Pesquisadores da Università Cattolica e da Fondazione Policlinico Universitario A. Gemelli, na Itália, estão explorando um novo tratamento para a doença de Alzheimer, que poderá ser aplicado na forma de spray nasal. Eles descobriram que a inibição da enzima cerebral S-aciltransferase (zDHHC), por meio de um medicamento administrado nas vias nasais, tem o potencial de neutralizar o declínio cognitivo e os danos cerebrais característicos da doença. O estudo, feito em modelos animais da doença, foi publicado, ontem, na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
Durante a pesquisa, os cientistas analisaram cérebros post-mortem de pacientes com Alzheimer e identificaram um excesso de Saciltransferase, o que indicou que a substância poderia ser um alvo terapêutico promissor para o desenvolvimento de novos medicamentos. Além disso, observaram que níveis elevados dessa enzima estavam associados a um pior desempenho cognitivo, sugerindo que a sua regulação tem um impacto significativo na progressão da doença.
Segundo os cientistas, o desenvolvimento da doença de Alzheimer está relacionado ao acúmulo de proteínas como a beta-amiloide e a tau, que se juntam no cérebro e danificam as células nervosas. A função dessas substâncias é regulada por modificações químicas, como a S-palmitoilação, que ocorre quando um ácido graxo se liga a uma proteína. Esse processo é mediado pelas enzimas chamadas Saciltransferase (zDHHC).
Salvatore Fusco, cientista e coautor do estudo, explicou que, em estudos anteriores, foi demonstrado que a resistência à insulina no cérebro pode afetar a quantidade de enzimas zDHHC ativas. Esse desequilíbrio é uma das razões pelas quais o Alzheimer é frequentemente descrito como uma forma de diabetes tipo 3, dado o impacto da resistência à insulina nas doenças neurodegenerativas. "A resistência à insulina no cérebro causa um aumento dos níveis da enzima zDHHC7, alterando a S-palmitoilação de proteínas essenciais para as funções cognitivas e favorecendo o acúmulo de beta-amiloide", destacou Fusco.
Nova pesquisa
A nova pesquisa mostrou que o aumento de zDHHC7 e a modificação das proteínas essenciais para a memória e aprendizado contribuem diretamente para a progressão da doença. Segundo os cientistas, essas descobertas são fundamentais para a criação de tratamentos que possam interromper o processo de neurodegeneração logo no início da doença.
Segundo Francesca Natale, autora principal do estudo, os resultados indicam que, em modelos animais da doença de Alzheimer, tanto a inibição farmacológica quanto a modificação genética da proteína S-palmitoilação podem interromper o acúmulo de proteínas prejudiciais nos neurônios e atrasar o início e a progressão do declínio cognitivo. Além disso, o ensaio mostrou uma correlação inversa entre os níveis de S-palmitoilação da proteína BACE1 e as pontuações do Mini Mental State Examination, um teste comum para avaliar a função cognitiva.
Em experimentos realizados com camundongos com Alzheimer, os pesquisadores usaram um spray nasal experimental, chamado 2-bromopalmitato, para bloquear as enzimas zDHHC. Essa intervenção não apenas interrompeu a neurodegeneração, mas também reduziu os sintomas da doença e até estendeu a expectativa de vida dos animais, sucesso que, para os pesquisadores, abre novas possibilidades para tratamentos em humanos.
Tarso Adoni, neurologista e coordenador da residência médica em neurologia do Hospital Sírio-Libanês, destacou que, apesar da proposta ser um spray nasal que possa ser usado em humanos com doença de Alzheimer, "o que faria com que houvesse uma queda da enzima Saciltransferase e um consequente controle da doença, é um modelo ainda experimental, realizado exclusivamente em modelos animais e que ainda carece de mais estudos para que a gente possa se certificar de mque esse modelo teórico tem algum embasamento científico."
Embora o uso do 2-bromopalmitato tenha mostrado resultados promissores, Fusco Salvatore destacou que ainda não existe um medicamento capaz de bloquear seletivamente a enzima zDHHC7 de forma precisa o suficiente para cuidar de humanos. "O medicamento que usamos, 2-bromopalmitato, não é um inibidor específico e pode interferir em vários outros sinais importantes para a saúde do cérebro. Planejamos usar novas moléculas bioativas potencialmente visando zDHHC7 de maneira específica. Também usaremos a via intranasal para administrar essas moléculas para obter resultados que sejam mais facilmente transferíveis para humanos", detalhou Salvatore ao Correio.
Segundo o cientista, a equipe continuará a pesquisa sobre o papel da proteína S-palmitoilação no Alzheimer testando novas abordagens terapêuticas. "Estamos desenvolvendo pequenas sequências de DNA, chamadas ASOs, que podem facilmente entrar em células humanas e interferir na expressão da enzima zDHHC7 ou abordagens biotecnológicas para enganar a enzima e reduzir sua atividade. A estratégia experimental de ASOs já foi usada em ensaios clínicos para outras doenças neurodegenerativas, se nosso novo projeto tiver os resultados esperados, poderá abrir caminho para novos ensaios clínicos voltados para avaliar a eficácia dessas abordagens em humanos", completou.
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