Por muito tempo, acreditou-se que Homo sapiens e o extinto neandertal não se misturaram, o que foi negado por estudos genômicos na última década. Agora, a análise do DNA de 58 indivíduos que viveram na Europa e na Ásia determinou com precisão quando as espécies irmãs cruzaram, um acontecimento que deixou marcas no código genético do humano moderno. Segundo a avaliação, publicada em artigos nas revistas Nature e Science, a miscigenação ocorreu há 47 mil anos e durou por sete milênios, até o Homo neanderthalensis desaparecer.
A datação implica que a migração inicial dos humanos modernos da África para a Eurásia terminou basicamente há 43,5 mil anos, afirmaram os autores, em uma coletiva de imprensa on-line. "O momento é realmente importante porque tem implicações diretas na nossa compreensão do momento da migração para fora de África, já que a maioria dos não africanos hoje herda 1% a 2% de ascendência dos neandertais", disse Priya Moorjani, professora da Universidade da Califórnia, Berkeley, e um dos dois autores seniores do estudo. "Também tem implicações para a compreensão da colonização das regiões fora da África, o que normalmente é feito por meio da observação de materiais arqueológicos ou fósseis em diferentes regiões do mundo".
Os pesquisadores explicaram que as estimativas anteriores para o cruzamento das espécies variavam de 54 mil a 41 mil anos atrás. A nova análise, disseram, é consistente com evidências arqueológicas que indicam a coexistência do homem moderno e do neandertal na Eurásia durante sete mil a seis mil anos.
Para traçar as novas datações, os cientistas usaram genomas humanos atuais e de 58 fósseis. "Uma das principais descobertas é a estimativa precisa do momento da mistura de neandertais, que foi anteriormente estimada usando amostras antigas únicas ou em indivíduos atuais. Ninguém havia tentado modelar todas as amostras antigas juntas", disse Manjusha Chintalapati, pesquisadora da Ancestry DNA. "Isso nos permitiu construir uma imagem mais completa do passado."
Segundo os cientistas, a maior duração da troca genética entre as duas espécies humanas pode ajudar a explicar, por exemplo, por que os asiáticos orientais têm cerca de 20% mais genes neandertais do que os europeus e os asiáticos ocidentais. Caso o Homo sapiens tivesse se deslocado para o leste há cerca de 47 mil anos, como se sugeria, já teria misturado o DNA com o do primo extinto.
"Mostramos que o período de mistura foi bastante complexo e pode ter levado muito tempo. Grupos diferentes poderiam ter se separado durante o período de 6 mil a 7 mil anos e alguns grupos podem ter continuado a mistura por um longo período", disse Benjamin Peter, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva e da Universidade de Rochester. "Mas um único período compartilhado de fluxo gênico se ajusta melhor aos dados".
Método
Priya Moorjani, professora da Universidade da Califórnia, Berkeley, foi pioneira no desenvolvimento de um método para determinar o momento do cruzamento de neandertais e homens modernos, em 2016. Àquela época apenas cinco genomas arcaicos do Homo sapiens estavam disponíveis.
Para o estudo atual, os cientistas usaram a técnica em 58 genomas previamente sequenciados de antigos Homo sapiens que viveram na Europa, Ásia Ocidental e Central nos últimos 45 mil anos. Eles também analisaram os genomas de 275 humanos contemporâneos em todo o mundo.
A metodologia permitiu descobrir que, em vez de o cruzamento ter ocorrido em uma única geração, neandertais e homens modernos continuaram a miscigenação por sete mil anos seguidos. Outro estudo, publicado na Nature (leia mais nesta página), confirma o momento do fluxo gênico.
Heranças
A equipe também analisou regiões do genoma humano moderno que contêm genes herdados de neandertais e algumas áreas que são totalmente desprovidas do DNA da espécie. Eles descobriram que essas últimas — chamadas de chamados desertos arcaicos ou neandertais — desenvolveram-se rapidamente após o cruzamento dos grupos. Isso sugere que algumas variantes genéticas do Homo neanderthalensis no Homo sapiens podem ter sido letais, não sendo, portanto, transmitida para gerações futuras.
"Também analisamos as mudanças na frequência de ancestralidade dos neandertais ao longo do tempo e em todo o genoma e encontramos regiões que estão presentes em alta frequência, possivelmente porque carregam variantes benéficas", contou Leonardo Iasi, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva. A maioria desses genes estão relacionados com a função imunológica, a pigmentação da pele e o metabolismo, segundo estudos anteriores.