MUDANÇAS CLIMÁTICAS

COP29: líderes debatem financiamento climático de US$ 2,4 trilhões

Finalizando a primeira etapa de negociações, a COP29 trava na discussão sobre financiamento. Um estudo da ONU sugere investimentos de pelo menos US$ 2,4 trilhões anuais para o novo fundo, mas países ricos alegam que não têm dinheiro

Perto de encerrar a primeira semana de trabalhos, a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas de Baku (COP29), em Baku, no Azerbaijão, tornou-se uma batalha matemática. Enquanto os países ricos falam em bilhões, os em desenvolvimento exigem que o novo financiamento — principal pauta do encontro — chegue à casa dos trilhões. O fundo foi previsto pelo Acordo de Paris e se destina à adaptação das nações que contribuíram pouco para as emissões de gases de efeito estufa, mas sofrem as consequências dos extremos climáticos. 

Um estudo divulgado ontem por especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que o fundo deve ser preenchido com US$ 2,4 trilhões por ano até 2030, sendo dois terços do valor dedicado à transição para energia limpa, como solar e eólica, e o restante, para adaptação às mudanças climáticas, remediação de desastres e proteção da natureza. 

Enquanto US$ 1,4 trilhão sairia dos cofres dos próprios países afetados, por meio de mecanismos diversos de financiamento, o relatório destaca que as nações desenvolvidas devem injetar ao menos US$ 1 trilhão anual, seja por investimento público ou privado. Esse valor é, pelo menos, três vezes mais do que previa o fundo criado no Acordo de Paris, com validade até o fim de 2024: US$ 100 bilhões. 

Os países desenvolvidos argumentam, porém, que não têm orçamento para tanto. A provável saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, uma promessa de campanha do presidente eleito Donald Trump, também impactará na capacidade de atingir a meta recomendada pela ONU. 

ONU

Sejam pobres ou ricos, os países devem aumentar o investimento climático até 2030, diz o documento. O valor total para a data foi calculado em US$ 6,5 bilhões anuais. Os maiores aumentos no investimento, segundo os especialistas da ONU, são necessários nos países em desenvolvimento e nas economias emergentes, sem a China. "Essas regiões têm baixos níveis de investimento, importantes necessidades de desenvolvimento e deverão contribuir com mais de 50% para as emissões globais até 2030", especificam.

"Nesse ritmo, não conseguiremos entregar algo significativo até sábado, conforme solicitado inicialmente pela presidência da COP", alerta Fernanda de Carvalho, líder de política climática da WWF. "Enquanto as nações mais ricas se escondem atrás da política, alegando que é muito difícil satisfazer essas necessidades, estão passando a responsabilidade para as nações de rendimentos mais baixos porque quem está arcando com o custo, o custo humano desses impactos extremos neste momento são as pessoas que menos contribuíram para o problema", critica Rachel Cleetus, diretora de política da União de Cientistas Preocupados.

Além da injeção direta de recursos públicos dos países desenvolvidos, circulam na COP29 várias propostas para engordar o novo fundo de financiamento. Uma delas veio do Brasil: taxar fortunas de bilionários. Também está na pauta a tributação sobre criptomoedas e plásticos, cuja produção é uma ameaça à biodiversidade global (leia mais nesta página). 

No cálculo de um grupo de trabalho formado por França, Quênia e Barbados na COP29,  US$ 5,2 bilhões poderiam ser arrecadados com um imposto sobre criptomoedas. Os três países acreditam que centenas de bilhões de dólares poderiam ser gerados por meio de Impostos Globais de Solidariedade sobre os setores mais poluentes para apoiar os países em desenvolvimento. "Amplos setores da economia poluem o planeta, mas contribuem pouco para as finanças públicas, o desenvolvimento e a mitigação da mudança climática", afirma o relatório da equipe. 

Citada pela agência France-Presse, a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, disse que chegou o momento de "considerar as taxas". "Entre transporte marítimo, companhias aéreas e combustíveis fósseis, estamos confortavelmente na faixa de cerca de US$ 350 bilhões por ano, e isso aumentará substancialmente o dinheiro público", defendeu. Outra proposta do grupo de trabalho é a tributação especial sobre combustível para jatos particulares, viajantes frequentes, lucros inesperados de combustíveis fósseis, transporte, ações, títulos e derivativos.

 

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Metas do Reino Unido são celebradas

Cientistas e especialistas comemoraram o nível de ambição dos compromissos determinados nacionalmente (NDCs) do Reino Unido, anunciados pelo primeiro-ministro, Keir Starmer. Para reduzir, até 2035, o nível de emissões em 81%, com base em 1990, um dos compromissos assumidos é a proibição de novas minas de carvão. 

"Essa NDC é exatamente o que o mundo precisa neste momento, para ajudar a mobilizar a ação climática", avalia Caterina Brandmayr, diretora de política do Instituto Grantham, no Imperial College de Londres. "Com a expectativa de que 2024 seja o mais quente já registrado e com desastres climáticos como as inundações espanholas e outras condições meteorológicas extremas que atingem todas as partes do mundo com apenas 1,3°C de aquecimento, a realidade das alterações climáticas não poderia ser mais dura."

Sinal

Segundo Brandmayr, o Reino Unido enviou um "sinal forte" à comunidade internacional a apresentar metas mais ambiciosas. Ela ressalta, porém, que o governo deverá esmiuçar as medidas para a transição dos combustíveis fósseis para energia limpa. "A desativação da última central elétrica a carvão do Reino Unido foi um marco notável, mas o governo precisa agora de definir medidas claras para abandonar rapidamente a produção e o consumo de todos os combustíveis fósseis e apoiar uma transição justa para os trabalhadores e as comunidades."

Mark Maslin, professor de climatologia da Universidade College London, no Reino Unido, acredita que os anúncios de Keir Starmer se contrapõem à notícia da segunda presidência de Donald Trump que, segundo ele, ofuscou o início da COP29. "Os anúncios de Starmer são oportunos e mostram que o Reino Unido está de volta à liderança mundial na ação climática", diz. (PO)

Debandada argentina

O presidente argentino, Javier Milei, cético em relação ao aquecimento global, retirou a delegação do seu país da COP29, como parte da estratégia promovida pelo novo ministro das Relações Exteriores, Gerardo Werthein. A saída abrupta da delegação técnica argentina "permite ao novo chanceler reavaliar a situação, refletir sobre a posição e, neste caso, faz parte das medidas que o chanceler começa a tomar em sua nova função", disse ontem o porta-voz presidencial, Manuel Adorni.