Universidade Brown.
Guilherme Rodrigues, nutricionista do Grupo Mantevida, frisa que comer mais tarde não é o único fator que pode influenciar na obesidade e no ciclo circadiano. “O metabolismo realmente é um pouco mais lento à noite. Comer mais nesse período, principalmente ultraprocessados, alimentos com alta quantidade de açúcar, gorduras e muito calóricos fazem com que sinta mais fome porque eles não garantem a saciedade. A partir daí começa uma cadeia de escolhas ruins, comendo mais e não fazendo atividade física, aumentando o ganho de gordura, além de comprometer o sono, porque ao dormir mais tarde, aumenta o cortisol e muitas vezes diminui a testosterona, criando a tendência de produzir mais gordura e menos músculos.”
Thais Giovaninni Roberto, nutricionista do hospital Sírio Libanês, em São Paulo, detalha que ter um ciclo circadiano desregulado e dormir tardiamente pode interferir diretamente na alimentação. "Isso porque as pessoas podem beliscar mais nesse horário, por estarem mais tempo despertas, além de incentivar o consumo de preparações mais calóricas e ultraprocessados. Ao longo prazo, esses hábitos podem trazer prejuízos para a saúde. Os hábitos são construídos com o tempo, e não de um dia para outro, portanto, quando os adolescentes mantêm o consumo alimentar aumentado no fim do dia, isso refletirá na vida adulta."
Segundo Carskadon, o conhecimento adquirido por meio da pesquisa “abre uma porta para potenciais intervenções que podem melhorar a saúde dos adolescentes daqui para frente”.