Vinte e cinco por cento do que resta das florestas tropicais ao redor do mundo pode proteger milhares de espécies ameaçadas de extinção. É o que aponta uma nova pesquisa, publicada hoje (09/12) na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, liderada pela Universidade de Queensland, na Austrália, e pela Universidade do Norte da Colúmbia Britânica, no Canadá. O trabalho avaliou a disponibilidade global de florestas tropicais consideradas intactas e minimamente perturbadas para mais de 16 mil espécies de mamíferos, pássaros, répteis e anfíbios.
“Usando sensoriamento remoto e indicadores de integridade florestal, analisamos a qualidade das florestas tropicais em todas as áreas de distribuição dos vertebrados dependentes desses habitats”, detalhou o professor James Watson, coautor do estudo. Segundo ele, de forma geral, até 90% da cobertura florestal ainda resiste dentro das áreas de distribuição dessas espécies, “mas apenas 25% dela é de alta qualidade, o que é um fator crítico na redução do risco de extinção.”
Conforme o pesquisador, a equipe já sabia que as florestas tropicais íntegras são indispensáveis para a biodiversidade, mas, até então, ninguém havia quantificado o quão escassos esses habitats se tornaram. “Nossa pesquisa mostra que florestas tropicais estruturalmente intactas — essenciais para muitas espécies dependentes da floresta — são assustadoramente raras, particularmente em regiões mais afetadas por pressões humanas, como exploração madeireira e desenvolvimento de infraestrutura.”
Integridade
O trabalho também mostrou diferenças na qualidade do habitat com base na condição de conservação de diferentes espécies. “Apenas 8% do habitat da floresta tropical para espécies classificadas como ameaçadas ou com populações em declínio é de alta integridade”, alertou Watson.
A pesquisa revelou ainda que animais não ameaçados de extinção têm áreas com cerca de 25% de floresta tropical com alta integridade. Para o professor, a descoberta destaca como a degradação do habitat impacta mais fortemente espécies já em risco.
O pássaro-jardineiro-dourado (Prionodura newtonia), cuja população tem diminuído nos trópicos úmidos de Queensland, foi incluído no estudo que descobriu que, embora 84% do seu habitat permaneça, apenas 36% é floresta tropical conservada. Rajeev Pillay, da University of Northern British Columbia, que liderou a pesquisa, disse que os resultados apontam para a necessidade urgente de estratégias de conservação que vão além da preservação da cobertura florestal para manter a qualidade da floresta.
“Simplesmente ter cobertura florestal não é suficiente se a complexidade estrutural e a baixa perturbação humana necessárias para a biodiversidade desaparecerem”, destacou Pillay. Segundo cientista, para proteger as florestas tropicais de alta integridade restantes, a coordenação global para minimizar a perturbação humana é fundamental, “especialmente em florestas desprotegidas que continuam vitais para a biodiversidade.”
Para Pillay, proteger florestas tropicais intocadas é indispensável para atingir as metas de 2030 da Convenção sobre Diversidade Biológica e evitar mais perdas de biodiversidade. “À medida que as pressões humanas continuam a aumentar, preservar essas florestas restantes pode ser a melhor esperança para garantir um futuro sustentável para a biodiversidade do planeta.”
Clima
A pesquisa foi divulgada no mesmo dia que o observatório europeu Copernicus divulgou que 2024 ultrapassará a marca limite de 1,5°C de aquecimento, estabelecida pelo Acordo de Paris, e se consolidará como o ano mais quente da história. Para especialistas, o calor extremo e as mudanças climáticas são grandes responsáveis pela perda de biodiversidade.
Conforme André Ferretti, gerente de economia da biodiversidade da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), um aumento de temperatura dessa magnitude interfere drasticamente no clima global. “Sabemos que, se a temperatura aumentar muito mais do que um grau, as perdas nos ecossistemas serão catastróficas, especialmente nos recifes de corais, afetando toda a diversidade dos ecossistemas costeiros e marinhos. A elevação do nível do mar, também interfere drasticamente nos ecossistemas costeiros e marinhos. As áreas costeiras ficam invadidas pelo mar, e a água salgada penetra no solo, contaminando os aquíferos de água doce, o que prejudica muitas espécies.”
Extremos
Além disso, Ferretti destaca que grandes eventos extremos, como secas prolongadas, podem afetar o ciclo de vida de muitas espécies, que não resistem. “Ao afetar as plantas, você impacta animais que dependem delas para alimento e habitat, o oposto também é verdadeiro: ao afetar os animais, você prejudica a polinização e a dispersão de sementes, que nos ecossistemas tropicais, por exemplo, são majoritariamente realizadas por animais. Isso afeta drasticamente os seres vivos.”
Para Raimundo Fabrício Paixão Albuquerque, docente de Direito Ambiental da Wyden, no Ceará, e especialista em créditos de carbono, preservar a biodiversidade exige mais do que manter a cobertura florestal; é necessário proteger a integridade dos ecossistemas, reduzindo a intervenção humana que descaracteriza os espaços naturais. “No Amazonas, por exemplo, essa realidade ganha contornos preocupantes, especialmente no município de Autazes, onde o povo Mura enfrenta tensões sociais em um embate direto com a mineradora Potássio do Brasil.”
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