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Células que podem agravar a asma

A descoberta de uma combinação celular, denominada c-kit IL-17A ILC2s, tem um papel considerável na piora da doença. Porém, a revelação, segundo os pesquisadores, deve ajudar na busca por terapias mais eficientes no combate aos sintomas

Cientistas da Universidade McMaster, no Canadá, realizaram uma descoberta importante para pacientes com asma. A equipe identificou um novo tipo de célula do sistema imunológico que pode ter um papel fundamental na gravidade dos sintomas da doença. O estudo, publicado na revista Science Translational Medicine, revela detalhes sobre os mecanismos complexos que causam a asma grave, abrindo caminhos para tratamentos mais eficazes.

A asma é uma condição crônica que afeta as vias respiratórias, causando inflamação e estreitamento do caminho por onde o ar passa, o que causa dificuldades respiratórias. O quadro grave, que atinge cerca de 10% das pessoas que têm a condição, é especialmente difícil de tratar, devido à sua resistência às terapias convencionais.

"Quando você não consegue respirar, nada mais importa", sublinhou Roma Sehmi, professora de medicina da Universidade McMaster e uma das autoras principais do estudo. "O nosso grupo, com sede em Hamilton, tem sido líder mundial na avaliação do tipo de inflamação nas vias aéreas, utilizando métodos desenvolvidos para amostrar e analisar o escarro. Buscamos entender melhor os mecanismos por trás da asma grave para melhorar o tratamento desses pacientes."

Para o estudo, a equipe de pesquisa recrutou pacientes do centro de tratamento St. Joseph's Healthcare Hamilton. Durante a pesquisa, os cientistas investigaram um grupo único de células imunes nas vias aéreas de pessoas com asma grave. Chamadas c-kit IL-17A ILC2s, conseguem se modificar, assumindo características de dois tipos diferentes de células do sistema imunológico. O estudo revelou que essas "ILC2s intermediárias" estão associadas à presença de células inflamatórias que pioram a asma, como eosinófilos e neutrófilos.

A descoberta mais relevante foi a constatação de que pessoas com asma grave possuem essas células ILC2s que, ao se transformarem, mostram características de outro tipo, as ILC3, que estão associadas à presença de muitos neutrófilos nas vias aéreas, uma condição frequentemente observada em casos difíceis de tratar. A equipe também identificou fatores de crescimento que incentivam a formação dessas ILC2s intermediárias, sugerindo que, ao controlar seus níveis, seria possível prevenir o acúmulo excessivo de neutrófilos e, assim, evitar a piora dos sintomas.

Segundo o artigo, a capacidade das ILC2s de se transformar em células semelhantes às ILC3 nas vias aéreas de pacientes com asma é uma descoberta inédita. O achado oferece uma nova visão sobre o que pode estar por trás da asma grave e abre portas para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes para os pacientes que não respondem bem às terapias atuais.

Conforme Ana Paula Moschione Castro, especialista em alergia e imunologia do Hospital Sírio-Libanês, o estudo revela que essas ILCs, chamadas de camaleônicas, podem mudar suas características. "E assim redirecionar a inflamação, que funciona como uma 'música desafinada', para diferentes caminhos. É claro que é fundamental entender isso para sabermos qual "afinador de instrumentos" chamar. Se essa ILC tem uma característica de produzir substâncias específicas, a gente buscava tratamentos para essas substâncias. Agora, com esse estudo mostrando que ela pode mudar, é importante, porque precisamos estar atentos para entender que a terapêutica pode mudar ao longo do tratamento da asma."

"Quando a asma envolve tanto eosinófilos quanto neutrófilos, os pacientes geralmente têm uma resposta menos eficaz aos glicocorticoides, que são os medicamentos principais no tratamento da asma grave. Os achados dessa pesquisa abrem a possibilidade de identificar novas metas terapêuticas para a asma difícil de tratar", afirma Parameswaran Nair, coautor do estudo e professor do Departamento de Medicina da Universidade McMaster.

De acordo com a pneumologista Gilda Elizabeth Oliveira da Fonseca, professora de medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB), o tratamento com imunobiológico está sendo cada vez mais utilizado. "Nós já temos algumas drogas aqui no Brasil para tratamento de asma que está sendo aplicado de uma maneira benéfica para o paciente asmático. Já em relação aos fatores de crescimento que estimulam a formação das células ILC2S, eles vão nos direcionar a um tratamento personalizado, a um tratamento mais seguro e eficaz, baseado nos subtipos da asma, que são vários."

 

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Dificuldades no tratamento

"Os desafios no futuro incluem o desenvolvimento de biomarcadores para identificar essas células intermediárias tipo 2, ou seja, saber como encontrá-las. Hoje temos facilidade para ver os eosinófilos e encontrar o IgE, mas ainda temos dificuldade em encontrar outros biomarcadores, que são muito sensíveis para esses tipos celulares. Outro ponto importante é a validação científica dos tratamentos, para garantir que o paciente está recebendo o tratamento correto e da forma correta. Temos o custo elevado dessas terapias personalizadas. Considerando que esses tratamentos são caros, como já observamos com os imunobiológicos vigentes, outro desafio é a capacitação médica. O médico precisa saber como utilizar esses tratamentos corretamente."

William Schwartz, coordenador de pneumologia do Hospital Santa Lúcia, de Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Pneumologia