A evolução das terapias genéticas tem sido uma grande jornada. No fim do século 20, a ciência começou a explorar a possibilidade de interferir no DNA para corrigir mutações que geram alterações e prováveis doenças. Inicialmente, técnicas como a terapia gênica, baseada em vetores virais, mas foram desenvolvidas, apresentavam limitações quanto à precisão e à segurança. O avanço mais revolucionário veio com a introdução do sistema CRISPR-Cas9, que permite a edição genética com uma eficácia sem precedentes e relativa simplicidade.
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Os distúrbios neurodegenerativos, como Alzheimer, Parkinson, Huntington e esclerose lateral amiotrófica (ELA), são frequentemente associados ao dobramento incorreto de proteínas. Esses erros causam agregados tóxicos que afetam a função neuronal e contribuem para a degeneração progressiva do sistema nervoso.
Tratando-se de Alzheimer, por exemplo, as proteínas beta-amiloides e tau se acumulam de forma prejudicial, levando à perda de funções cognitivas. O Parkinson é caracterizado pelo acúmulo de alfa-sinucleína, enquanto na doença de Huntington, uma proteína chamada huntingtina é superexpressa, o que também afeta a função neuronal. Além dessas, outras doenças são causadas por questões genéticas.
A tecnologia CRISPR-Cas9 emerge como uma ferramenta revolucionária. Essa forma de edição do DNA permite a modificação precisa de genes associados a doenças neurodegenerativas. Por exemplo, em modelos de Huntington, a CRISPR-Cas9 tem sido usada para eliminar sequências de repetição CAG expandidas no gene responsável pela huntingtina, reduzindo a produção de proteínas tóxicas.
Na doença de Parkinson, a tecnologia pode regular a expressão de alfa-sinucleína ou corrigir mutações em genes como o LRRK2, associado a formas familiares da condição. Além disso, a CRISPR-Cas9 pode ser usada para introduzir mutações protetoras ou aumentar a expressão de genes benéficos, como o BDNF, que auxilia na sobrevivência neuronal.
Desafios
A aplicação clínica da CRISPR-Cas9 passa por grandes desafios. A entrega eficiente dos componentes às células-alvo no cérebro continua sendo uma dificuldade, exigindo o desenvolvimento de vetores virais ou nanopartículas eficazes. Além disso, há preocupações com modificações genéticas não intencionais, que podem causar mutações indesejadas ou efeitos adversos.
Uma revisão sobre a tecnologia, realizada por Feizuo Wang, cientista da Universidade Nacional de Singapura, destaca o avanço da tecnologia, como o tamanho dos sistemas CRISPR-Cas tradicionais que dificultam sua entrega eficaz. Wang e seus colegas exploram estratégias como uma nova adaptação, chamada OMEGA, e a miniaturização das ferramentas de edição genética, prometendo maior eficiência e acessibilidade.
A equipe de Markus Affolter, professor da Universidade de Basel, na Suíça, desenvolveu o método SEED/Harvest, que combina o já conhecido CRISPR-Cas9 com uma via de reparo chamada Single-Strand Annealing (SSA). Esse método permite modificações genéticas precisas e eficientes, sem cicatrizes indesejadas, possibilitando a marcação e análise de proteínas em organismos vivos.
Renata Tenório, geneticista e coordenadora do setor de neurogenética no Instituto de Neurologia de Curitiba, detalha motivos específicos para a dificuldade de levar a edição genética de forma eficiente e segura até as células-alvo. "Nosso cérebro tem barreiras naturais que resguardam o órgão de substâncias potencialmente perigosas. Essa proteção dificulta o acesso do CRISPR-Cas9. É difícil direcionar o CRISPR apenas para as células específicas que precisam ser editadas, evitando efeitos indesejados em outras áreas do cérebro."
Segundo a especialista, as modificações genéticas nos neurônios podem alterar o comportamento das células, mudar como elas funcionam e como se comunicam. "Se as alterações não forem precisas, podem causar problemas como disfunções celulares ou até morte celular, levando a efeitos adversos que podem piorar a condição de um paciente ou provocar outros efeitos indesejados."
Carlos Aschoff, geneticista da DB Diagnósticos, pondera que é preciso cautela para ampliação do seu uso. "Para doenças neurodegenerativas, a tecnologia continua em estudos pré-clínicos, sendo necessário o desenvolvimento de estratégias seguras, estáveis e eficientes para seu uso e aplicabilidade."