Ainda sob o impacto do fracasso da Conferência da Biodiversidade, suspensa na semana passada pela falta de acordo entre as partes, delegados de 197 países e da União Europeia chegam a Baku, no Azerbaijão, com a difícil missão de salvar as metas do Acordo de Paris. No ano mais quente já registrado pela ciência, essa está sendo chamada de "COP do financiamento", porque há urgência de se redefinir como os países industrializados levantarão fundos que garantam, às nações em desenvolvimento, a adoção de medidas drásticas para enfrentar o aquecimento do planeta.
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Nos últimos meses, agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e de institutos meteorológicos têm estrategicamente divulgado estudos que colocam a Terra no caminho do apocalipse, segundo as palavras do secretário-geral da organização, António Guterres. Sem aumentar a ambição das contribuições de cada país signatário, os termômetros registrarão entre 2,6°C e 3,1°C a mais até 2100, comparado ao século 19. Os relatórios científicos atestam que uma elevação tão significativa provocará um colapso dos sistemas terrestres. Porém, sem dinheiro, não é possível falar em mais comprometimento.
Fundo
Em 2015, no histórico Acordo de Paris, os signatários do documento concordaram que as nações industrializadas, principais responsáveis pelo lançamento expressivo de gases de efeito estufa, dedicariam US$ 100 bilhões anuais a um fundo compensatório. O dinheiro ajudaria os países pobres e em desenvolvimento a mitigar os danos já causados pelo CO2 na atmosfera, além de se adaptarem a tragédias climáticas inevitáveis, como enchentes, secas e aumento do nível do mar. Esse valor nunca foi atingido, e o tema é o que mais tranca a pauta das negociações.
O mesmo acordo previu que, em 2024, seria adotado o Objetivo Coletivo Quantificado para o Financiamento Climático (NCQG), para substituir os US$ 100 bilhões anuais. O instrumento visa canalizar para os países em desenvolvimento fundos para ações climáticas, assim como incentivar soluções de baixo carbono e tecnologias mais sustentáveis em setores como energético, transportes e agricultura.
Para os países apresentarem seus novos planos climáticos nacionais, em fevereiro, é preciso que o NCQG seja adotado ainda em Baku, pois as ações dependerão de quanto dinheiro estará disponível em caixa. Para se ter ideia do tamanho do que está sendo negociado, um levantamento do Grupo Independente de Peritos de Alto Nível sobre Financiamento Climático (IHLEG) estima que os países em desenvolvimento precisam de US$ 2,4 bilhões por ano até 2030 para cumprir suas metas — isso é quatro vezes o valor investido atualmente. A avaliação de especialistas e organizações que monitoram as tomadas de decisões globais é que o ritmo das negociações está lento demais para que a COP29 se encerre com a questão dos NCQGs resolvida.
Fósseis
Se os investimentos em mitigação e adaptação são cruciais para manter as metas de 2015, salvar o Acordo de Paris significa, principalmente, substituir os combustíveis fósseis por fontes limpas. Embora a capacidade energética sustentável esteja aumentando globalmente, as COPs não foram suficientemente ambiciosas em suas pautas, avalia Ana Missirliu, da organização NewClimate Institute. "O Azerbaijão não inclui uma transição dos combustíveis fósseis na sua contribuição nacional ou na agenda da COP29. Esse não é o tipo de liderança de que necessitamos em um momento crucial da ação climática", avalia.
Bill Hare, da Climate Analytics, acredita que a União Europeia continuará insistindo no gás natural, outro importante contribuinte do efeito estufa. "Embora o Azerbaijão tenha um enorme recurso renovável, que poderia ser utilizado para criar hidrogênio verde para exportar, a fome da Europa por gás fóssil parece estar comandando o espectáculo", diz.
Somada à falta de um texto mais assertivo sobre a substituição energética está a preocupação com a eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos, o maior emissor de gases de efeito estufa. O político já deixou claro que fará o mesmo que em 2017, quando assumiu o primeiro mandato: sairá do Acordo de Paris. Embora haja um entendimento de que o magnata não conseguirá rasgar um documento forjado por 197 países e pela União Europeia, é preocupante que um dos slogans de sua campanha tenha se referido à intenção de aumentar a exploração de petróleo.
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"A eleição de um negacionista do clima para a Presidência dos Estados Unidos é extremamente perigosa para o mundo", avalia Bill Hare, cientista climático e diretor da Climate Analytics. "Nós já estamos assistindo a danos extremos, perda de vidas em todo o planeta devido ao aquecimento de 1,3ºC induzido pelo homem", diz. Segundo o Instituto Copérnico, da União Europeia, 2024 ultrapassará 1,5ºC. "O presidente Trump não está acima das leis da física e o país que ele lidera também não", avalia.
Para Hare, ex-autor do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, porém, Trump não é maior que o Acordo de Paris. "Já passamos por isso antes, e a retirada dos EUA não colapsou o acordo."
O que está em jogo
Financiamento climático: é essencial o aumento significativo do total do financiamento, assim como a determinação de um calendário de depósitos e termos da prestação. No Acordo de Paris, foi previsto um novo mecanismo para 2024, o Objetivo Coletivo Quantificado para o Financiamento Climático (NCQG). Não está claro como será adotado.
Novas NDCs: em Paris, os países se comprometeram a apresentar contribuições nacionais para o enfrentamento das mudanças climáticas a cada cinco anos. As próximas NDCs devem ser divulgadas na COP30, de Belém. Por isso, a COP de Baku é a última oportunidade de se discutir as expectativas para as novas contribuições.
Na prática: na COP28, houve avanços nos compromissos que visam abandonar os combustíveis fósseis, triplicar energias renováveis e acelerar os transportes com baixo teor de carbono, entre outros. Agora, devem apresentar os progressos.
Perdas e danos: discutido há décadas, o Fundo de Perdas e Danos foi finalmente aprovado no ano passado, para ajudar os países vulneráveis a lidar com os impactos já causados pelo clima e se adaptar no que for possível. Será cobrado um aumento nos compromissos financeiros.
Saúde: A COP28 colocou a saúde na agenda principal da Conferência. A Presidência da COP29 deverá lançar a Iniciativa de Baku sobre Desenvolvimento Humano para Resiliência Climática, com 14 ações, em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Três perguntas para...
Daniel Guedes/Divulgação - Karen Oliveira, diretora de políticas públicas e relações governamentais da TNC Brasil
O que precisa ser resolvido efetivamente na COP29?
Apesar de parecer uma COP de transição, na verdade é uma Conferência bastante importante pela questão do financiamento. No Acordo de Paris, foi assumido o compromisso de os países desenvolvidos doarem em torno de US$ 100 bilhões ao ano. A verdade é que já está se completando praticamente 10 anos e esse valor nunca foi atingido. Com isso, um dos pontos que foi acordado na reunião preparatória da COP29, em Bonn, na Alemanha, foi justamente um processo de revisão, no qual espera-se estabelecer uma nova meta que está sendo chamada de Objetivo Coletivo Quantificado para o Financiamento Climático (NCQG), que define uma série de outros pontos que são derivados a partir daí. Os países têm até fevereiro para apresentar suas contribuições para a redução das emissões de efeito estufa. É muito comum se falar de metas mais ambiciosas, mas o nível de ambição está diretamente relacionado aos recursos financeiros disponíveis para a implementação das medidas. Então, se não houver um acordo em relação ao novo financiamento, dificilmente conseguiremos dos países metas mais ambiciosas.
A COP da biodiversidade foi suspensa justamente pela falta de acordo sobre financiamento. Corre-se o risco de isso se repetir agora?
Essa fonte de recursos vem de fundos públicos por doação e está cada vez mais comprometida. E em um cenário no qual você observa claramente uma crise no multilateralismo, que não vem funcionando bem. A gente observa que cada vez mais as decisões estão sendo tomadas em relações bilaterais. O próprio presidente Lula ressaltou, na Assembleia Geral da ONU, a importância de uma revisão do programa multilateral global. Em um momento em que os conflitos armados consomem a maior parte dos recursos, soma-se o próprio momento de emergência climática que a gente vem atravessando. Cada vez mais, os países estão precisando investir na recuperação de danos como os que aconteceram no Rio Grande do Sul, nos Estados Unidos, na Europa e até nas áreas desérticas da África. Por isso, são necessários mecanismos financeiros inovadores diferenciados, além da participação do setor privado, para ver se, somando tudo, consegue-se chegar a essa nova meta.
Qual o papel do Brasil nas COPs, a partir de agora?
O Brasil pretende levar para a COP29 uma plataforma que vem sendo discutida para investimento climático, no sentido de dar maior visibilidade e atrair parcerias. Essa é uma iniciativa importante. A segunda iniciativa, anunciada na COP passada e que está ganhando cada vez mais a adesão de outros países, é o apoio a um mecanismo financeiro chamado "Triple F", o The Tropical Forest Forever Facility. Ele consiste no pagamento pela floresta conservada, principalmente na conversão de títulos da dívida externa, somados a outros recursos de origem privada. No próximo ano, COP30 será uma oportunidade única do Sul Global colocar realmente a voz em evidência e mostrar que temos problemas, mas também soluções e que, trabalhando, todo mundo junto, é possível fazer a diferença, e o Brasil tem tudo para ser o grande protagonista.
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