
Presentes na comida, na água e no organismo e em praticamente tudo no mundo moderno, os microplásticos — minúsculas partículas com menos de 5mm de diâmetro são frutos da degradação de produtos, como garrafas, embalagens e tecidos — são uma ameaça à vida. Estudos recentes mostram que, acumulados, podem afetar órgãos, como os pulmões e o cérebro, além da fauna e da flora. A ciência busca estratégias para minimizar os danos.
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Recentemente, pesquisadores da Universidade Heriot-Watt, na Escócia, lideraram um projeto inovador que visa ajudar a indústria da moda a se tornar mais consciente sobre o impacto ambiental de suas produções. A pesquisa supervisionada por Lisa Macintyre, professora associada de têxteis na Universidade, resultou na criação da primeira "escala de fragmentação de fibras" visual do mundo — uma ferramenta simples e eficaz para medir a quantidade de microfibras liberadas por diferentes materiais do vestuário.
A escala é uma ferramenta visual em cinco pontos que permite classificar o volume de fibras plásticas liberadas durante os testes de lavagem. O grau um da escala indica um alto volume de fibras desprendidas, enquanto o cinco representa uma baixa quantidade. De acordo com os pesquisadores, esse modelo é uma forma rápida e econômica de avaliar os tecidos, tornando o processo mais acessível para os fabricantes de roupas. Além disso, permite que os consumidores se informem melhor ao comprar roupas, escolhendo materiais que geram menos poluição.
Os testes mostraram que algumas roupas podem liberar milhares de microfibras a cada lavagem. Macintyre destacou que "a moda e os têxteis são uma das maiores fontes de microplásticos no ambiente". Isso significa que a indústria tem um papel crucial na redução dessa poluição. Se adotada por fabricantes, a escala poderia ser usada de forma semelhante às informações nutricionais que encontramos nas embalagens de alimentos, permitindo que os compradores saibam o impacto ambiental das roupas que estão adquirindo.
Organismo
Conforme o médico e doutor em endocrinologia Antonio Carlos do Nascimento, essas partículas, desprendidas de produtos comuns, costumam se instalar em locais específicos no organismo, como no trato gastrointestinal e nos pulmões. "Existem estudos demonstrando seu acúmulo em vários órgãos, tais como fígado, rins, útero, placenta, testículo e pênis. Podemos inalá-las, ingeri-las na água, em carnes — principalmente peixes e crustáceos— e outros alimentos, ou mesmo através da pele, por meio de cosméticos."
Em paralelo, outra equipe de pesquisadores desenvolveu uma forma de detectar micro e nanoplásticos em líquidos alimentos. O trabalho liderado por Tianxi Yang, cientista da Universidade de British Columbia, no Canadá, criou um dispositivo portátil e de baixo custo para verificar essa contaminação. A tecnologia usa marcação fluorescente para identificar partículas de plástico de 50 nanômetros a 10 mícrons, que são pequenas demais para serem vistas a olho nu.
O dispositivo é equipado com um microscópio digital sem fio, luz LED verde e um filtro de excitação, fazendo com que as partículas de plástico brilhem sob luz fluorescente. O software MATLAB personalizado e algoritmos de aprendizado de máquina permitiram que o sistema fornecesse uma leitura precisa e rápida da quantidade de partículas presentes nas amostras. Em um dos testes, a equipe verificou a liberação de microplásticos de copos descartáveis de poliestireno. Ao preencher os copos com água destilada fervente, observaram a liberação de milhões de pedaços nanométricos, com espessura menor que um fio de cabelo.
Para os pesquisadores, essa é uma solução prática e acessível para detectar microplásticos em diferentes contextos. Segundo eles, o mecanismo serve para análises em laboratórios e também para uso doméstico, permitindo a visualização de partículas de plástico antes do consumo da bebida ou alimento.
De acordo com João Lindolfo Borges, endocrinologista, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), apesar do crescente corpo de pesquisas, há grandes lacunas na compreensão dos impactos dos microplásticos na saúde. "Estudos atuais têm se concentrado principalmente na distribuição ambiental e nos efeitos ecológicos dos microplásticos, com investigação limitada sobre suas implicações diretas para a saúde humana."
Borges detalha que, embora as evidências sugiram que os microplásticos representam um risco potencial à saúde humana, "são necessárias mais pesquisas para elucidar seus efeitos toxicológicos e estabelecer avaliações de risco abrangentes. Abordar essas lacunas de conhecimento será crucial para informar políticas de saúde pública e mitigar os riscos associados à contaminação por microplásticos."
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Efeito deletério

"Esses componentes vão se acumulando no nosso organismo e não há forma conhecida de remoção. O efeito deletério está ficando mais claro, porém efeitos a longo prazo e o papel da quantidade no organismo ainda necessitam de mais estudos. Então, é importante o conhecimento das quantidades e limitação da sua exposição quanto antes. O plástico é um importante disruptor endócrino. Ele causa disfunção de várias glândulas, como tireoide e pâncreas, além de aumentar o risco de diabetes e obesidade. O consumo de alimentos ultraprocessados eleva, ainda mais, a exposição a esses materiais, sendo um dos responsáveis pelo aumento da incidência dessas doenças. Devemos ter cuidado especial com a alimentação, o ar que respiramos e a água que bebemos, nunca foi tão importante, pensando em saúde e longevidade."
Paula Fabrega, endocrinologista do hospital Sírio-Libanês, em Brasília
Nem os golfinhos escapam
Cientistas do College of Charleston, nos EUA, encontraram microplásticos no ar exalado por golfinhos nariz-de-garrafa selvagens. Conforme a pesquisa, publicada recentemente na revista PLOS One, a respiração inalação pode ser uma via importante para a contaminação por esses materiais. Para o trabalho, a equipe avaliou 11 animais, e todos eles expeliram pequenos pedaços de plástico.
Em seres humanos, a contaminação por esses produtos tem sido ligada a diversas questões de saúde. O consumo de alimentos contaminados é um problema comum. No entanto, até o momento, poucos trabalhos avaliaram a inalação como um caminho de exposição a microplásticos para a vida selvagem.
Para a nova pesquisa, os cientistas analisaram golfinhos-nariz-de-garrafa na Baía de Sarasota, Flórida, e seis golfinhos-nariz-de-garrafa na Baía de Barataria, Louisiana, durante outro trabalho sobre saúde que estava sendo desenvolvido. Para capturar o ar exalado pelos animais, a equipe segurou uma superfície de coleta sobre o espiráculo de cada golfinho.
Uma avaliação detalhada do ar coletado mostrou que todos os animais expeliram ao menos uma partícula plástica na respiração. Análises posteriores dos pequenos contaminantes mostraram se tratar de fibras e fragmentos que eram formadas por vários tipos de polímeros plásticos, incluindo tereftalato de polietileno (PET), poliéster, poliamida, tereftalato de polibutileno e poli (metacrilato de metila), conhecido como PMMA.
Para os cientistas, os resultados reforçam a ideia de que a respiração é uma via importante de exposição a esses agentes minúsculos para os golfinhos. No entanto, os autores observam que suas descobertas são preliminares e que novos trabalhos devem ser realizados para avaliar com precisão a exposição que esses animais enfrentam e os efeitos na saúde.
Victor Fortuna Alves Maciel, biólogo pela Universidade de Brasília (UnB), frisa que esses fragmentos tendem a se acumular nos ecossistemas e entrar na cadeia alimentar pela ingestão dos animais marinhos. A presença desses componentes pode dificultar as trocas gasosas em sistemas branquiais — de animais invertebrados e peixes — e prejudicar a absorção de nutrientes pela fixação nas paredes dos tratos digestivos dos demais integrantes da cadeia alimentar. Além disso, há relatos de acúmulo de microplásticos no sistema nervoso, o que pode causar os mais diversos efeitos negativos na fisiologia dos seres vivos."
"Sabemos que microplásticos estão flutuando no ar, então suspeitamos que encontramos microplásticos em amostras de respiração. Estamos preocupados com o que estamos vendo porque os golfinhos têm uma grande capacidade pulmonar e respiram muito profundamente. Então, estamos preocupados com o que esses plásticos podem estar fazendo com seus pulmões", destacaram os pesquisadores. (IA)