saúde mental

Antidepressivos são eficazes no tratamento de transtorno de ansiedade generalizada

Pacientes com quadros moderados e graves podem se beneficiar de antidepressivos, segundo estudo com mais de 12 mil pessoas

Pacientes com o transtorno podem apresentar diversos sintomas mentais e físicos, com variações na intensidade -  (crédito: rawpixel/Divulgação )
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Pacientes com o transtorno podem apresentar diversos sintomas mentais e físicos, com variações na intensidade - (crédito: rawpixel/Divulgação )

Os antidepressivos são eficazes no tratamento do transtorno de ansiedade generalizada (TAG), uma condição que afeta mais de 300 milhões de pessoas no mundo, caracterizada pela preocupação excessiva com questões do dia a dia. A conclusão é de uma revisão de 37 ensaios clínicos que, juntos, incluíram mais de 12 mil participantes e compararam os efeitos desses medicamentos aos do placebo (as "pílulas de açúcar"). 

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Os resultados mostraram que os antidepressivos foram mais eficazes do que o placebo na redução dos sintomas de ansiedade, com uma taxa de resposta 41% maior entre aqueles que tomaram a medicação, em comparação com os que receberam os falsos remédios. A revisão, publicada pela editora científica Cochrane Library, também não encontrou diferença significativa nas taxas de abandono de tratamento, indicando que as drogas são bem toleradas. 

"Para pessoas com TAG e sem outra comorbidade, temos boas evidências de que os antidepressivos levam a melhorias clinicamente significativas ao longo de um período de um a três meses", diz o autor principal, Giuseppe Guaiana, chefe de Psiquiatria no St. Thomas Elgin General Hospital, no Canadá. Porém, ele ressalta que os estudos avaliaram apenas pacientes de TAG, nenhuma outra condição, como depressão, um quadro comum, segundo ele, na prática clínica.

"A maioria dos pacientes que vejo com TAG também tem outras condições de saúde mental, então ensaios futuros devem investigar os efeitos de diferentes estratégias de tratamento em pacientes com múltiplas condições."

Combinação

O psiquiatra Paulo Maurício de Oliveira, do Instituto de Neurologia de Goiânia (ING), explica que o tratamento de TAG envolve várias frentes. "Pode incluir combinação de psicofármacos, psicoterapia e mudança de hábitos. Por exemplo, prática de exercício físico, qualidade do sono, fazer coisas que gosta, ter um tempo adequado de repouso etc." O médico observa que antidepressivos são indicados "quando o sofrimento psíquico atinge um patamar que compromete a funcionalidade da pessoa em vários papéis psicológicos". 

Giuseppe Guaiana destaca que, entre os medicamentos mais indicados, estão dois tipos de antidepressivos: os inibidores seletivos de recaptação de serotonina e inibidores de recaptação de serotonina-noradrenalina. Esses foram os principais fármacos testados nos artigos incluídos na revisão. 

O estudo destaca que mulheres têm o dobro de risco de desenvolver transtornos de ansiedade, comparado aos homens. Fabio Aurélio Leite, médico psiquiatra do Hospital Santa Lúcia Norte, de Brasília e ex-professor da Universidade de Brasília (UnB), explica que há vários fatores envolvidos na disparidade. "As mulheres têm mais sensibilidade às oscilações de humor e às questões hormonais. Também são mais submetidas à pressão, à intensidade das adversidades, ao trabalho. Mulheres são muito mais submetidas a estresse e tensão", diz. 

Limitações 

Gemma Lewis, pesquisadora de Epidemiologia Psiquiátrica da Universidade College London, na Inglaterra, ressalta a importância de estudos focados no transtorno de ansiedade generalizada que, segundo ela, é uma condição mental comum, porém pouco abordada. "Em pesquisas, e também talvez clinicamente, é frequentemente negligenciada, particularmente quando comparada à depressão."

A cientista avalia que, por incluir muitos artigos sobre pesquisas clínicas controladas, o trabalho publicado pela Cochrane Library pode ajudar médicos a tomarem decisões sobre a melhor abordagem para o paciente. Porém, ela observa que há algumas limitações no estudo. "A maioria das pesquisas acompanhou pessoas por até 12 semanas. Na realidade, sabemos que muitas usam antidepressivos por muito mais tempo do que isso, geralmente por vários anos", diz. 

Katarina Kopcalic, primeira autora do artigo e pesquisadora da Universidade Western, no Canadá, concorda que são necessários mais estudos para assegurar a eficácia e segurança dos antidepressivos no tratamento da ansiedade em períodos mais longos. "Não temos informações suficientes sobre os potenciais benefícios e danos a longo prazo dos antidepressivos, embora as pessoas frequentemente os tomem por anos. Esta é uma área que precisa de mais exploração em ensaios futuros."

Ainda assim, Kopcalic acredita que a revisão "transmite uma mensagem clara". "Os antidepressivos são eficazes para controlar o TAG, particularmente para pacientes que não respondem bem a tratamentos não farmacológicos. No entanto, pesquisas mais independentes e de longo prazo são necessárias para entender seu impacto total, especialmente em pacientes com múltiplas condições."

Três perguntas para:

Renata Figueiredo, psiquiatra e presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr)

O que é o transtorno de ansiedade?

Os transtornos de ansiedade, de forma geral, referem-se a um grupo de condições psiquiátricas caracterizadas por medo ou uma preocupação excessiva e desproporcional à situação que se está vivenciando. Eles envolvem sintomas físicos, como dor de cabeça, taquicardia, sudorese, tensão muscular e desconforto gastrointestinal, além de sintomas como inquietação, dificuldade de concentração, dificuldade para aprender as coisas e até memorizar. Quando a gente fala de ansiedade generalizada, é sobre a pessoa que tem ansiedade sem ser especificamente para uma coisa. Existem outras categorias de transtorno de ansiedade, como fobias específicas, como viajar de avião; fobias sociais, como medo de falar em público, e transtorno de estresse pós-traumático. 

Como é o tratamento?

O tratamento é individualizado, cada um vai responder de forma diferente. Para a abordagem terapêutica, a indicação é normalmente a terapia cognitivo-comportamental, que tem mais evidência científica e costuma melhorar a longo prazo aquela pessoa mais ansiosa. Quanto às medicações, a gente tem como primeira linha inibidor seletivo de recaptação de serotonina, mas temos outras opções de inibidor seletivo de recaptação de serotonina e noradrenalina. Alguns antipsicóticos têm boa resposta. Aqueles chamados de ansiolíticos, que normalmente são os tarja preta, agem naquele momento, resgatando da crise — é um tratamento paliativo, e não de uso contínuo. Outra forma de intervenção são as mudanças do estilo de vida, com prática de atividade física, um sono regular, alimentação equilibrada, técnica de relaxamento, de meditação. 

Quando os antidepressivos são indicados no arsenal terapêutico?

Os antidepressivos são indicados para o paciente que já tentou psicoterapia e não teve resposta, ou que não consegue aderir (à psicoterapia). Nesse caso, o uso das medicações é importante para melhorar a qualidade de vida. Nós só damos o diagnóstico de transtorno de ansiedade quando há um prejuízo, tanto pessoal quanto profissional ou social. Quando esse prejuízo é significativo, um quadro moderado ou grave, indicamos o tratamento medicamentoso. Também é indicado quando há presença de comorbidade, como depressão ou algum transtorno bipolar. Os medicamentos são indicados, além disso, quando há sintomas físicos muito intensos. Cada caso é único, individualizado. Temos que avaliar até quais são as comorbidades, quais são os efeitos colaterais que aquele paciente não tolera, para poder escolher a melhor medicação para ele, ou o melhor tratamento, que também pode ser, nos casos mais leves, só psicoterapia. 

Mapeamento do transtorno bipolar

Um estudo global liderado pela Universidade de Southern California, nos Estados Unidos, vai mapear alterações estruturais nos cérebros de pessoas com transtorno bipolar (TB), condição mental crônica com uma das maiores taxas de tentativa de suicídio — e para a qual ainda não existem ferramentas biológicas para orientar o diagnóstico ou tratamento. O objetivo é melhorar a compreensão sobre a doença, na esperança de se desenvolverem tratamentos mais eficazes.

"Ao combinar imagens cerebrais existentes e amostras de dados clínicos de grupos de pesquisa líderes ao redor do mundo, esperamos abrir novos caminhos no mapeamento das assinaturas cerebrais do TB, bem como em como elas se comparam a outras condições, como transtorno depressivo maior (TDM), que compartilham fatores de risco, sintomas e tratamentos semelhantes", explicou Christopher R.K. Ching. Mais de 230 pesquisadores participam do projeto. 

A equipe usará uma abordagem de análise em larga escala, chamada morfometria, baseada em voxel (VBM), que permite aos cientistas mapear alterações estruturais sutis em todo o cérebro. Ao contrário de outros métodos de neuroimagem que tendem a calcular a média de características em regiões cerebrais predefinidas maiores, a técnica possibilita um rastreamento preciso e de resolução fina dos centros de processamento de emoções e recompensas afetados no TB e outras regiões, como o cerebelo, frequentemente negligenciadas em estudos anteriores. 

O projeto conta com uma amostra sem precedentes no estudo de transtorno bipolar: 3,5 mil pacientes e quase 9 mil controles saudáveis, participantes de 45 amostras internacionais, incluindo o Brasil. Segundo os pesquisadores envolvidos, ao integrar conjuntos de dados existentes e aumentá-los com novas informações, a equipe espera identificar alterações cerebrais sutis, extraídas de populações diversas em todo o mundo.

 

Paloma Oliveto
postado em 31/01/2025 15:40