Em um mundo marcado pelas mudanças climáticas, a relação entre a Terra e o espaço se torna ainda mais crucial, não apenas na busca por outro planeta habitável, mas também como uma ferramenta para entender e mitigar os impactos das condições ambientais extremas. Se, por um lado, os satélites ajudam a compreender o que há no Universo, por outro, colaboram na identificação dos problemas ambientais terrestres. Pesquisas recentes também mostram como a tecnologia espacial oferece soluções para otimizar o uso da energia solar, uma das principais alternativas para combater a crise energética e minimizar os danos das fontes não renováveis.
-
Descoberto o maior sítio de pegadas de dinossauros do Reino Unido
-
Matéria escura: o mistério que compõe um terço do Universo
A tecnologia de sensoriamento remoto tem se mostrado fundamental para mapear e compreender os desafios climáticos. Um estudo recente, publicado na Nature Communications, utilizou dados de satélites para revelar um grande problema: as cidades do Sul Global têm uma infraestrutura verde muito inferior à dos países desenvolvidos. Essa diferença, por sua vez, contribui para a disparidade no resfriamento urbano, essencial para mitigar o efeito de ilha de calor — quando áreas urbanas se tornam mais quentes do que as zonas rurais próximas devido à alta concentração de construções e superfícies impermeáveis.
A pesquisa realizada por uma equipe internacional, liderada por Yuxiang Li, da Universidade de Nanquim, revelou que a capacidade de resfriamento das áreas verdes nessas cidades é de apenas 70% da capacidade das zonas urbanas do Norte Global.
A solução, segundo especialistas, não é simples, mas os dados de satélites podem ser uma chave importante. Christian Braneon, cientista climático da Nasa, destacou a importância de se priorizar a criação de mais espaços verdes, especialmente em áreas onde há carência deles. Esses espaços não apenas proporcionam sombra, mas também ajudam a liberar umidade no ar, resfriando os ambientes urbanos e melhorando a qualidade de vida.
Landsat 8
A análise realizada sobre as 500 maiores cidades do mundo, utilizando dados do satélite Landsat 8 da Nasa, demonstrou que a vegetação tem um impacto direto na temperatura local. Em cidades com maior densidade de áreas verdes, a temperatura pode ser reduzida em até 3,6°C, o que indica, por meio de planejamento estratégico, ser possível aumentar a resiliência das cidades do Sul Global, utilizando dados espaciais para identificar áreas críticas e criar soluções mais eficazes.
George Mendes, coordenador técnico de geociências e adaptação climática da Arayara, frisou que os satélites têm uma função crucial na adaptação das cidades às mudanças climáticas. O aumento das temperaturas não é o único desafio; áreas costeiras, por exemplo, enfrentam a elevação do nível do mar.
"Monitorar esses fenômenos é vital para que as cidades desenvolvam planos de adaptação e resiliência, integrando soluções tanto para as ilhas de calor quanto para os riscos ambientais de longo prazo. Os dados de satélite, como os obtidos por radares, podem ser utilizados no monitoramento de áreas costeiras, permitindo uma resposta mais ágil e eficiente", avaliou Mendes.
Conforme o especialista, além do resfriamento urbano, os satélites são ferramentas indispensáveis para a preservação e o monitoramento ambiental. "Eles permitem identificar desmatamentos, queimadas e até mesmo poluição em oceanos, como faz o Instituto Arayara ao monitorar manchas de óleo nas águas brasileiras, utilizando tecnologias de radar para alertar as autoridades."
Enquanto a relação entre espaço e Terra no contexto urbano está profundamente ligada à vegetação, a energia solar surge como outra fronteira tecnológica essencial na luta contra o aquecimento global. Um estudo liderado por Hideaki Takenaka, da Universidade de Chiba, sobre a irradiação solar na região Ásia-Pacífico, complementa essa visão ao abordar a importância do uso de dados de satélites geoestacionários para entender a variabilidade da energia solar. Ao mapear as flutuações da irradiação solar em tempo real, a pesquisa revelou que as zonas de maior elevação, como o Planalto Tibetano, enfrentam variações sazonais significativas, o que impacta diretamente a produção de energia solar. A solução proposta para os países da Ásia-Pacífico envolve o uso de satélites para monitorar em tempo real a radiação solar, fornecendo dados precisos para a construção de usinas em locais estratégicos. Além disso, o estudo sugere que a geração de energia solar. Em vez de depender de grandes centros, poderia ser muito mais eficiente se fosse descentralizada e espalhada.
Para Marco Moraes, divulgador científico e autor do livro Planeta Hostil, o uso dos satélites japoneses que coletam imagens com alta resolução espacial e temporal foi essencial para o trabalho. "Os pesquisadores utilizaram dados de um sistema que permite obter uma análise quase em tempo real da irradiação solar, sincronizada com satélites geoestacionários. A análise revelou fatos bastante interessantes sobre a irradiação solar. As regiões tropicais apresentam uma irradiação solar mais constante ao longo do ano do que as regiões mais frias. Além disso, locais elevados como o Platô do Tibet, são muito afetados pela cobertura de nuvens."
Com os dados direto do espaço, foi possível desenhar uma melhor estratégia, detalhou Moraes. "A tática precisa ser combinada com redes de distribuição bem planejadas e monitoradas, uso de baterias para armazenamento de energia para ser usada nos horários e épocas de menor insolação, assim como a complementação da matriz energética com outras fontes, como a energia eólica." Para os especialistas, a relação entre o espaço e a Terra, mediada pela tecnologia, é um caminho para a construção de um futuro mais sustentável.
Saúde nas alturas
Um projeto de pesquisa enviará células T para a Estação Espacial Internacional (ISS). O objetivo do trabalho é estudar os efeitos da microgravidade prolongada sobre a diferenciação, ativação, memória e exaustão celular com o intuito de aprimorar estratégias terapêuticas para pacientes com câncer e outras doenças. Após a coleta dos dados, os resultados serão analisados na Terra para identificar possíveis alvos imunológicos.
A pesquisa será liderada por Cassian Yee e Kunal Rai, da Universidade do Texas MD Anderson Cancer Center, nos Estados Unidos. Eles trabalharão em parceria com diversas outras instituições. "Estamos animados em nos juntar a colaboradores talentosos que têm experiência em pesquisa biológica e em entregar cargas úteis ao espaço profundo para alavancar o ambiente de pesquisa único da microgravidade no Laboratório Nacional da ISS", afirmou Yee, professor de oncologia.
A missão incluirá múltiplos voos, com duas missões programadas para a ISS, que servirão para pesquisa de descoberta e, possivelmente, para fases mais avançadas de pesquisa na futura Axiom Station, a estação espacial comercial da Axiom. Os pesquisadores utilizarão tecnologias avançadas, como o sequenciamento de células únicas em amostras criopreservadas que serão enviadas ao espaço e depois retornarão à Terra. Isso permitirá a análise de mudanças epigenéticas ao longo do tempo e as dinâmicas in vivo das células T.
Uma empresa especializada em terapias celulares, a Mongoose Bio, usará a tecnologia do MD Anderson para compreender os resultados dessa colaboração em projetos de terapia celular. O foco está no aprimoramento das terapias celulares, uma forma de imunoterapia que modifica ou expande células do sistema imunológico para melhorar o reconhecimento e eliminação de células cancerígenas. As terapias de células T já estão em uso, mas ainda não são eficazes para todos os pacientes.
De acordo com Lúcia Abel Awad, imunologista pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a microgravidade, como é conhecida, tem impactos negativos no processo fisiológico do corpo humano. No entanto, tem chamado atenção no caso de cultivo de células. “Alguns estudos mostram que células humanas, principalmente linfócitos, quando são colocadas em condições de microgravidade, exibem funções e estruturas, até tecidos 3D, que se assemelham muito às características fisiológicas do corpo humano, superando as técnicas hoje utilizadas para cultivo de células in vitro em laboratório.”
“Explorar essas alterações celulares sob a microgravidade e entender os mecanismos moleculares envolvidos, vai contribuir significativamente para a compreensão e o estudo de várias doenças, inclusive o câncer. Uma vez que a gente consiga obter esse modelo 3D de tecidos, conseguiremos estudar com detalhes receptores e mecanismos celulares envolvidos no desenvolvimento das células tumorais e estratégias terapêuticas”, completou a especialista.
Pesquisas anteriores, realizadas na Terra e no espaço, sugerem que a microgravidade pode alterar a biologia das células T, modificando estruturas como o citoesqueleto e a cromatina, além de impactar a ativação dessas células. Isso levanta a hipótese de que o ambiente espacial pode influenciar a diferenciação das células T e, consequentemente, suas capacidades de combate ao câncer.
Segurança para astronautas
Pesquisadores identificaram materiais eficazes para proteger astronautas da radiação espacial em Marte, incluindo plásticos, borracha e fibras sintéticas. Conforme os cientisgtas, a descoberta pode otimizar o design de habitats e trajes espaciais para missões de longa duração. O estudo, realizado pelo Centro de Astrofísica e Ciência Espacial da NYU Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, e pela Universidade de Patras, na Grécia, foi publicado na revista The European Physical Journal Plus. Utilizando modelagem computacional e dados do rover Curiosity da Nasa, os pesquisadores testaram vários materiais para bloquear radiação cósmica, revelando que compostos, como plásticos e borracha, têm bom desempenho com o solo de Marte.