Há mais de uma década, o estereótipo do homem das cavernas carregado pelo Homo neanderthalensis desde sua descoberta, no fim do século 19, tem se provado inverídico. Se, por muito tempo, o primo mais próximo do Homo sapiens foi considerado um brutamontes aculturado, hoje se sabe que ele exibia comportamentos sofisticados, incluindo a prática funerária e a fabricação de adornos. Permanece, porém, a incógnita: por que eles desapareceram, cerca de 40 mil anos atrás?
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Pesquisas publicadas neste ano trazem novas hipóteses que podem ajudar a elucidar o mistério da extinção neandertal, enquanto outras dão força a teorias já levantadas. É o caso de uma descoberta do Instituto Globo da Universidade de Copenhague, na Dinamarca. Fósseis da espécie descobertos recentemente em uma caverna no Vale do Rhône, na França, parecem apoiar a ideia de que a extinção tem relação com o fato de a espécie levar um estilo de vida antissocial.
"Quando olhamos para os genomas dos neandertais, vemos que são bastante endogâmicos (reprodução entre parentes) e, portanto, não têm muita diversidade genética. Eles viviam em pequenos grupos há muitas gerações", diz Martin Sikora, um dos autores do estudo. Segundo o cientista, especula-se que, em comparação aos "primos", os humanos modernos eram mais abertos a se relacionar com outros grupos populacionais, o que é uma vantagem para a sobrevivência.
Grupos
"Ser capaz de comunicar mais e trocar conhecimentos é algo que os humanos fizeram e que os neandertais, até certo ponto, podem não ter feito, devido aos seus estilos de vida isolados, organizados em grupos menores", observa Tharsika Vimala, pesquisadora da Universidade de Copenhague e autor do artigo sobre a descoberta, publicado na revista Cell. Vimala conta que estudos genéticos demonstram que, na Sibéria, o Homo sapiens adotou uma estratégia de acasalamento entre pessoas de grupos diferentes, para evitar a endogamia. "Isso é algo que não vimos nos neandertais", diz.
Os pesquisadores extraíram o DNA do dente do esqueleto neandertal encontrado na caverna do Vale do Rhône, fizeram o sequenciamento e analisaram o genoma nuclear — o material encontrado no núcleo das células. Para entender a história partilhada do indivíduo, o resultado foi comparado a dados genéticos de outros indivíduos.
Os pesquisadores também reavaliaram o genoma de outro espécime de neandertal tardio, encontrado anteriormente na França, e constataram que as linhagens eram diferentes, reforçando a ideia de que eles viviam em múltiplas comunidades isoladas. "É algo sobre o qual conversamos há algum tempo. Mas precisávamos de mais evidências, e essas são algumas das que procurávamos e precisávamos para descobrir a probabilidade da hipótese de extinção devido ao estilo de vida isolado. No entanto, precisamos de muito mais dados genômicos para traçar um quadro melhor dessa história", diz Tharsika Vimala
Adaptados
Na Universidade Nacional Australiana (ANU), em Camberra, os pesquisadores buscam pistas sobre a extinção neandertal em uma área desconhecida no sopé dos Pirineus do Sul, na Espanha. Abric Pizarro é um dos poucos locais em todo o mundo que datam de 100 mil a 65 mil anos atrás. Nesse local, os cientistas reuniram centenas de milhares de artefatos, incluindo ferramentas de pedra, ossos de animais e outras evidências que fornecem dados significativos sobre a espécie.
Entre as descobertas, está a de que os neandertais foram capazes de se adaptar ao ambiente, desafiando a antiga crença de que mal conseguiam sair das cavernas. Segundo os pesquisadores, esses ancestrais conheciam métodos de exploração da área, e eram resilientes a condições climáticas adversas. "Eles eram adaptáveis", conta a arqueóloga Sofia Samper Carro, principal autora do estudo.
Os ossos recuperados indicam que os neandertais exploravam com sucesso a fauna local, caçando veados, cavalos e bisões, mas também comendo tartarugas e coelhos. Segundo Carro, isso implica um grau de planejamento raramente considerado atribuído à espécie extinta. Até agora, acreditava-se que eles só miravam animais de grande porte, como cavalos e rinocerontes.
Transição
A arqueóloga da ANU afirma que elucidar pistas de um período de transição crucial para os neandertais ajuda os cientistas a se aproximarem do mistério da extinção. "Os neandertais desapareceram há cerca de 40 mil anos. De repente, nós, humanos modernos, aparecemos nesta região dos Pireneus e os neandertais desaparecem. Mas, antes disso, eles viveram na Europa por quase 300 mil anos, e sabiam claramente o que estavam fazendo. Eles conheciam a área muito bem", diz Carro.
A cientista espera que Abric Pizarro possa revelar mais sobre a extinção dos neandertais. Ela conta que a equipe escava alguns sítios arqueológicos no local há mais de 20 anos. "Não são apenas os materiais individuais que nos dão pistas, mas também onde exatamente eles são encontrados em relação a outros materiais no local, o que nos ajuda a compreender como e quando os neandertais viveram nesses locais. Eles estavam estabelecidos lá ou apenas de passagem?", questiona.