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Covid-19 oferece risco para a saúde cardiovascular, aponta estudo

Segundo dia da série do Correio mostra como as múltiplas sequelas da infecção afetam o sistema circulatório e aumentam a incidência de doenças cardiovasculares, especialmente em pessoas não vacinadas

DF atingiu a marca de 12 mil mortes pela covid-19 desde o início da pandemia -  (crédito: Reprodução/Unsplash/Fusion Medical Animation)
DF atingiu a marca de 12 mil mortes pela covid-19 desde o início da pandemia - (crédito: Reprodução/Unsplash/Fusion Medical Animation)

Logo no início da pandemia de covid-19, em 2020, quando ainda pouco se sabia sobre a doença que matou 20 milhões de pessoas, uma coisa parecia certa: os danos do coronavírus extrapolavam os pulmões, afetando, significativamente, a saúde cardiovascular. Passados quase cinco anos, não existem mais dúvidas de que, entre as múltiplas sequelas da infecção, está um aumento na prevalência de doenças que afetam o sistema circulatório, especialmente em pacientes que tiveram quadros mais graves.

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Publicada neste mês, uma pesquisa da Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, com dados de pessoas que tiveram covid-19 antes da disponibilidade das vacinas, demonstrou que o risco de infarto, acidente vascular cerebral (AVC) e morte é duas vezes maior, até três anos depois da infecção. A associação foi mais forte em pacientes hospitalizados, mas mesmo aqueles com a doença moderada, a probabilidade de ataque cardíaco e derrame a longo prazo foi elevada, em relação a quem não foi afetado pelo coronavírus. 

Os autores concluíram que o histórico da infecção pelo vírus Sars-CoV-2 tem um impacto no coração e no cérebro semelhante ao de diabetes. "Essa é uma informação nova, que muda o conceito", informa o membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Protásio Lemos da Luz, pesquisador sênior do Instituto do Coração da Universidade de São Paulo (InCorUSP). "Até agora, a gente pensava que a covid leve ou moderada era um episódio mais restrito. Esse estudo demonstra que não, que os efeitos podem ser a longo prazo, e são efeitos importantes."

Outra descoberta do artigo, baseado em registros de saúde e mortalidade de 10 mil adultos do Reino Unido, é que os tipos sanguíneos A, B e AB também aumentam o risco de doenças cardiovasculares (DCVs) em pacientes de covid que não tiveram acesso às vacinas. Essa informação reforça o impacto da genética na vulnerabilidade ao Sars-CoV-2 e vai ao encontro de estudos que associam o sangue tipo O à menor probabilidade de tromboses. 

Mecanismos

Os mecanismos biológicos que relacionam a covid-19 ao risco aumentado de doenças cardiovasculares ainda são investigados. Mas já se conhece boa parte deles. "A covid-19 pode desencadear uma inflamação generalizada no organismo, resultando em uma maior formação de coágulos sanguíneos, capazes de bloquear artérias no cérebro e provocar AVC", explica Maciel Pontes, neurologista no Hospital de Base de Brasília. "Além disso, a infecção pode exacerbar condições cardiovasculares preexistentes, agravando o risco", explica. 

Natalia Eberhardt, pesquisadora de pós-doutorado do Hospital Universitário NYU Langone Health, em Nova York, revela que o coronavírus também pode deflagrar uma resposta imunológica perigosa diretamente em placas de gordura que revestem os maiores vasos sanguíneos do coração. A condição é conhecida como aterosclerose. Eberthardt participou de um estudo que buscou compreender os mecanismos específicos do impacto do Sars-CoV-2 em pessoas que sofrem do problema, caracterizado por uma inflamação crônica nas artérias.

Placas 

Os pesquisadores examinaram amostras do tecido arterial de pacientes que morreram de covid-19 entre maio de 2020 e maio de 2021. Também coletaram placas retiradas de pacientes que fizeram cirurgia para removê-las das artérias. Esse material foi infectado pelo coronavírus em laboratório, para que os cientistas pudessem visualizar diretamente a ação do Sars-CoV-2 sobre os depósitos gordurosos. 

Ambos os experimentos mostraram que, em resposta à infecção, células de defesa chamadas macrófagos liberam citocinas, proteínas que convocam o sistema imunológico a atacar o invasor, mas que, cronicamente, podem provocar lesões graves. Duas das substâncias identificadas pelos cientistas são a interleucina-1 beta e interleucina-6, já associadas anteriormente a ataques cardíacos.

Ligação 

"Nossas descobertas fornecem, pela primeira, vez uma ligação mecanicista direta entre a infecção por covid-19 e as complicações cardíacas que ela provoca", diz Eberhardt. "O vírus cria um ambiente altamente inflamatório que pode facilitar o crescimento da placa, a ruptura e o bloqueio do fluxo sanguíneo para o coração, cérebro e outros órgãos importantes."

Os estudos também mostram que a vacinação é uma estratégia eficiente para reduzir os danos cardiovasculares associados ao vírus. Uma pesquisa publicada em setembro no European Heart Journal, com dados de toda a população adulta da Suécia — mais de 8 milhões de pessoas —, descobriu que, especialmente após três doses do imunizante, a chance de eventos como infarto, arritmia, acidente vascular cerebral e inflamação do tecido que reveste o músculo cardíaco foi até 30% menor, comparado a quem não foi vacinado. 

Mulheres mais expostas às DCVs

As mulheres, que por muito tempo foram negligenciadas no debate sobre doenças cardiovasculares (DCVs), emergem como um importante grupo de risco. Desde os primeiros estudos epidemiológicos a incluí-las — somente na década de 2000 — ficou evidente que elas deveriam ser prioridade nas políticas preventivas. 

Porém, a cultura de considerar os homens como principais vítimas de infarto, AVC e insuficiência cardíaca, entre outros, afastou o público feminino dos consultórios. Até hoje, muitas mulheres pensam que o câncer de mama é a doença mais letal entre elas. Estão enganadas. 

Um terço dos óbitos globais de mulheres é atribuído a doenças cardiovasculares — são 8,5 milhões por ano. "No Brasil, 53% da mortalidade feminina em 2022 foi por infarto e AVC, segundo o DataSUS. Para comparação, a mortalidade por câncer de mama foi 14%", observa Walkiria Samuel Ávila, pesquisadora do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HCFMUSP).

A médica, que coordena o Núcleo de Ensino e Pesquisa do Programa de Cardiopatia e Gravidez e Aconselhamento Reprodutivo do InCor, destaca que, em todas as fases, a mulher fica exposta a mais fatores de risco do que o homem. Primeiro, na adolescência, quando começa a tomar anticoncepcionais que, se não indicados apropriadamente, podem aumentar o risco cardiovascular. Na gestação, depois da gravidez e na menopausa, mudanças hormonais também aumentam as chances de DCVs.

Gestação 

No Brasil, 4% das gestações ocorrem em mulheres com cardiopatia, principal causa não obstétrica de morte materna. Até 80% desses óbitos poderiam ser evitados, explica Walkiria Samuel Ávila, acrescentando que dois terços das mortes ocorrem até 12 meses depois do parto.

"Mesmo mulheres saudáveis podem apresentar alguns fatores na gestação, como pressão alta, pré-eclâmpsia, perda fetal e parto prematuro. Todos esses são marcadores de risco cardiopata futuro, mas nem 10% dos médicos perguntam sobre isso para mulheres que têm filhos", critica a médica.  

No climatério, os riscos cardiovasculares aumentam ainda mais, alerta o cardiologista Cláudio Catharina, gestor de cardiologia da unidade coronariana do Hospital Icaraí, em Niterói (RJ), e membro da Sociedade Europeia de Cardiologia. "A perda do efeito do estrogênio coincide com elevação de pressão arterial, distúrbios da glicose e lipídeos e nova conformação corporal, com mais gordura visceral e abdominal", diz o especialista. 

O médico explica que, no caso de pacientes sintomáticas, a terapia de reposição hormonal deve ser avaliada segundo o risco cardiovascular. "Nas mulheres de menor risco e, particularmente, antes dos 60 anos e com menos de 10 anos da menopausa, esses resultados serão melhores e mais bem indicados", diz Cláudio Catharina. (PO) 

 

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postado em 21/10/2024 06:00
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