avanços na ciência

Células-tronco podem ser usadas para curar cegueira, diz estudo

Estudo tem o objetivo de identificar novos alvos terapêuticos que possam interromper a progressão da doença. Experiências com porcos mostram que os transplantes de retina permitiram que voltassem a enxergar

A degeneração macular relacionada à idade (DMRI) é um dos principais motivos para a perda irreversível de visão em adultos -  (crédito: Freepik)
A degeneração macular relacionada à idade (DMRI) é um dos principais motivos para a perda irreversível de visão em adultos - (crédito: Freepik)

A cegueira, cujas causas sãos as mais diversas, acomete crianças e adultos, impondo tratamentos distintos para cada caso e situação, sem uma espécie de terapia universal para todos os pacientes. Atualmente, cientistas buscam entender a fundo a origem de diferentes tipos de problemas visuais, como cegueira cerebral e a perda de visão, que surge com o avanço da idade. Pesquisas recentes revelam resultados positivos, utilizando células-tronco e dão esperança na busca por abordagens mais promissoras.

A piora da visão em pessoas mais velhas é um dos desafios da medicina. A degeneração macular relacionada à idade (DMRI) é um dos principais motivos para a perda irreversível de visão em adultos. Apesar dos tratamentos disponíveis, as causas ligadas a essa doença e as terapias realmente eficazes ainda são mal compreendidas.

Um estudo publicado na revista Developmental Cell mostra os mecanismos por trás da DMRI, sugerindo alternativas para o desenvolvimento de novos tratamentos. "Os tratamentos atuais para a DMRI têm eficácia limitada e, muitas vezes, vêm acompanhados de efeitos colaterais significativos", detalha Ruchira Singh, cientista da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos. "Nosso objetivo é identificar novos alvos terapêuticos que possam interromper a progressão da doença."

A pesquisa, que utilizou células-tronco humanas para modelar a DMRI, conseguiu melhorar a visão de modelos animais. Ao investigar genes relacionados à doença e a distrofias maculares hereditárias, os cientistas identificaram uma indispensável nos estágios iniciais da doença. O epitélio pigmentar da retina (EPR), que desempenha um papel crucial na DMRI, acumula depósitos de lipídios e proteínas, conhecidos como drusas, que são, muitas vezes, um sinal precoce da doença.

A proteína TIMP3 foi identificada em excesso na DMRI, bloqueando a atividade de outras substâncias essenciais para a saúde ocular. Esse cenário resulta em um aumento de uma enzima inflamatória, que, por sua vez, contribui para a formação das drusas.

Ao bloquear a atividade da enzima inflamatória com um inibidor molecular, os cientistas reduziram a formação das drusas, indicando que esse pode ser um alvo terapêutico. "Se conseguirmos interromper o acúmulo das drusas, podemos prevenir a progressão da doença para os estágios mais graves, que levam à perda de visão", afirma Singh.

Conforme Rafael Yamamoto, oftalmologista-chefe de retina no Visão Hospital de Olhos, em Brasília, a utilização de células-tronco humana é uma estratégia muito promissora para estudar doenças, como a degeneração macular relacionada à idade. "Ao focar na proteína TIMP3 e sua relação com a formação de drusas, os pesquisadores não só aumentam a compreensão dos mecanismos da doença, mas também abrem a porta para novos tratamentos direcionados a interromper esse processo."

Avanços

Para Yamamoto, a pesquisa representa um avanço no entendimento das causas celulares da DMRI e oferece uma potencial estratégia terapêutica baseada no bloqueio das proteínas inflamatórias. "Caso esses achados sejam confirmados em estudos clínicos, isso poderia transformar o tratamento de milhões de pessoas afetadas, oferecendo um incremento no arsenal terapêutico para essa doença."

Além disso, milhões de pessoas são afetadas por doenças degenerativas da retina, e muitas delas sofrem perda de visão. A mácula — região central da retina — é rica em células fotorreceptoras do tipo cone, que são essenciais para a percepção de cores e para enxergar detalhes finos. Atualmente, não existem tratamentos aprovados para substituir a mácula danificada.

Agora, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Montreal, no Canadá, liderada pelo professor Gilbert Bernier, conseguiu recuperar a visão de miniporcos por meio de transplantes de retina feitos com células-tronco. Para o estudo, publicado na revista Development, os cientistas desenvolveram um método para induzir as células a se organizarem imitando a estrutura da retina humana.

As células-tronco utilizadas são chamadas de pluripotentes induzidas humanas (iPSCs), células imaturas que foram "reprogramadas", com o potencial de se transformarem em qualquer tipo. Com essas estruturas, os pesquisadores criaram "folhas retinais" enriquecidas com versões imaturas das células fotorreceptoras cone, que podem amadurecer para se tornar células cones quando cultivadas em laboratório.

Após o desenvolvimento das folhas, a equipe teve que transplantá-las para os modelos animais. "Escolhemos miniporcos porque o tamanho dos seus olhos é semelhante ao dos humanos e eles têm um peso comparável ao de uma pessoa, o que possibilita realizar as cirurgias de forma similar àquelas feitas em humanos", detalhou Bernier.

Após o transplante, os enxertos de retina se juntaram com sucesso ao tecido retiniano danificado dos miniporcos. Além disso, os animais apresentaram sinais de visão restaurada, novas conexões neurais foram estabelecidas entre as células fotorreceptoras enxertadas e as células neurais, e os pesquisadores conseguiram detectar atividade neural nas células fotorreceptoras na região transplantada quando os animais foram expostos à luz.

"Nosso método, no entanto, permite a formação espontânea de um tecido retinal plano, já polarizado e organizado, como ocorre na retina embrionária humana", destacou Bernier. Ele acrescenta ainda que a técnica poderá gerar grandes quantidades de tecido retinal para transplante em humanos.

Segundo Mayra Neves de Melo, oftalmologista do CBV Hospital de Olhos em Brasília, a degeneração macular é um grande desafio para a medicina. "Mas o que vemos no estudo é um tratamento promissor, pois atua diretamente na origem e seu desenvolvimento. O tratamento com células-tronco tem um grande potencial porque pode atuar precocemente, evitando a instalação da doença. Isso é crucial, pois a retina é um tecido nervoso e, quando lesado, não se recupera."

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Principais elementos 

O trabalho propôs uma definição para a CVI, baseada em cinco pontos principais:

  • A CVI é um espectro de deficiências visuais originadas por anomalias cerebrais que afetam o desenvolvimento das vias de processamento visual;
  • A disfunção visual nas crianças com CVI é mais acentuada do que o esperado para condições oculares isoladas;
  • Os deficits visuais se manifestam de diferentes formas, afetando capacidades mais simples ou mais complexas;
  • Embora a CVI possa coexistir com outros distúrbios do neurodesenvolvimento, ela não é um transtorno primário de linguagem, aprendizagem ou comunicação;
  • Os danos neurológicos no cérebro em desenvolvimento podem passar despercebidos até fases mais tardias.

Foco nas crianças

Melinda Chang, pediatra e neuro-oftalmologista do Centro de Visão do CHLA, usa o rastreamento ocular para verificar a visão de uma criança
Melinda Chang, pediatra e neuro-oftalmologista,usa o rastreamento ocular ao examinar pacientes (foto: CHLA)

A perda de visão acarretada por problemas no cérebro, conhecida como deficiência visual cerebral ou cortical — cuja sigla em inglês é CVI —, é uma causa comum de cegueira e de problemas visuais em crianças. No entanto, o entendimento sobre a CVI ainda é limitado, e os médicos não entram em consenso sobre como identificá-la. Pensando nisso, cientistas do Children's Hospital Los Angeles (CHLA), nos Estados Unidos, deram mais um passo na melhoria do diagnóstico desse distúrbio.

Melinda Chang, pesquisadora do Centro de Visão do CHLA e principal autora do artigo, detalhou que nesse estudo, publicado na revista Ophthalmology, a equipe sugere que a CVI deve ser entendida como um transtorno do neurodesenvolvimento. Diferentemente da perda de visão quase total e permanente associada à cegueira cortical em adultos, geralmente causada por derrames, as crianças com CVI costumam manter alguma capacidade visual, que pode melhorar com o tempo devido à neuroplasticidade.

Conforme Chang, "a detecção precoce da CVI é fundamental para permitir uma intervenção precoce. Estudos sobre crianças com deficiência visual de origem ocular demonstram consistentemente uma ligação entre a deficiência visual e dificuldades na aprendizagem, desafios nos relacionamentos sociais e uma piora na qualidade de vida."

Segundo Júlio Lins, oftalmologista do Hospital Oftalmológico de Brasília (HOB), o diagnóstico dessa condição é muito complexo, principalmente nos primeiros anos de vida. "Por isso, sempre ressaltamos a importância de levar o bebê ao oftalmologista, tanto aos seis meses quanto aos um ano, com consultas anuais até os sete anos. Quanto mais cedo o diagnóstico, melhores as chances de tratamento e estimulação visual."

Pistache faz bem para os olhos

Cientistas da Universidade Tufts, nos Estados Unidos, descobriram que comer pistache pode melhorar a saúde ocular. Isso porque o alimento aumenta a densidade óptica do pigmento macular (MPOD) — um fator essencial na proteção dos olhos contra a luz azul e danos ligados ao envelhecimento. O ensaio clínico mostrou que, comparado a uma dieta normal, comer 57 gramas de pistache por dia durante 12 semanas aumenta significativamente o MPOD em adultos saudáveis e idosos. O estudo destacou que o potencial do consumo regular reduz o risco de degeneração macular relacionada à idade.

Isabella Almeida
postado em 12/01/2025 06:00
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