A matéria escura é uma substância misteriosa que compõe cerca de 27% do Universo, segundo a Agência Espacial Europeia, mas que não pode ser observada diretamente, pois não emite, absorve ou reflete luz — ou qualquer outra radiação eletromagnética — de forma detectável. Sua existência, que continua desafiando astrofísicos, é identificada pelos efeitos gravitacionais que causa sobre a matéria visível, como estrelas e galáxias. Pesquisas recentes revelam descobertas revolucionárias sobre a matéria escura e seu papel em fenômenos cósmicos, além de novas informações sobre buracos negros.
Cientistas estão rastreando de forma indireta a matéria escura por meio da floresta Lyman-Alpha. Segundo o estudo, quando a luz de quasares passa pelo Universo, ela encontra nuvens de gás hidrogênio, deixando para trás sombras. Essas marcas representam a presença de moléculas de hidrogênio e podem ser usadas para localizar matéria escura.
Simeon Bird, físico da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e coautor do trabalho, explicou de que maneira o hidrogênio age como um "marcador". "É como colocar corante em um rio, o corante vai seguir onde a água vai. A matéria escura tem potencial gravitacional, então o gás hidrogênio cai nela, e você a usa como um marcador."
No entanto, a abordagem também revela incoerências, ou "tensões," entre as previsões teóricas e as observações reais. Essas discrepâncias podem indicar uma nova partícula ou uma nova forma, como a influência dos buracos negros supermassivos no crescimento das galáxias. O trabalho confirmou as tensões, o que pode apontar para possíveis descobertas, ao invés de problemas nos modelos existentes de formação de galáxias. "Se isso se confirmar, é muito provável que seja uma nova partícula ou algum novo tipo de física, em vez de os buracos negros estarem bagunçando nossos cálculos," concluiu Bird.
Ao Correio, Simeon Bird afirmou que a descoberta de uma nova partícula poderia ajudar a explicar inconsistências na cosmologia, como a distribuição de matéria escura. "No momento, há outras explicações possíveis, mas uma nova partícula é muito intrigante. Veremos no futuro as propriedades que uma nova partícula precisaria para resolver algumas das discrepâncias que vemos. Em breve, haverá novos dados vindos da pesquisa Dark Energy Spectroscopic Instrument, que tem muito menos incerteza. Isso nos ajudará a ficar mais confiantes sobre os resultados. Também haverá pesquisas que nos permitirão verificar os resultados."
Desacoplamento
Em outra linha de pesquisa, o estudo de um aglomerado de galáxias, chamado MACS J0018.5 1626, onde dois aglomerados massivos colidiram, permitiu pesquisadores observarem um fenômeno conhecido como desacoplamento. Esse processo faz com que a matéria escura e a normal — como o gás quente — se movam a velocidades diferentes durante a colisão, com a escura à frente do gás.
O estudo, liderado por Emily Silich, estudante de doutorado do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), nos Estados Unidos, usou dados de diversos telescópios para mapear as velocidades das matérias. A escura, que interage apenas pela gravidade, comportou-se de maneira diferente da normal, que também é influenciada pelo eletromagnetismo.
A nova observação marca um grande avanço na compreensão de como as matérias se comportam durante eventos cósmicos. A orientação única do MACS J0018.5 permitiu ver uma perspectiva sem precedentes. Assim, os pesquisadores mediram diretamente as velocidades das matérias durante a colisão, com uma visão mais detalhada.
A descoberta ajuda a entender como os aglomerados de galáxias — algumas das maiores estruturas do Universo — interagem durante colisões. Nesses impactos, as vastas nuvens de gás podem se superaquecer e se tornar turbulentas e a matéria normal desacelera, enquanto a escura se move mais livremente. Essa separação foi detectada pela primeira vez em 2006 e tem sido estudada em outros aglomerados de galáxias, mas a recente pesquisa esclareceu melhor o desacoplamento em ação.
Ao analisar os dados, a equipe descobriu que a matéria normal estava se movendo na direção oposta à da escura. No começo, pareceu um enigma, e a equipe não sabia se era uma anomalia nas informações ou algo mais. "Tínhamos esse caso estranho com velocidades em direções opostas, e no começo achamos que poderia ser um problema com os nossos dados." Quando Silich se juntou à equipe, conseguiram desvendar o mistério.
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Apesar de representar 85% da massa dos aglomerados de galáxias, a matéria escura permanece indetectada, exceto por seus efeitos gravitacionais. "Esse trabalho é um ponto de partida para estudos mais detalhados sobre a natureza da matéria escura. Temos uma nova forma de investigação direta que mostra como a matéria escura se comporta de forma diferente da matéria normal", afirmou Silich.
Saiba Mais
Hemisfério Sul em foco
Rogério Rosenfeld, professor do Instituto de Física Teórica, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), detalhou o funcionamento do Legacy Survey of Space and Time (LSST), um projeto internacional que realizará um mapeamento do céu de todo o hemisfério sul a cada três dias durante uma década. Em 2025, o LSST iniciará suas operações no Chile. O local abriga o Simonyi Survey Telescope, um telescópio inovador e compacto. "A maior câmera digital já construída, com 3,2 gigapixels e mais de três toneladas, será instalada no telescópio no início de 2025. A câmera fará fotos a cada 30 segundos de regiões do céu com uma área correspondente a 40 luas cheias."
Segundo o especialista envolvido no projeto, ao longo de 10 anos de operação, o LSST observará uma mesma região do céu cerca de 800 vezes, produzindo um filme com informações sobre bilhões de objetos celestes. "Essas observações permitirão, entre outras coisas, o melhor entendimento sobre a natureza da energia escura e da matéria escura, que hoje contribuem com aproximadamente 95% do conteúdo do universo, mas ainda permanecem misteriosas." (IA)
Descobertas sobre buracos negros
Ao estudar um aglomerado de estrelas próximo ao buraco negro supermassivo Sagittarius A (SgrA) no centro da nossa galáxia, uma equipe internacional de pesquisadores encontrou indícios de um buraco negro de massa intermediária. Até hoje, apenas cerca de dez objetos semelhantes foram identificados. Os cientistas acreditam que eles tenham surgido após o Big Bang e, ao se fundirem, são importantes na formação de buracos negros supermassivos. As descobertas foram publicadas recentemente no The Astrophysical Journal.
O aglomerado de estrelas, conhecido como IRS 13, está localizado a apenas 0,1 ano-luz do centro galáctico. A equipe observou que as estrelas dentro do IRS 13 se movem organizadamente, o que contrariou a expectativa inicial de um arranjo aleatório das estrelas. A descoberta levou a duas possíveis explicações: a primeira é que o aglomerado de estrelas interage com o SgrA, o que influencia o movimento ordenado, e a segunda sugere que algo dentro do aglomerado é responsável por manter sua estrutura compacta.
Os pesquisadores propuseram que a forma compacta do IRS 13 pode ser atribuída a um buraco negro de massa intermediária localizado no centro do aglomerado de estrelas. A teoria é apoiada pela detecção de raios-X e gás ionizado se movendo rapidamente ao redor do local onde estaria o buraco negro.
Outro indício da presença do buraco negro de massa intermediária é a densidade alta do aglomerado de estrelas, superando a de qualquer outro objeto semelhante conhecido na Via Láctea. Florian Peißker, autor principal do estudo detalhou, "o IRS 13 parece ser um bloco de construção essencial para o crescimento do nosso buraco negro central SgrA".
Conforme Thaisa Storchi Bergmann, pesquisadora do CNPq e mais citada cientista brasileira na área de física, de acordo com a Lista de Stanford, buracos negros de massa intermediária poderiam ser sementes de supermassivos. "O buraco negro supermassivo da Via Láctea pode ter se formado da fusão dos de massa intermediária. Pela proximidade entre os objetos, ele pode ser capturado pelo SgrA se chegar mais perto, ou perder estrelas. Isso poderia ser uma prova do processo de crescimento do Sagittarius A. Mas temos que encontrar mais objetos semelhantes para confirmar essa hipótese, pois esse processo é muito longo e não vamos testemunhar isso em SgrA no nosso tempo de vida." (IA)