O vírus Zika, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, é conhecido também por causar microcefalia, uma condição em que o cérebro fica menor do que o normal. Um estudo, publicado na revista mBio, revela que o Zika 'sequestra' uma proteína do hospedeiro chamada ANKLE2, essencial para o desenvolvimento cerebral, e amplia sua capacidade de reprodução própria e os efeitos no organismo da gestante. Como o Zika, ao contrário da maioria dos outros vírus, consegue atravessar a placenta, pode causar sérios problemas na gestação.
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"É uma situação em que o Zika está no lugar errado, na hora errada", afirmou Priya Shah, autora principal da pesquisa e professora associada nos departamentos de microbiologia e genética molecular e de engenharia química da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
O estudo também revelou que outros vírus semelhantes, como o da dengue e o da febre amarela, também utilizam a proteína ANKLE2 para a mesma finalidade. Para os cientistas, a descoberta pode abrir caminho para novas estratégias no desenvolvimento de vacinas ou de tratamentos contra agentes patogênicos.
Conforme a publicação, os vírus carregam um conjunto limitado de instruções no material genético e, para se reproduzirem, dependem da invasão das proteínas e funções das células hospedeiras. O laboratório de Shah investigou essas interações. Em pesquisas anteriores, a equipe identificou que uma proteína do Zika, chamada NS4A, interage com a ANKLE2 nas células hospedeiras. Trabalhando com moscas-das-frutas (Drosophila), a equipe demonstrou que essa relação poderia levar à microcefalia.
Entre 2015 e 2017, uma epidemia da doença deixou em alerta o Brasil. A saúde das gestantes e seus filhos foi o maior motivo de preocupação. Somente em 2015, o governo registrou quase três mil casos de bebês com microcefalia em razão da Zika.
Fábricas de vírus
No novo estudo, liderado pelo estudante de doutorado Adam Fishburn, a equipe cultivou o vírus em células humanas. Quando o gene ANKLE2 foi silenciado nessas estruturas, a capacidade de replicação do Zika foi reduzida de maneira significativa. Nas células infectadas, há o acúmulo em bolsões ao redor do retículo endoplasmático — uma rede celular responsável pela produção de proteínas. A proteína viral NS4A interage com a ANKLE2 para formar esses bolsões, que funcionam como fábricas de vírus, detalhou Shah. Reunir todos os componentes necessários para a formação dos patógenos em um único local torna a replicação mais eficiente e também ajuda a esconder o vírus do sistema imunológico.
Henrique Freitas, neurologista e coordenador da equipe de neurologia da Rede Mater Dei de Saúde, detalhou o mecanismo do agente patológico. "O vírus reduz a disponibilidade dessas proteínas fundamentais para o desenvolvimento cerebral. A ANKLE2 é recrutada para ajudar na replicação e na ocultação do vírus do sistema imunológico e fica em falta para o desenvolvimento de células cerebrais específicas. Isso faz com que naquele momento fundamental do desenvolvimento e do crescimento do cérebro —um processo rápido—, tenha uma queda da replicação celular e do desenvolvimento adequado daquelas células nas crianças, o que vai gerar todas as consequências futuras."
Conforme Fishburn, o Zika e outros vírus evoluíram para se esconder nesses bolsões de replicação, evitando a detecção. "Acreditamos que a ANKLE2 seja sequestrada para facilitar esse processo e, sem ela, os bolsões não se formam adequadamente, permitindo que o sistema imunológico controle melhor a replicação do vírus".
Os cientistas descobriram que o Zika também utiliza a ANKLE2 para infectar células de mosquitos, o que sugere que essa relação é importante tanto em hospedeiros humanos quanto em insetos. A equipe verificou que a proteína NS4A de outros vírus transmitidos por mosquitos, interagem com a ANKLE2 de forma semelhante.
Futuro
Para Silvia Fonseca, os resultados são relevantes para o combate da doença no futuro. "Como ainda não temos vacinas contra ZIKA, e já que o papel da ANKLE 2 foi considerado importante para o desenvolvimento da microcefalia na infecção por ZIKA, os estudos devem continuar, pois esse poderá ser um caminho para a produção de uma vacina eficiente. Será importante determinar se outros agentes infecciosos causam infecções congênitas."
Se vírus mais comuns, como o da dengue, também atacam a ANKLE2, por que não causam microcefalia como o Zika? A resposta provavelmente está na localização. O Zika é diferente porque consegue atravessar a placenta e alcançar o feto, onde a ANKLE2 é fundamental no desenvolvimento do cérebro. A maioria dos outros patógenos é barrada na placenta e não consegue atingir o feto.
O infectologista César Omar Carranza Tamayo, professor da Universidade Católica de Brasília, destaca que o vírus Zika passa pela placenta em razão da capacidade que tem de abrir espaços entre as células desse órgão. "Essa lesão causada na placenta é mais marcada nesse vírus do que em outros. A descoberta é investigada há vários anos para tentar que o Zika e outros microrganismos diminuam sua passagem por esses espaços celulares."
"Essas descobertas podem revolucionar como lidamos com doenças transmitidas por mosquitos, ampliando e melhorando a proteção contra essas infecções. Completou o especialista, que também é doutor em medicina tropical.
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