Mudanças Climáticas

Terra deve chegar ao fim do século 3,1ºC mais quente

O aumento de temperatura esperado para o fim do século será de 3,1°C caso as contribuições nacionais para reduzir emissões de CO2 não atinjam níveis mais ambiciosos

A tragédia provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul é um dos efeitos das mudanças climáticas e seus impactos no cotidiano  -  (crédito: Marinha do Brasil )
A tragédia provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul é um dos efeitos das mudanças climáticas e seus impactos no cotidiano  - (crédito: Marinha do Brasil )

O planeta se aproxima de chegar ao fim do século 3,1°C mais quente do que na era pré-industrial, alcançando temperaturas incompatíveis com a vida. O alerta é do relatório Lacuna das Emissões do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), lançado ontem em Cali, na Colômbia, durante a Conferência das Partes da Convenção sobre Biodiversidade (COP15). A pouco mais de um mês da COP29, do clima, sediada no Azerbaijão, o documento destaca que, tecnicamente, ainda é possível atingir a meta de  1,5°C. Mas, para isso, é preciso uma mobilização massiva, que leve ao corte de 42% das emissões globais até 2030 e 57% até 2035.

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Com as políticas atuais de contenção dos gases de efeito estufa, o mundo alcançará um aumento considerado catastrófico na temperatura. Mesmo que os compromissos já assumidos nas COPs anteriores fossem cumpridos — e não estão —, o planeta chegaria a 2100 entre 2,6°C-2,8°C mais quente do que o século 19. 

No próximo ano, na COP de Belém, no Brasil, haverá uma nova rodada das chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) - compromissos que cada país signatário do Acordo de Paris apresenta na conferência, para ajudar a reduzir as emissões. A ONU adverte que essas metas terão de ser mais ambiciosas do que nunca. "O relatório de hoje (ontem) sobre a Lacuna de Emissões é claro: estamos brincando com fogo; não podemos mais ganhar tempo", ressaltou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, em uma mensagem em vídeo. "Estamos sem tempo. Fechar a lacuna de emissões significa fechar a lacuna de ambição, a lacuna de implementação e a lacuna financeira. Começando na COP29."

As projeções científicas apresentadas no relatório, de um mundo 2,6 °C mais quente, baseiam-se no cenário de implementação total das NDCs e têm uma probabilidade de 66% de acontecerem. O problema é que nem essas promessas estão sendo cumpridas; nenhum país está no caminho de alcançar as contribuições apresentadas em 2022, a atualização mais recente. Se todas fossem batidas, ainda seria necessário acrescentar contribuições de zero líquido para limitar o aquecimento a 1,9 °C. O relatório, porém, ressalta que há pouca confiança, hoje, nas estratégias que têm como objetivo contrabalancear as emissões com a captura de carbono. 

"A lacuna de emissões não é uma noção abstrata", reforçou Guterres. "Há uma ligação direta entre o aumento das emissões e desastres climáticos cada vez mais frequentes e intensos. Em todo o mundo, as pessoas estão pagando um preço terrível. Emissões recordes significam temperaturas recordes do mar sobrecarregando furacões monstruosos; calor recorde está transformando florestas em caixas de pólvora e cidades em saunas; chuvas recordes estão resultando em inundações bíblicas."

Alexandre Prado, líder em Mudanças Climáticas do WWF-Brasil, destaca tragédias climáticas brasileiras recentes. "A tragédia no Sul, a maior seca da história e as queimadas na Amazônia e no Pantanal nos mostraram que da forma como está, já era", avalia. Prado lembra que a origem das mudanças climáticas são os combustíveis fósseis, cuja queima resulta na formação dos gases de efeito estufa. "Sabemos o que fazer, sabemos como fazer e sabemos das dificuldades e desafios, mas temos que ter lideranças para enfrentá-los."

Para limitar o aumento da temperatura, o relatório da ONU destaca que as emissões devem cair 28% até 2030 e 37% dos níveis de 2019 até 2035. "Precisamos de mobilização global em uma escala e ritmo nunca vistos antes — começando agora mesmo. Peço a todas as nações: chega de conversa fiada", discursou Inger Andersen, diretora-executiva do Pnuma. A COP29 é considerada uma conferência intermediária, pois as novas NDCs serão assumidas na 30ª edição. Andersen afirmou que o encontro em Baku, no Azerbaijão, é a oportunidade para elevar, agora, o nível de ambição para "entrar em um caminho de 1,5°C".

O relatório destaca que, em vez de redução nas emissões, desde 2019, o que se vê é um aumento na liberação de gases de efeito estufa, chegando ao recorde de 57,1 gigatoneladas no ano passado. O atraso no cumprimento das metas significa que, até 2035, será preciso cortar, anualmente, 7,5% do CO2. 

Embora muito pouco provável, o cenário do Acordo de Paris, de 1,5°C acima dos índices pré-industriais, é tecnicamente possível. Para isso, os países devem cortar até 31 gigatoneladas de CO2 equivalente em 2030  -  ou 52% do que foi emitido em 2023, e 41 gigatoneladas até 2035. O custo previsto desses cortes é estimado em menos de US$ 200 por tonelada de carbono. 

Segundo o relatório, o aumento da implantação de tecnologias solares fotovoltaicas e energia eólica poderia fornecer 27% do potencial total de redução em 2030 e 38% em 2035. A ação sobre florestas pode contribuir com 20% nos dois anos. Outras opções promissoras incluem medidas de eficiência, eletrificação e troca de combustível nos setores de edifícios, transporte e indústria.

"Apesar de estar em situação mais favorável, segundo a análise apresentada, o Brasil pode não conseguir alcançar suas metas climáticas nas NDCs, se não mudar as políticas atuais, o mesmo acontecendo com países como Estados Unidos e União Europeia", reforça Juliano Bueno de Araújo, doutor em Riscos e Emergências Ambientais e diretor técnico do Instituto Internacional Arayara. "As ações implementadas são consideradas insuficientes e a transição para uma economia sustentável está lenta. Sem uma revisão e intensificação das estratégias, esses países comprometem seu futuro ambiental e sua posição no combate às mudanças climáticas."

Colaborou Isabella Almeida 

 

Para chegar a 1,5 °C --QUADRO

· O relatório mostra que a lacuna de emissões para 2030 e 2035 poderia ser superada a

um custo abaixo de US$ 200 por tonelada de CO2 equivalente.

· O potencial para cortes em 2030 é de 31 gigatoneladas de CO2 equivalente de e 41

gigatoneladas em 2035.

· O aumento da implantação de tecnologias solares fotovoltaicas e energia eólica poderia

fornecer 27% desse potencial total de redução de emissões em 2030 e 38% em 2035.

· A ação sobre florestas poderia fornecer cerca de 20% por cento do potencial em ambos os anos.

Fonte: relatório Lacuna de Emissões, do Pnuma

Perdas irreversíveis na vida selvagem 

As mudanças climáticas e de uso do solo reduziram em 69% a fauna selvagem nas últimas cinco décadas. Além disso, ameaçam a perda irreversível de ecossistemas marinhos em 2030 e florestais até a metade do século, alerta uma compilação de estudos apresentada ontem em Cali, na Colômbia, durante a Conferência das Partes da Convenção sobre Biodiversidade (COP15).

A publicação destaca evidências científicas sobre a associação entre clima e biodiversidade. "É relação profundamente entrelaçada. Os efeitos da mudança climática nos sistemas naturais são complexos e estão interligados", destaca Joanne Bentley, pesquisadora da ONG Zero Carbon Analytics e autora do informe.

"A mudança climática está levando as espécies a deslocar suas áreas de distribuição geográfica em busca de habitats mais adequados em resposta à mudança de temperaturas, à alteração dos padrões de precipitação e aos transtornos de seus ecossistemas", exemplifica a cientista. 

Um dos casos mais marcantes de mortalidade em massa induzida por mudanças climáticas, diz Bentley, são os recifes de águas quentes, que estão sendo dizimados por por ondas de calor marinhas causadas pelo homem. Entre 2009 e 2018, cerca de 14% dos corais mundiais foram perdidos, em grande parte devido ao branqueamento, um fenômeno causado pela alta temperatura da água. 

A publicação também destaca o declínio da polinização, um impacto que pode levar à insegurança alimentar. As mudanças climáticas estão interrompendo as relações entre insetos polinizadores e as plantas. "Isso cria uma incompatibilidade que pode reduzir a eficiência da polinização, com impactos na segurança alimentar e nos preços", diz o documento. (PO)

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postado em 25/10/2024 06:00
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