ALIMENTAÇÃO

Ultraprocessados elevam número de casos de câncer colorretal

Número de casos de tumores na região do intestino grosso avança na faixa de 25 a 49 anos, mas segue estável em outras faixas etárias. Estudo associa o crescimento dos tecidos doentes e a inflamação causada por alimentos industrializados

Globalmente, o número de casos de câncer colorretal avança entre pessoas com menos de 50 anos, um problema que pode estar associado ao consumo de alimentos ultraprocessados, segundo dois estudos independentes. Na revista The Lancet Oncology, pesquisadores da Sociedade Norte-Americana de Câncer (ACS) alertam que a incidência da doença de início precoce aumenta, ao mesmo tempo em que estabiliza entre adultos mais velhos. Já na publicação Gut, cientistas da Flórida encontraram uma ligação potencial entre a dieta ocidental — rica em óleos não saudáveis e comida industrializada — e a inflamação crônica que impulsiona o crescimento do tumor. 

"O aumento do câncer colorretal de início precoce é um fenômeno global", disse, em um comunicado, Hyuna Sung, cientista sênior da ACS e principal autora do artigo. "Estudos anteriores mostraram esse aumento em países ocidentais predominantemente de rendimento elevado, mas agora está documentado em várias economias e regiões em todo o mundo." Embora o trabalho não tenha incluído dados brasileiros, um estudo do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) detectou, em 2019, um aumento de 15% em jovens adultos. 

Na pesquisa norte-americana, os autores observaram que, em 50 países e territórios, o tumor colorretal de início precoce cresce em 27 deles, sendo que, em 14, o avanço só ocorre entre pessoas de 24 a 49 anos, desde 1947 até 2017. "O alcance global dessa tendência preocupante destaca a necessidade de ferramentas inovadoras para prevenir e controlar cânceres ligados a hábitos alimentares, sedentarismo e excesso de peso corporal", destacou Sung. 

Sintomas 

A principal autora do artigo também enfatizou a necessidade de conscientizar as pessoas mais jovens sobre os sintomas do câncer colorretal de início precoce, como sangramento retal, dor abdominal, hábitos intestinais alterados e perda de peso inexplicável. Também ressaltou o papel dos serviços de saúde primários para diagnosticar a doença a tempo e, assim, reduzir a mortalidade. 

Segundo Thiago Assunção, oncologista clínico do Instituto Paulista de Cancerologia (IPC), cerca de 90% dos casos de câncer estão relacionados ao estilo de vida. "Nos últimos anos, temos visto um aumento considerável da incidência dessa doença em todas as idades, mas chama a atenção o número de jovens com diagnóstico de cânceres diversos", afirma. 

"Fatores ambientais parecem estar relacionados a esse aumento. Temos hoje um número crescente de jovens obesos — e sabe-se, cada vez mais, que o sobrepeso e a inflamação gerada pelo tecido adiposo, bem como a secreção de hormônios específicos por esse tecido — está relacionado ao desenvolvimento de tumores", diz Assunção. Ele também ressalta que dietas ricas em alimentos processados e consumo aumentado de bebidas alcoólicas, além do tabagismo, são outros fatores importantes relacionados a esse aumento".

Inflamação

Segundo pesquisadores da Universidade do Sul da Flórida (USF) e do Instituto do Câncer do Hospital Geral de Tampa (TGH), ambos nos Estados Unidos, os alimentos gordurosos e ultraprocessados podem estar por trás do aumento de casos do câncer colorretal. "É bem-sabido que pacientes com dietas pouco saudáveis apresentam inflamação aumentada em seus corpos", disse Timothy Yeatman, pesquisador da USF.

O cientista acrescentou que: "Agora vimos essa inflamação nos próprios tumores do cólon e o câncer é como uma ferida crônica que não cicatriza. Se o seu corpo vive diariamente de alimentos ultraprocessados, a sua capacidade de curar essa ferida diminui devido à inflamação e supressão do sistema imunológico que, em última análise, permite que o câncer cresça".

Segundo Yeatman, as conclusões destacam "a necessidade urgente de reavaliar os componentes da dieta ocidental, que normalmente consiste no consumo excessivo de açúcares adicionados, gorduras saturadas, alimentos ultraprocessados, produtos químicos e óleos inflamatórios". Estudos anteriores descobriram que uma dieta desequilibrada desempenha um papel em doenças, incluindo Alzheimer, diabetes e problemas cardiovasculares.

Compostos

Os pesquisadores da Universidade do Sul da Flórida e do TGH explicam, no artigo, que o organismo é projetado para resolver ativamente a inflamação, por meio de compostos lipídicos derivados de gorduras saudáveis. Trata-se de moléculas muito pequenas, derivadas dos alimentos ingeridos. Quando elas são provenientes de produtos ultraprocessados, desequilibram diretamente o sistema imunológico e provocam inflamação crônica.

Embora as moléculas sejam difíceis de detectar, os pesquisadores usaram uma técnica analítica altamente sensível para identificar vestígios de lipídios em 162 amostras de tumores de pacientes do Hospital Geral de Tampa. Ao examinar os cânceres, a equipe detectou excesso de compostos que promovem a inflamação e uma escassez daquelas que ajudam a resolvê-la e promover a cura. "Essas descobertas abrem caminho para uma abordagem nova e natural — a medicina de resolução — que se concentra em restaurar o equilíbrio na dieta do paciente para tratar o câncer colorretal de forma mais eficaz", afirmaram os pesquisadores.

 

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Entenda a diferença

Alimentos in natura e minimamente processados: os alimentos in natura são aqueles obtidos de plantas ou animais, que chegam ao consumidor sem terem passado por nenhum tipo de processamento. Já os minimamente processados sofreram alterações mínimas na indústria, por meio de processos como secagem, pasteurização e fermentação. No entanto, ainda não foram adicionados sal, açúcar ou outra substância. Exemplos: frutas, hortaliças, carnes frescas. 

Alimentos processados: são derivados diretamente de alimentos in natura, mas passaram por um processo de adição de sal, açúcar, óleo ou vinagre para torná-los mais duráveis e agradáveis ao paladar. O consumo exagerado pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade. São exemplos: legumes em salmoura, extrato de tomate, carne seca, frutas em calda, queijo e pães.

Alimentos ultraprocessados: são formulações industriais fabricadas a partir de substâncias extraídas ou derivadas de outros alimentos (sal, açúcar, óleos, proteínas e gorduras) e sintetizadas em laboratório (corantes, aromatizantes, conservantes e aditivos). São pobres nutricionalmente e ricos em calorias, gorduras e aditivos químicos, favorecendo então a ocorrência de deficiências nutricionais, doenças do coração, diabetes, colesterol e obesidade, Exemplos: bolachas, sorvetes, bolos e produtos congelados e prontos para o consumo. 

Fonte: Marcella Garcez, médica nutróloga e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).