Há milhares de anos o que existe além do planeta Terra é alvo de curiosidade humana. Em 3 mil antes de Cristo, os egípcios olhavam para o céu em busca de respostas e faziam anotações do que viam. Milênios depois, a astronomia segue como uma área de crescente interesse. Com o apoio da tecnologia, cientistas fazem descobertas quase monumentais. Agora, novas pesquisas revelam a existência de exoplanetas e exploram a possibilidade de encontrar outro mundo.
Uma equipe internacional de astrônomos utilizando o Telescópio Espacial James Webb (JWST) da Nasa, conseguiu fotografar diretamente o exoplaneta Epsilon Indi Ab, localizado a cerca de 12 anos-luz da Terra. O gigante gasoso, um dos planetas mais frios já observados fora do Sistema Solar, possui uma massa várias vezes maior do que a de Júpiter e orbita a estrela Epsilon Indi A (Eps Ind A), semelhante ao Sol.
A pesquisa, publicada na revista Nature, mostra que a observação foi feita utilizando o coronógrafo, uma tecnologia projetada para bloquear a luz de estrelas brilhantes, e o MIRI (Mid-Infrared Instrument), um dos quatro principais instrumentos do JWST, especializado na observação no infravermelho médio. Isso permitiu a captura da imagem direta de Epsilon Indi Ab, uma tarefa complexa, pois até hoje apenas alguns exoplanetas foram fotografados diretamente.
Com uma temperatura aproximada de 2°C, Epsilon Indi Ab se torna ainda mais interessante para os cientistas por ser um análogo de Júpiter. Caroline Morley, professora da Universidade do Texas e integrante da equipe de pesquisa, explicou que, antes dessa observação, já havia indícios da presença de um planeta gigante em torno de Eps Ind A, com base nas oscilações gravitacionais causadas por esse planeta na estrela.
Elisabeth Matthews, autora principal do estudo e pesquisadora do Instituto Max Planck de Astronomia, na Alemanha, destacou que a descoberta é animadora, sobretudo, porque a análise desse exoplaneta oferece uma rara oportunidade de estudar um planeta gigante gasoso em detalhes.
Impressão digital
Os cientistas sugerem que o planeta contém metano, monóxido de carbono e dióxido de carbono em sua atmosfera, elementos comuns em gigantes gasosos, o que implica que ele pode ser semelhante a Júpiter e Saturno. O próximo passo da equipe é conseguir uma impressão digital da composição atmosférica do planeta e aprender mais sobre a evolução dos gigantes gasosos e entender como esses corpos se formam em sistemas distantes.
Conforme Naelton Araújo, astrônomo da Fundação Planetário do Rio de Janeiro, a maioria das informações sobre exoplanetas é indireta, o que dificulta estudá-lo. "Os telescópios espaciais captam geralmente a variação da intensidade ou da cor da estrela principal. Não é comum ter uma imagem do planeta.O movimento é deduzido indiretamente. Ver o planeta e acompanhar seu movimento é muito mais preciso."
Embora o JWST tenha grande destaque na astronomia, ele não é o único telescópio dedicado à busca e estudo de exoplanetas. Utilizando o Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO), cientistas descobriram um exoplaneta chamado Barnard b, que tem pelo menos metade da massa de Vênus e um ano que dura pouco mais de três dias terrestres. As observações também sugerem a presença de mais três candidatos a exoplanetas em órbitas em torno da mesma estrela.
Localizada a apenas seis anos-luz de distância, Barnard é o segundo sistema estelar mais próximo do nosso, depois do grupo Alfa Centauri. Devido à sua proximidade, é um alvo primordial na busca por exoplanetas semelhantes à Terra. A descoberta de Barnard b foi o resultado de cinco anos de observações com o VLT. A equipe procurava sinais de exoplanetas na zona habitável da estrela, uma região onde poderia existir água líquida na superfície do planeta.
Barnard b está 20 vezes mais perto de sua estrela do que Mercúrio está do Sol e tem uma temperatura superficial de 125°C. Embora seja um dos exoplanetas de menor massa conhecidos, ele está situado fora da zona habitável, tornando improvável a presença de água líquida. Além disso, os pesquisadores encontraram indícios de mais três candidatos a exoplanetas candidatos orbitando a estrela de Barnard, que precisarão ser confirmados em observações futuras.
Conforme Helio Jaques, presidente da Sociedade Brasileira de Astronomia, o ideal seria também observar diretamente planetas rochosos, como a Terra. "Mas isso deve ser algo para o futuro. A observação direta de planetas gasosos já é bem difícil e só tem sido possível porque eles brilham mais e têm uma superfície maior. Isso os torna mais luminosos no infravermelho médio. Um planeta rochoso também emite nesses comprimentos de onda, mas seu fluxo é muito menor, em razão da menor superfície."
Com as novas tecnologias e os telescópios de última geração, como o JWST e o ELT, a exploração dos exoplanetas nunca esteve tão avançada, e descobertas como as de Epsilon Indi Ab e Barnard b são apenas o começo de uma nova era na astronomia.
Saiba Mais
Exoplanetas inabitáveis
Um estudo recente revelou que estrelas anãs vermelhas podem emitir erupções (estelares) com níveis de radiação ultravioleta distante muito mais intensos do que se pensava. A descoberta, feita por astrônomos do Instituto de Astronomia da Universidade do Havaí (IFA), publicada na revista científica Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, tem implicações importantes na habitabilidade de planetas que orbitam esses astros, pois a radiação UV pode afetar significativamente as condições de vida.
"Até agora, acreditava-se que apenas algumas estrelas emitiam radiação UV suficiente para impactar a habitabilidade planetária. Mas nossas descobertas mostram que muito mais estrelas podem ter esse efeito", afirmou Vera Berger, astrônoma do IFA e líder do estudo.
Para a pesquisa, a equipe analisou dados históricos do telescópio espacial Galex, que observou o céu entre 2003 e 2013 em comprimentos de onda UV. Usando novas técnicas computacionais, os cientistas conseguiram detectar flares — eventos explosivos— em cerca de 300 mil estrelas próximas, revelando novos aspectos da radiação estelar.
Impacto
A radiação UV proveniente das erupções estelares pode ter dois efeitos opostos sobre os planetas ao redor. Ela pode prejudicar as atmosferas planetárias, tornando-os inabitáveis, ou, em um cenário mais positivo, ajudar na formação de moléculas fundamentais para a vida, como o RNA.
A pesquisa desafia modelos anteriores sobre a relação entre erupções estelares e a habitabilidade de exoplanetas. A radiação UV distante gerada pelas erupções é, em média, três vezes mais intensa do que se imaginava, podendo chegar a até doze vezes o nível de energia esperado.
Mistério
Embora a causa exata dessa emissão mais forte de UV distante ainda seja uma incógnita, os cientistas acreditam que a radiação dos flares pode ser concentrada em comprimentos de onda específicos, o que indicaria a presença de átomos como carbono e nitrogênio. Jason Hinkle, coautor do estudo e doutorando no IfA, destacou que o estudo muda a forma "como entendemos os ambientes ao redor de estrelas menores que o Sol, que antes pensávamos emitir pouca radiação UV fora das erupções."
Conforme Salvador Nogueira, escritor e divulgador científico, esse é um problema sério, que vem perturbando os astrônomos há muito tempo, pois sabe-se que anãs vermelhas, principalmente quando jovens, são muito ativas e têm muitas explosões estelares. "Muitos acham que esses fenômenos poderiam varrer completamente a atmosfera de planetas na zona habitável do sistema, tornando-os inadequados para a vida. Essa hipótese está sendo testada neste momento pelo Telescópio Espacial James Webb, que está observando exoplanetas nessas condições para tentar determinar se eles têm ou não atmosfera."
Investimento astronômico
Em 2026, a Europa lançará o telescópio Plato (Trânsitos e Oscilações Planetárias de Estrelas), projetado para caçar planetas rochosos semelhantes à Terra fora do nosso Sistema Solar. A missão, que será lançada a bordo do foguete Ariane-6, pretende encontrar exoplanetas em zonas habitáveis ao redor de estrelas semelhantes ao Sol e estudar suas características, como massas, raios e densidade. Além de buscar exoplanetas, o Plato também investigará as estrelas por meio de técnicas, como asterosismologia, para entender melhor suas propriedades. Equipado com 24 câmeras 'Normal' e 2 'Fast', o equipamento tem um amplo campo de visão e uma abordagem integrada para minimizar falsos positivos em suas observações. A missão está prevista para ser lançada em dezembro de 2026, após anos de desenvolvimento e testes.
Ano-luz
Ano-luz é uma medida usada para grandes distâncias no espaço. Ao invés de ser em tempo, como o nome sugere, a unidade representa a distância que a luz percorre em um ano. A luz viaja a uma velocidade de aproximadamente 300 mil quilômetros por segundo. Em um ano, ela percorre cerca de 9,46 trilhões de quilômetros. Quando se diz que uma estrela está a 10 anos-luz de distância, significa que a luz leva 10 anos para viajar até lá, percorrendo uma distância de 94,6 trilhões de quilômetros.