Cirurgia hepática

Prática diminui a necessidade de transfusão de sangue

Em cirurgias de grande porte no fígado, os pacientes perdem muito sangue e uma grande parcela precisa recorrer ao hemocentro. Com a flebotomia hipovolêmica, menos pacientes precisam de transfusão

Retirar 10% do sangue de um paciente antes de uma cirurgia hepática de grande porte e devolver o fluido após o procedimento reduz a necessidade de transfusões pela metade, de acordo com um ensaio clínico publicado na revista The Lancet Gastroenterology & Hepatology, nesta segunda-feira (09/12). A técnica, chamada flebotomia hipovolêmica, pode evitar que muitos pacientes recorreram aos hemocentros.

“A perda de sangue é uma grande preocupação na cirurgia hepática. Tirar meio litro do fluido logo antes de uma grande cirurgia hepática é a melhor coisa que descobrimos até agora para reduzir a perda de sangue e transfusões”, frisou o coautor, Guillaume Martel, cirurgião e cientista da Universidade de Ottawa, no Canadá. Segundo ele, a técnica, que funciona diminuindo a pressão arterial no fígado, é segura, simples, barata e “deve ser considerada para qualquer cirurgia hepática com alto risco de sangramento.”

Conforme a pesquisa, entre 24% e 33% das pessoas que passam por uma cirurgia hepática de grande porte precisam de uma transfusão. O câncer é o motivo mais comum para esse tipo de operação e receber uma transfusão durante ou logo após o procedimento possivelmente está associado a um risco maior de recidiva.

“Agora que provamos que remover sangue antes da cirurgia hepática reduz as transfusões, estamos espalhando a palavra e ensinando nossos colegas como fazer isso”, destacou o coautor François Martin Carrier, anestesiologista e especialista em medicina de cuidados intensivos na Universidade de Montreal, no Canadá. “Os profissionais acham simples após fazerem uma vez, e o impacto na cirurgia é dramático. Agora é o padrão de atendimento nos quatro hospitais que fizeram parte do teste, e outros hospitais ao redor do mundo devem começar a adotá-lo após saberem dos nossos resultados.”

Mudança prática

No maior teste desse tipo, 446 pessoas que precisavam passar por grandes cirurgias hepáticas foram recrutadas entre 2018 e 2023. Os pacientes foram aleatoriamente designados para receber flebotomia hipovolêmica ou tratamento comum.

Para o grupo de flebotomia hipovolêmica, o anestesiologista removeu o equivalente a uma doação de sangue — cerca de 450 mL— antes da cirurgia. Se o paciente precisasse de sangue durante o procedimento, seu próprio fluido era usado primeiro, caso não necessitasse, o sangue era devolvido também, antes que o operado acordasse.

De acordo com dados do banco de sangue do hospital e registros médicos, apenas 7,6% das pessoas que receberam flebotomia hipovolêmica — 17 de 223 — passaram por transfusões de sangue em até 30 dias após a cirurgia, em comparação com 16,1% daqueles que receberam os cuidados usuais.

Os cirurgiões também disseram que a flebotomia hipovolêmica tornou a cirurgia mais fácil de fazer, porque havia menos sangue nos locais que eles precisavam cortar. A perda média estimada de sangue foi de 670 mL com a técnica, em comparação com 800 mL com o tratamento usual.

Lucio Lucas Pereira, cirurgião do aparelho digestivo do Hospital Sírio-Libanês, sublinha que, em cirurgia, existe a chamada resposta endócrina e metabólica ao trauma. Quando um paciente é submetido a um procedimento cirúrgico, o organismo é agredido, e o corpo responde com uma série de alterações endócrinas e metabólicas. “Essas mudanças criam uma descompensação do paciente, que precisa ser compensada durante o ato operatório.”

Conforme o especialista, minimizar as alterações metabólicas causadas pelo trauma faz com que o paciente tenha o melhor resultado pós-operatório, machucando menos. “Ele fica menos tempo com pressão baixa, com dor e com alterações renais, precisa de menos soro durante a cirurgia e começa a recuperar a função alimentar mais rápido. Por isso, na era moderna, hoje, as cirurgias minimamente invasivas ganharam muito espaço. A ideia é sempre minimizar o trauma durante as cirurgias.”

“Estou muito feliz por ser escolhida e fico feliz que isso ajudará outras pessoas”, afirmou Rowan Ladd, participante do estudo. Ela tinha 44 anos quando precisou passar por uma cirurgia de câncer de cólon na véspera de Natal de 2020. Em 2022 o tumor se espalhou para o fígado e precisou de outra cirurgia.

“Eu me inscrevi para todos os estudos que me ofereceram. Se vou fazer uma cirurgia de fígado, então por que não? Sou uma grande defensora da pesquisa. Eu estava interessada nesse estudo em particular porque eles tiveram ótimos resultados no teste piloto. Você é informada antes da cirurgia que o fígado está tão cheio de vasos sanguíneos que há riscos de sangramento grave. Achei ótimo que os pesquisadores estivessem tentando coisas para reduzir esses riscos.”

Durante a operação, Rowan foi selecionada para fazer flebotomia hipovolêmica. Ela descobriu em qual grupo estava após a cirurgia e não precisou de transfusão de sangue. Após quatro dias no hospital, ela foi para casa. Agora, dois anos depois, ela continua livre do câncer.

A equipe avaliou previamente a segurança e a viabilidade da flebotomia hipovolêmica em grandes cirurgias hepáticas em outro estudo. O procedimento agora está sendo testado em transplante de fígado, e pode haver interesse futuro em sua aplicação para outras cirurgias com perda significativa de sangue.

 

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