Enquanto negociadores tentam salvar a Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Baku (COP29), que entra na reta final sem avanços significativos sobre financiamento, a organização da sociedade civil Carbon Brief lançou um relatório associando o aquecimento causado por ações humanas e condições climáticas extremas. Os pesquisadores fizeram uma revisão de 600 estudos sobre 750 eventos como enchentes, secas e furacões, e constataram que ao menos 550 foram significativamente mais severos devido ao aumento da temperatura.
Publicado pela primeira vez em 2017, o mapeamento chega à sexta edição, incluindo todos os eventos climáticos extremos estudados há quatro décadas — os autores lembram, porém, que boa parte dos fenômenos ocorridos ao longo do período não foram documentados seguindo o método científico. Daqueles pesquisados e divulgados em artigos, 10 ocorreram no Brasil, sendo seis atribuídos ao aquecimento global (veja quadro).
"À medida que o planeta se aquece, eventos climáticos extremos, desde inundações até incêndios, estão se tornando mais frequentes e intensos", explica o editor científico sênior do CarbonBrief, Robert McSweeney. "Nas últimas duas décadas, o campo de vanguarda da chamada 'atribuição de condições climáticas extremas' tem procurado estabelecer o papel que o aquecimento causado pelo homem desempenhou nesses eventos.
Intensidade
Os estudos de atribuição calculam se, e em que medida, as alterações climáticas afetaram a intensidade, a frequência ou o impacto dos extremos — desde os incêndios florestais nos Estados Unidos e a seca na África do Sul até às chuvas recordes no Paquistão e aos tufões em Taiwan. Dos 744 fenômenos analisados, 74% tornaram-se mais prováveis ou graves devido às alterações climáticas.
Cerca de 9% dos eventos e tendências mapeadas tornaram-se menos prováveis ou graves devido às alterações climáticas. Nos restantes 17% dos casos, os estudos não encontraram influência humana (10%) ou foram inconclusivos (7%).
Na Europa, onde vivem mais de 740 milhões de pessoas, artigos relatam 166 eventos extremos desde 2004, sendo 121 deles mais severos devido ao aquecimento provocado por ações humanas. Desses, 69 foram ondas extremas de calor. O primeiro caso estudado no continente foi o verão de 2003, quando incêndios e recordes de temperatura foram registrados em todos os países. Somente na França, entre julho e agosto quase 15 mil pessoas morreram; em Portugal, 10% das florestas foram consumidas pelo fogo.
Eventos do tipo vão ocorrer com maior frequência e intensidade nos próximos anos, caso a temperatura continue subindo devido à emissão de gases de efeito estufa, alertam cientistas. No Acordo de Paris, de 2015, os signatários concordaram em limitar o aumento a 1,5ºC, com base nos níveis pré-industriais.
Projeções
Porém, estudos de universidades e agências da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que, desde então, o acúmulo de CO2 se intensificou, em vez de diminuir. As projeções indicam que, nesse ritmo, em 2100 os termômetros podem registrar até 3°C a mais do que no século 19, o que desencadearia uma série de catástrofes ambientais.
Uma das missões da COP29 é justamente tentar salvar a meta de Paris — embora a marca de 1,5ºC tá seja praticamente impossível, há expectativas de se limitar o aumento de temperatura a 2°C. Para isso, no próximo ano, os países devem apresentar suas políticas internas, as chamadas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs). O nível de ambição das NDCs depende do financiamento da crise climática, principal pauta da conferência de Baku.
Bronca
O ritmo lento das negociações na semana decisiva da COP29 irrita lideranças, enquanto a capital do Azerbaijão também olha para o Rio de Janeiro, que sedia a cúpula do G20. "Vamos parar de fazer teatro e ir direto ao assunto", afirmou o secretário-executivo do organismo da ONU para o clima, Simon Stiell, na retomada das negociações. Na semana passada, chefes de Estados discursaram sobre a emergência climática, mas o principal texto do encontro, sobre financiamento, permanece repleto de colchetes — os espaços em branco representam pontos onde há discordâncias entre os negociadores.
"A reunião chegou a um momento crítico: estamos na metade da COP29 e as verdadeiras dificuldades começam", alertou o presidente da conferência, Mukhtar Babayev. Segundo o cronograma oficial, sexta-feira é o último dia do encontro, mas, como costuma acontecer nas COPs, provavelmente os negociadores vão varar a madrugada de sábado tentando preencher todos os espaços vazios da declaração final.
Medo de repetir o fiasco da COP16
Há temor entre os participantes da COP29 em Baiku, no Ajerbaijão, se repetir o fiasco da conferência da biodiversidade, a COP16, encerrada no início de novembro, em Cali, na Colômbia. O evento foi suspenso sem uma declaração final, e o tema que emperrou as negociações foi, justamente, o financiamento. Na COP29, está em jogo a criação de um novo fundo que destinará recursos para adaptação às mudanças climáticas, como a transição energética. Todos os países serão beneficiados, mas a maioria do investimento será voltada às nações em desenvolvimento, que, à exceção da China, contribuem pouco para as emissões de gases de efeito estufa, mas são extremamente vulneráveis aos efeitos do aquecimento global.
Está nas mãos dos negociadores definir como o financiamento de US$ 1 trilhão anuais (R$ 5,79 trilhões) até 2030 será utilizado. Esses foi o valor estipulado por especialistas como o economista Nicholas Stern, a pedido da ONU, para permitir que os países alcancem metas de sustentabilidade, substituindo principalmente os combustíveis fósseis, cuja queima é a principal causa do acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera. "É fácil ficar um pouco anestesiado com todos esses números, em particular nesta COP financeira", reconheceu Simon Stiell, chefe climático da ONU. "Mas nunca nos esqueçamos: esses números são a diferença entre a segurança e as catástrofes que destroem as vidas de bilhões de pessoas."
China
A União Europeia, maior contribuinte global, não concorda que todo o dinheiro saia dos cofres dos países desenvolvidos. "Continuaremos liderando, cumprindo com o que nos corresponde, e inclusive mais", declarou o delegado do bloco, Wopke Hoekstra. "Mas a riqueza cria uma responsabilidade e outros têm a responsabilidade de contribuir, de acordo com suas emissões e seu crescimento econômico." A China é o emergente mais visado nas negociações — pelo Acordo de Paris, suas colaborações devem ser voluntárias. Porém, o país asiático já é o principal emissor mundial, ultrapassando os Estados Unidos.
O imbróglio preocupa observadores da sociedade civil que acompanham o evento. "Na COP29 e em 2025, precisamos de muito mais do que promessas, precisamos de planos credíveis e responsáveis incorporados na legislação nacional apropriada para garantir que cada NDC seja um verdadeiro compromisso de ação, e não um gesto simbólico", afirmou ontem Manuel Pulgar Vidal, líder do Clima e Energia do WWF, que presidiu a COP20, em Lima, no Peru. (PO)
Desastres à brasileira
O mapeamento cita mais de 10 estudos de atribuição com foco em eventos no Brasil. Seis descobriram que as alterações climáticas aumentaram a gravidade ou a probabilidade do fenômeno.
- Seca na Amazônia, 2010
- Impactos da chuva extrema em Minas Gerais, 2020
- Inundações e deslizamentos de terra no nordeste do Brasil, 2022
- Inundações em todo o país, 2022
- Chuva extrema no Rio Grande do Sul, 2024
- Incêndio no Pantanal, 2024
Fonte: CarbonBrief