MUDANÇAS CLIMÁTICAS

COP16 fracassa e chega ao fim sem grandes avanços

Conferência da Biodiversidade, em Cali, na Colômbia, está prestes a ser encerrada sem grandes avanços. O fundo de financiamento para países em desenvolvimento é um dos temas que travam a declaração final

Dois anos depois dos avanços em Montreal, no Canadá, a Conferência das Partes da Biodiversidade (COP16), em Cali, corre o risco de encerrar, hoje, como um grande fracasso. Duas semanas de discussão na cidade colombiana foram insuficientes para fechar as lacunas do texto anterior, um acordo histórico visando reverter a perda dos recursos naturais, com a proteção de 30% do planeta e 30% dos ecossistemas degradados até 2030. Até ontem, apenas uma decisão de grande porte foi tomada: a identificação de zonas ecológicas em águas marinhas internacionais, para fins de conservação. 

Realizada em um dos países mais ricos em biodiversidade, a Colômbia, a COP16 começou em 21 de outubro já com uma estatística desanimadora. Dos 198 Estados-membros das Nações Unidas que assinaram, há dois anos, o Marco Global Kunming-Montreal da Diversidade Biológica, somente 35 fizeram o dever de casa. Todos deveriam entregar a Estratégia e Plano Anual para a Biodiversidade (NBSAP), especificando suas estratégias para cumprir as 23 metas do documento de Montreal, o equivalente ao Acordo de Paris, do clima. 

O Brasil foi um dos países que ficaram devendo, embora tenha prometido chegar com um "documento robusto". O país justificou as mãos abanando porque, segundo o Ministério das Relações Exteriores, pretende entregar uma nova NBSAP, e não apenas uma atualização do texto elaborado no governo anterior. Também apontou o desmonte das estruturas associadas ao meio ambiente durante a gestão Bolsonaro. 

Monitoramento 

O relatório Planeta Protegido, do Centro Mundial de Monitoramento da Conservação (Pnuma-WCMC), publicou o primeiro relatório sobre a meta três do Marco Global — conservar 30% das áreas terrestres, águas de interiores e zonas costeiras e marinhas até 2023. "Estamos longe disso, com preservação de apenas 17,6% das áreas terrestres protegidas e 8,4% dos oceanos protegidos, sendo que tais áreas não representam proteção integral, pois incluem zonas de exploração econômica sustentável", constata o geólogo Marco Moraes, autor do livro Planeta Hostil. "Não há cobertura suficiente para abrigar toda a diversidade biológica existente nos ecossistemas naturais e a continuidade dos corredores de migração de fauna e flora."

"A meta '30 por 30' é ambiciosa, mas ainda será alcançável se a comunidade internacional trabalhar em conjunto além das fronteiras, da demografia e dos setores", disse Grethel Aguilar, diretora da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). "Faltando  apenas seis anos para 2030, a janela está se fechando para conservarmos de forma equitativa e significativa 30% da Terra."

Tema sensível também nas COPs do clima, as negociações sobre financiamento permanecem em aberto no último dia da Conferência da Biodiversidade. O Marco Global de Biodiversidade estabeleceu um fundo de US$ 200 bilhões (R$ 1,15 trilhão) até 2030 para conservação dos recursos naturais. O valor deve incluir US$ 20 bilhões (R$ 115 bilhões) anuais dos países ricos para as nações pobres. 

Doações

Em Cali, foram apresentadas poucas doações ao fundo. Um grupo de países desenvolvidos, incluindo Alemanha, Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido, prometeu cerca de US$ 160 milhões (R$ 925 milhões), aumentando o valor total para US$ 407 milhões (R$ 2,3 bilhões), muito pouco perto do que as nações ricas prometeram para 2025: US$ 20 bilhões (R$ 115,6 bilhões). 

"Até agora, desde a COP15, não vimos um aumento significativo do financiamento", disse o ministro nigeriano do Meio Ambiente, Iziaq Kunle Salako, citado pela agência France Presse. Ele apelou ao grupo dos países desenvolvidos que "aumentem de maneira urgente seus compromissos financeiros internacionais, garantindo que o compromisso de US$ 20 bilhões seja cumprido a tempo".

Na semana passada, o principal negociador brasileiro, André Corrêa do Lago, defendeu que "o financiamento para a biodiversidade deve fluir para onde a biodiversidade está. A voz dos países que enfrentam um fardo maior deveria ter mais peso do que tem atualmente." O secretário-geral da ONU, António Guterres, chegou a dizer que estava otimista. Porém, o porta-voz do Secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU, deixou clara sua opinião: "É óbvio que as discussões aqui não vão trazer uma conclusão", disse David Ainsworth à imprensa. 

 

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Pontos-chave

Avanços e estratégias dos países: revisão das metas propostas para cumprir o quadro global de biodiversidade, acordado há dois anos, bem como os planos e estratégias nacionais. Apenas 35 países apresentaram. 

US$ 700 bilhões: ter um modelo de financiamento para a implementação do Quadro Global de Biodiversidade. Isso implica definir as fontes de recursos, como será executado o orçamento, quem fará a gestão e quais serão os mecanismos de acesso a esse financiamento, dentre outras questões. O tema está parado nas mesas de negociações. 

Monitoramento do progresso: definir como será medido o progresso das nações no cumprimento do plano. Até ontem, o diretor regional do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente na América Latina e Caribe, Juan Bello, definiu a tarefa como "algo bastante complexo".

Benefícios dos recursos genéticos: os líderes mundiais discutem compromissos sobre a utilização sustentável dos recursos naturais e a garantia de que os benefícios derivados dos recursos genéticos sejam distribuídos de forma justa e equitativa. A indústria farmacêutica trancou a negociação. 

Povos indígenas e afrodescendentes: discussão de um acordo sobre um plano de trabalho para a implementação do artigo J8 da Convenção sobre Diversidade Biológica, um tratado internacional das Nações Unidas adotado em 1992, que reconhece a importância do conhecimento tradicional dos povos indígenas. As discussões estão avançadas. 

Circulação no Pacífico em aceleração

Um estudo publicado no Journal of Geophysical Research: Oceans revelou uma aceleração significativa na circulação da parte superior do Oceano do Pacífico equatorial nos últimos 30 anos. O fenômeno é impulsionado principalmente pela intensificação dos ventos atmosféricos, levando ao aumento das correntes oceânicas que são mais fortes e mais rasas, com potenciais impactos nos padrões climáticos regionais e globais. Isso inclui a frequência e intensidade dos eventos El Niño e La Niña. 

A equipe de pesquisa, liderada por Franz Philip Tuchen, do Instituto Cooperativo de Estudos Marinhos e Atmosféricos (Cimas) da Universidade de Miami, sintetizou três décadas de observações oceânicas e atmosféricas de longo prazo a partir de satélites, boias de amarração e instrumentos instalados na superfície oceânica. Os resultados indicam que ventos mais fortes no Pacífico equatorial causaram uma aceleração significativa das correntes próximas da superfície para oeste em aproximadamente 20% da porção equatorial central do oceano. 

Furacões 

As correntes em direção ao polo norte e sul do Equador também aceleraram, com aumentos de 60% e 20%, respectivamente. "A termoclina equatorial — uma camada oceânica crítica para a dinâmica do El Niño — Oscilação Sul (Enso) - aumentou significativamente", disse Tuchen. "Essa tendência crescente poderia favorecer eventos El Niño mais frequentes no Pacífico central, alterando potencialmente os padrões climáticos regionais e globais associados ao Enso."

Para os pesquisadores, o estudo oferece uma referência para modelos climáticos, que tiveram sucesso limitado na representação precisa da circulação do Pacífico e das tendências da temperatura da superfície do mar. Eles sugerem que as descobertas podem ajudar a melhorar a previsibilidade dos eventos Enso e dos padrões climáticos relacionados, especialmente para regiões, como os Estados Unidos, que sofrem uma variabilidade climática significativa devido às mudanças provocadas pela dinâmica El Niño-Oscilação Sul. (PO)