Saúde Mental

Traumas na cabeça podem acordar microrganismos associados ao Alzheimer

Pesquisadores descobrem que golpes na cabeça e concussões frequentes acordam, no cérebro, o microrganismo causador do herpes simples, uma ativação capaz de provocar a neurodegeneração

Traumas repetitivos na cabeça podem acordar, no cérebro, microrganismos latentes que já foram associados ao desenvolvimento da doença de Alzheimer. Em um estudo publicado ontem na revista Science Signaling, cientistas afirmam que concussões frequentes, como ocorre entre jogadores de futebol e lutadores de boxe, têm potencial de ativar o vírus do herpes simples tipo 1 (HSV-1), encontrado em mais de 80% das pessoas. Pesquisas anteriores descobriram que a infecção pelo patógeno é um mecanismo com potencial de provocar a neurodegeneração. 

Há três décadas, a professora Ruth Itzhaki, então pesquisadora da Universidade de Manchester, no Reino Unido, descobriu uma alta concentração de DNA do HSV-1 no cérebro de idosos, incluindo saudáveis. Foi a primeira vez que se detectou um micróbio no tecido cerebral preservado. 

Pesquisas posteriores constataram que, associado a um fator genético específico, o vírus, em atividade, tem relação com um risco elevado de Alzheimer. Entre os danos que ele provoca, estão os característicos sintomas da doença, como depósito de proteínas amiloide, perda neuronal, inflamações e redução da funcionalidade da rede neural. Outros estudos revelaram que células infectadas pelo herpes simples 1 e tratadas, em laboratório, com antivirais ficaram protegidas da degeneração. 

Ativação

Agora, Ruth Itzhaki, professora visitante da Universidade de Oxford, demonstrou, com colegas da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, um dos mecanismos que ativam o HSV-1 no cérebro, aumentando o risco da doença de Alzheimer. Segundo os autores, o resultado sugere que medicamentos antivirais têm potencial para prevenir a neurodegeneração após lesões cerebrais traumáticas. 

Os cientistas explicam que, além de bactérias benéficas, o microbioma humano é habitado por vírus que, normalmente, ficam adormecidos, podendo acordar a qualquer momento. Dois patógenos do tipo são conhecidos por entrarem no cérebro e se alojarem nos neurônios e nas células gliais. Além do HSV-1, o varicela-zóster, presente em 95% das pessoas, tem essa capacidade. 

Desde que se descobriu que o vírus do herpes ultrapassa a barreira que protege o cérebro contra microrganismos, cientistas demonstraram que o HSV-1 dormente pode ser reativado por eventos como estresse ou deficiência do sistema imunológico, com potencial de causar neurodegeneração. Para entender se a ativação viral também está relacionada a concussões, as equipes de Oxford e Tufts desenvolveram um modelo de laboratório que simula o ambiente do cérebro. 

Simulação

"Pensamos no que aconteceria se submetêssemos o modelo de tecido cerebral a uma interrupção física, algo semelhante a uma concussão. O HSV-1 acordaria e iniciaria o processo de neurodegeneração?", contou, em nota, Dana Cairns, autora principal do estudo e pesquisadora de Engenharia Biomédica da Universidade de Tufts. Ela descreve o modelo como um material esponjoso em formato de uma rosquinha com 6mm de largura, feito de proteína de seda e colágeno. Para formar a rede neural, os pesquisadores acrescentaram células-tronco induzidas, posteriormente, a se tornarem neurônios maduros e as células gliais. 

No modelo, os neurônios se comunicam entre eles, por meio de suas extensões, de forma semelhante ao que ocorre em um cérebro real. E, assim como as células cerebrais, as cultivadas no laboratório podem carregar dentro delas o DNA do vírus HSV-1 dormente.

O tecido semelhante ao cérebro foi inserido num cilindro, submetido a um choque repentino em cima de um pistão, para simular a concussão cerebral. A equipe de Cairns, então, estudou o tecido sob o microscópio ao longo do tempo. 

Amiloides

Alguns dos modelos tinham neurônios com HSV-1, enquanto outros estavam livres do vírus. Após os golpes controlados, os cientistas observaram que o patógeno acordou nas células infectadas. Em seguida, marcadores característicos da doença de Alzheimer, incluindo as placas amiloides e os emaranhados da proteína tau, a morte de neurônios, inflamações. Também se constatou uma proliferação de células gliais, conhecidas como gliose, que surgem na tentativa de reparar a neurodegeneração. 

Mais golpes com os pistões nos modelos de tecido imitando lesões repetitivas na cabeça levaram às mesmas reações, que foram ainda mais graves. Enquanto isso, as células sem HSV-1 mostraram alguma gliose, mas nenhum dos outros marcadores da doença de Alzheimer.

Segundo Cairns, os resultados foram um forte indicador de que o cérebro de atletas sofrendo concussões frequentes pode sofrer com a reativação de infecções latentes, desencadeando a doença Alzheimer. A pesquisadora nota que estudos epidemiológicos mostraram que múltiplos golpes na cabeça duplicam o risco de neurodegeneração, incluindo Parkinson, meses ou mesmo anos depois. 

"O modelo de tecido cerebral nos leva a outro nível na investigação dessas conexões entre lesões, infecções e doença de Alzheimer", acredita David Kaplan, professor de engenharia na Universidade de Tufts. "Podemos recriar ambientes de tecidos normais que se parecem com o interior de um cérebro, rastrear vírus, placas, proteínas, atividade genética, inflamação e até mesmo medir o nível de sinalização entre neurônios. Há muitas evidências epidemiológicas sobre ligações ambientais e outras com o risco de Alzheimer. O modelo de tecido nos ajudará a colocar essas informações em uma base mecanicista e fornecer um ponto de partida para testar novos medicamentos."

 

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Associação não é causalidade

“O estudo é interessante e levanta um mecanismo potencial para a associação observada entre infecção pelo vírus da herpes labial, lesões cerebrais e doença de Alzheimer. No entanto, como acontece frequentemente na ciência, é muito importante ter em mente que associação não significa causalidade. Muito mais pesquisa será necessária antes que isso possa ser seriamente considerado um mecanismo plausível para o desenvolvimento de demência. Evitar lesões cerebrais, como aquelas encontradas em alguns esportes de contato, já é conhecido por ser uma maneira importante de prevenir a demência. Por enquanto, não estou convencido de que isso reflita algo mais complicado do que danos mecânicos que causam a morte de células cerebrais.”

Robert Howard, professor de psiquiatria na Universidade College London, no Reino Unido