Entrevista

'Municípios não estão preparados para catástrofes climáticas', diz Sidney Klajner

Em entrevista ao Correio, o cirurgião do aparelho digestivo e presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein fala sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde, um assunto que acompanhou em Baku, no Azerbaijão, na COP29

Por muitos anos, a saúde foi um tema pouco discutido nas conferências da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). Porém, além do alerta de cientistas, fenômenos extremos, como ondas de calor, desabamentos, enchentes e secas prolongadas não deixam dúvidas de que, em suas decisões, os negociadores dos países que participam das COPs têm de levar em consideração impactos do aquecimento global, como maior número de mortes por doenças cardiovasculares, ameaça de novos arbovírus e aumento de condições infecciosas, entre outros. 

Para os sistemas de saúde, as mudanças climáticas também são um desafio e há necessidade de adaptação dos serviços hospitalares. Essas questões foram abordadas na agenda da COP29, com divulgação de relatórios pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e por organizações não governamentais, como a Save the Children. O cirurgião do aparelho digestivo Sidney Klajner, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, esteve em Baku para acompanhar as discussões. 

Nas enchentes que afetaram o Brasil no ano passado e em 2024, o Einstein enviou um time de catástrofe, formado por médicos, engenheiros e profissionais de manutenção, que ajudaram a cuidar de doentes a reparar equipamentos hospitalares. Em entrevista ao Correio, ele alerta: “Os municípios brasileiros não estão preparados para catástrofes climáticas”. 

Além de efeitos mais evidentes, como doenças, em quais outros aspectos as mudanças climáticas impactam a saúde? 

As alterações climáticas contribuem não só para a disseminação de doenças, como foi nas enchentes do Rio Grande do Sul. Mas a gente tem que levar em consideração que pessoas com seus tratamentos de doenças crônicas, por conta da interrupção do atendimento de imunidade de saúde, vão ficar sem atendimento. Ficarão sem o seu quimioterápico, no caso de doença oncológica. No controle de uma doença respiratória, as afecções não podem ser acompanhadas. Além disso, os hospitais vão estar sobrecarregados, por exemplo, no que aconteceu nas queimadas aqui no Brasil, onde o fluxo de pacientes com problemas respiratórios aumentaram demais.  A gente precisa garantir que esse atendimento continue ocorrendo, garantir que os atendimentos secundários e terciários continuam correndo e para isso o sistema de saúde tem que ter um plano, inclusive para que as populações sejam avisadas de que tipo de postura ela deve ter. 

Como foi a atuação do Einstein nas enchentes brasileiras de 2023 e 2024?

A experiência do Einstein durante as enchentes foi o auxílio do nosso time de catástrofe, formado por profissionais de saúde e de outras áreas. Eles têm uma capacitação para lidar com situações de catástrofe, além de contar com vários voluntários de equipe multiprofissional e também de médicos. Esse time é cada vez mais treinado, capacitado; tem reunião mensal em que publicam trabalhos. Esse time se dirigiu para Canoas (RS), onde hospitais foram fechados por inundação. O Einstein conseguiu transformar uma unidade básica de saúde num pronto atendimento, levou equipamentos para isso e garantiu que o atendimento de urgência continuasse sendo dado. Ao mesmo tempo, ajudava a recuperar hospitais e unidades que foram fechadas por alagamento, inclusive com profissionais de manutenção, infraestrutura e engenharia. 

O Brasil está preparado para lidar com impactos do clima na saúde? 

Os municípios brasileiros não estão preparados para catástrofes climáticas. Haja visto o que aconteceu no litoral norte ano no passado, e o que aconteceu agora no Rio Grande do Sul. Acho que esse é o chamamento que a gente tem que ter, os sistemas de saúde têm de estar preparados, a infraestrutura preparada, a população fazendo parte, engajada também com essas situações. Também tem a formação do profissional de saúde, que deve ser capacitado, como o nosso time tem feito. Infelizmente, nem o Brasil e nenhum país do mundo parecem preparados. 

O principal tema da COP29 foi o financiamento para mitigação e adaptação. Como levar a questão para a área da saúde? 

Temos de chamar para que o financiamento seja feito da maneira correta, que não seja tão pífio como tem sido. Há uma estimativa que, de todos os investimentos multilaterais que têm sido feitos para alteração climática, apenas 2% são para a preparação dos sistemas de saúde. Quanto mais a gente trouxer essa discussão à tona, maior a sensibilização de quem é responsável pelo investimento. 

Há tempo para o Brasil liderar essa discussão na COP30, que será realizada em Belém?

Temos a esperança de que o Brasil seja um protagonista importante para a resiliência dos sistemas de saúde. Pela experiência tivemos em Nova York, durante a Climate Week, e agora na COP29, há poucas organizações chamando atenção para essa questão. Até a COP30, temos de estar bastante presentes para mudar o cenário, para essa preparação ocorrer de forma mais aberta. 

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