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Miscigenação de homo sapiens e neandertais durou 7 mil anos

Em vez de cruzarem apenas durante uma geração, homem moderno e o neandertal trocaram fluxo gênico por milênios até a extinção de uma das espécies. Populações modernas têm entre 1% e 2% do DNA herdados dessa associação

Neandertais (preto) e homens modernos (vermelho) em uma hipotética caverna: ilustração de Leonardo Iasi, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva
 -  (crédito: Leonardo Iasi, MPI-EVA/Divulgação )
Neandertais (preto) e homens modernos (vermelho) em uma hipotética caverna: ilustração de Leonardo Iasi, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva - (crédito: Leonardo Iasi, MPI-EVA/Divulgação )

Por muito tempo, acreditou-se que Homo sapiens e o extinto neandertal não se misturaram, o que foi negado por estudos genômicos na última década. Agora, a análise do DNA de 58 indivíduos que viveram na Europa e na Ásia determinou com precisão quando as espécies irmãs cruzaram, um acontecimento que deixou marcas no código genético do humano moderno. Segundo a avaliação, publicada em artigos nas revistas Nature e Science, a miscigenação ocorreu há 47 mil anos e durou por sete milênios, até o Homo neanderthalensis desaparecer. 

A datação implica que a migração inicial dos humanos modernos da África para a Eurásia terminou basicamente há 43,5 mil anos, afirmaram os autores, em uma coletiva de imprensa on-line. "O momento é realmente importante porque tem implicações diretas na nossa compreensão do momento da migração para fora de África, já que a maioria dos não africanos hoje herda 1% a 2% de ascendência dos neandertais", disse Priya Moorjani, professora da Universidade da Califórnia, Berkeley, e um dos dois autores seniores do estudo. "Também tem implicações para a compreensão da colonização das regiões fora da África, o que normalmente é feito por meio da observação de materiais arqueológicos ou fósseis em diferentes regiões do mundo".

Os pesquisadores explicaram que as estimativas anteriores para o cruzamento das espécies variavam de 54 mil a 41 mil anos atrás. A nova análise, disseram, é consistente com evidências arqueológicas que indicam a coexistência do homem moderno e do neandertal na Eurásia durante sete mil a seis mil anos.

Para traçar as novas datações, os cientistas usaram genomas humanos atuais e de 58 fósseis. "Uma das principais descobertas é a estimativa precisa do momento da mistura de neandertais, que foi anteriormente estimada usando amostras antigas únicas ou em indivíduos atuais. Ninguém havia tentado modelar todas as amostras antigas juntas", disse Manjusha Chintalapati, pesquisadora da Ancestry DNA. "Isso nos permitiu construir uma imagem mais completa do passado."

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Segundo os cientistas, a maior duração da troca genética entre as duas espécies humanas pode ajudar a explicar, por exemplo, por que os asiáticos orientais têm cerca de 20% mais genes neandertais do que os europeus e os asiáticos ocidentais. Caso o Homo sapiens tivesse se deslocado para o leste há cerca de 47 mil anos, como se sugeria, já teria misturado o DNA com o do primo extinto. 

"Mostramos que o período de mistura foi bastante complexo e pode ter levado muito tempo. Grupos diferentes poderiam ter se separado durante o período de 6 mil a 7 mil anos e alguns grupos podem ter continuado a mistura por um longo período", disse Benjamin Peter, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva e da Universidade de Rochester. "Mas um único período compartilhado de fluxo gênico se ajusta melhor aos dados".

Método

Priya Moorjani, professora da Universidade da Califórnia, Berkeley, foi pioneira no desenvolvimento de um método para determinar o momento do cruzamento de neandertais e homens modernos, em 2016. Àquela época apenas cinco genomas arcaicos do Homo sapiens estavam disponíveis. 

Para o estudo atual, os cientistas usaram a técnica em 58 genomas previamente sequenciados de antigos Homo sapiens que viveram na Europa, Ásia Ocidental e Central nos últimos 45 mil anos. Eles também analisaram os genomas de 275 humanos contemporâneos em todo o mundo. 

A metodologia permitiu descobrir que, em vez de o cruzamento ter ocorrido em uma única geração, neandertais e homens modernos continuaram a miscigenação por sete mil anos seguidos. Outro estudo, publicado na Nature (leia mais nesta página), confirma o momento do fluxo gênico. 

Heranças

A equipe também analisou regiões do genoma humano moderno que contêm genes herdados de neandertais e algumas áreas que são totalmente desprovidas do DNA da espécie. Eles descobriram que essas últimas — chamadas de chamados desertos arcaicos ou neandertais — desenvolveram-se rapidamente após o cruzamento dos grupos. Isso sugere que algumas variantes genéticas do Homo neanderthalensis no Homo sapiens podem ter sido letais, não sendo, portanto, transmitida para gerações futuras. 

"Também analisamos as mudanças na frequência de ancestralidade dos neandertais ao longo do tempo e em todo o genoma e encontramos regiões que estão presentes em alta frequência, possivelmente porque carregam variantes benéficas", contou Leonardo Iasi, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva. A maioria desses genes estão relacionados com a função imunológica, a pigmentação da pele e o metabolismo, segundo estudos anteriores. 

População única de pioneiros

Um sítio arqueológico em Ranis, na Alemanha, preserva ossos de humanos que, por algum tempo, não se sabia pertencerem a homens modernos ou a neandertais. A análise do DNA mitocondrial (herdado pela mãe) de 13 deles revelou serem Homo sapiens, mas, até agora, havia poucas informações sobre os indivíduos. Uma equipe do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva avaliou, agora, o genoma nuclear dos espécimes, aumentando o conhecimento sobre essas pessoas, que viveram entre 45 mil e 49 mil anos atrás onde hoje é Europa. 

A análise revelou que os ossos pertenciam a pelo menos seis indivíduos. O tamanho dos restos mortais indicava que dois deles eram bebês. Já o DNA apontou que havia três homens e três mulheres, incluindo uma mãe e uma filha. O estudo, publicado na revista Nature, ajudou a avançar a compreensão sobre a população de um importante sítio arqueológico europeu, conhecido como Zlatý kun, na República Tcheca. A comparação das informações genéticas de Ranis e da localidade tcheca mostrou que havia um parentesco entre eles, de quinto ou sexto grau. 

Pele, olhos e cabelo

Variantes genéticas relacionadas a características físicas indicam que tanto os indivíduos de Ranis quanto os de Zlatý kun carregavam variantes associadas à pele escura e à cor do cabelo, assim como os olhos castanhos, uma herança da recente origem africana dessa antiga população europeia. Segundo os cientistas, não há evidência de que esse pequeno grupo moderno tenha contribuído para qualquer outra população mundial.

O grupo Zlatý kun/Ranis representa a primeira divergência conhecida dos humanos modernos que migraram para fora da África e, mais tarde, se dispersaram pela Eurásia. "Esses resultados nos fornecem uma compreensão mais profunda dos primeiros pioneiros que se estabeleceram na Europa", afirmou, em nota, Johannes Krause, autor sênior do estudo. "Eles também indicam que quaisquer restos humanos modernos encontrados fora de África com mais de 50 mil anos não poderiam ter feito parte da população comum não africana que cruzou com os neandertais e é agora encontrada em grande parte do mundo." (PO)

Marca permanente

"Nos últimos anos, estudos paleogenéticos estão fornecendo dados de maior resolução sobre um dos períodos mais relevantes da nossa evolução, que é o declínio das populações de neandertais e o surgimento da nossa espécie. Os trabalho atual confirma que houve um único fluxo genético dos neandertais para os primeiros representantes do Homo sapiens na Europa. Além disso, esclarece como diferentes genes neandertais relacionados à pigmentação da pele, ao sistema imunológico ou ao desenvolvimento metabólico poderiam ter sido benéficos para a nossa saúde. Em suma, o estudo confirma geneticamente o momento de interação entre os neandertais e a nossa espécie no fim do Pleistoceno e como os seus genes deixaram uma marca permanente no que somos hoje, como espécie."

Ana B. Marín Arroyo, professora de pré-história na Universidade de Cantábria, na Espanha

Paloma Oliveto
postado em 13/12/2024 06:00
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