Os recordes de calor que fizeram de 2024 o ano mais quente da história recente chegaram aos oceanos, ultrapassando a superfície do mar. Um estudo publicado ontem na revista Atmospheric Sciences demonstrou que no ano passado as temperaturas foram as mais altas já registradas, incluindo em profundezas de 2 mil metros. Além das consequências diretas para a vida marinha, os impactos são negativos para o clima em geral, alertam os pesquisadores.
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"Para saber o que está acontecendo com o clima, a resposta está no oceano", resume John Abraham, professor da Universidade de St. Thomas, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo. Noventa por cento do calor excessivo associado ao aquecimento global é armazenado nos mares (90%), sendo que os oceanos cobrem 70% da superfície do planeta. "Por causa disso, o oceano dita nossos padrões climáticos, transferindo calor e umidade para a atmosfera. O oceano também controla a rapidez com que as mudanças climáticas acontecem", destaca Abraham.
O estudo internacional envolveu 54 cientistas e foi coordenado pelo Instituto de Física Atmosférica da Academia Chinesa de Ciências. Divididos em três equipes, os pesquisadores estudaram dados globais da temperatura oceânica e, no fim, compararam os resultados, que foram consistentes. Uma das conclusões foi a de que, entre 2023 e 2024, o aumento global de calor superior a 2 mil metros nos mares chegou a 16 zettajoules, o equivalente a mais de 140 vezes a geração total de eletricidade do mundo no ano retrasado.
El Niño
"Nos últimos cinco anos, a temperatura oceânica aumentou constantemente entre 15 zettajoules e 20 zettajoules, independentemente dos ciclos La Niña e El Niño", explica Michael Mann, pesquisador da Universidade da Pensilvânia e coautor do estudo. Ele se refere aos fenômenos climáticos que podem resfriar ou aquecer o planeta.
A temperatura da superfície — onde as águas e a atmosfera se deslocam — tem sofrido recordes sucessivos, alertam os cientistas. Elas são importantes porque determinam a rapidez com que o calor e a umidade podem ser transferidos do oceano para o ar e, portanto, afetar o clima. "O aumento nas temperaturas da superfície desde o final da década de 1950 tem sido impressionante", observa Mann.
Segundo o estudo, as mudanças observadas não são uniformes, pois há variações regionais. O Atlântico está se aquecendo com o Mar Mediterrâneo, além de todo o Antártico de latitude média. Enquanto a temperatura se eleva rapidamente em partes do Pacífico Norte, a tendência não foi observada na região tropical deste oceano, principalmente devido ao ciclo La Niña/El Niño naquela área. Mesmo os mares próximos aos polos Norte e Sul estão mais quentes.
Vapor
Kevin Trenberth, cientista sênior do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos, destaca que um oceano mais quente afeta a vida marinha e resulta em enormes danos de muitas maneiras. "A principal forma pela qual o oceano continua a influenciar o clima é por meio do aumento do vapor de água na atmosfera, que leva ao aumento prejudicial de extremos no ciclo hidrológico", disse, em nota.
Além disso, o vapor de água é um poderoso gás de efeito estufa, e o aumento do aquecimento eleva o risco de seca e incêndios florestais, como o que está devastando a Califórnia. "O vapor mais quente também alimenta tempestades de todos os tipos e leva ao risco de inundações. Isso inclui furacões e tufões", destacou o cientista.
Nos últimos 12 meses, 104 países, incluindo o Brasil, registraram recordes de temperatura. Ao mesmo tempo, sofreram com secas, ondas de calor, inundações e incêndios, fenômenos verificados em todos os continentes em 2024.